A urna e as pesquisas

Por Alon Feuerwerker*

Uma expressão usada pelo presidente da República é “jogar dentro das quatro linhas da Constituição”. O problema de Jair Bolsonaro: quem interpreta o que a Constituição quer dizer não é ele. É o Supremo Tribunal Federal.

E, no processo histórico de construção do nosso “bonapartismo distribuído”, as diversas forças políticas gastaram as décadas recentes estimulando o STF a adotar interpretações cada vez mais elásticas da Carta, conforme a conveniência do momento.

E as decisões passaram a depender mais da correlação momentânea de forças e menos do texto.

E voltamos à inevitável citação do Conselheiro Acácio: as consequências vêm sempre depois.

Foi a oposição de esquerda que inaugurou, nos anos 1990, o hábito de recorrer ao Supremo quando perdia votações no Congresso, ou quando não gostava de alguma decisão do governo e faltavam-lhe votos no Legislativo para reverter.

Basta procurar nos arquivos da imprensa a profusão de episódios com a foto dos principais líderes da oposição protocolando recursos no tribunal.

Nos anos recentes, a direita incorporou-se à caravana e passou a liderá-la, especialmente no período de glória da Lava Jato.

Talvez o episódio mais agudo desse último movimento tenha sido o STF aprovar a prisão após condenação em segunda instância. Tempos depois, a decisão foi revertida, mas o estrago estava feito.

No passar dos anos esse ativismo judicial passou a ser anunciado como tendo vindo para melhorar a República. Alguns veem também a oportunidade de “refundar” a dita cuja, e por outros meios que não o cansativo caminho de convencer o eleitor a dar os votos para construir a hegemonia no Executivo e Legislativo.

O ativismo judicial é um vetor da “nova política”, ou política de novo tipo. Agora parece termos enveredado por uma política de tipo inteiramente novo.

Política em que o Judiciário é arrastado a um papel equivalente ao dos outros dois protagonistas da Praça dos Três Poderes. E na qual o Executivo flerta com trazer as Forças Armadas para desequilibrar (ou equilibrar) o jogo. A parada em 2022 será decidida nessa moldura.

A raiz das tensões políticas, como costuma acontecer na História do Brasil, é a sucessão presidencial. No cenário de hoje, Jair Bolsonaro iria ao segundo turno e perderia para Luiz Inácio Lula da Silva. E o desempenho da “terceira via” ainda engatinha.

Se fosse um político convencional, o presidente estaria 100% concentrado em melhorar sua popularidade por meio de ações governamentais no combate à pandemia e no relançamento da economia.

Decidiu, porém, ir por outro caminho. Insistir que só perderá a eleição se for roubado. Mas quem decidirá se a eleição foi ou não limpa não vai ser ele, será a Justiça Eleitoral, que ele não controla. E quem vai resolver qualquer imbroglio na última instância é o Supremo Tribunal Federal, onde tampouco o presidente tem maioria.

E ambos os tribunais têm também como buscar apoio planetário. E o Brasil se candidata a ser mais uma “photo op” para os tais “observadores internacionais”.

O método brasileiro de coleta de votos pode ser aperfeiçoado, como todo método de coleta de votos. Mas talvez Bolsonaro devesse ter aberto esse debate em janeiro de 2019, e não só quando a má condução das políticas na pandemia e a elegibilidade de Lula fizeram notar que a reeleição tinha subido no telhado.

Abrir esse debate quando na prática não há mais tempo hábil para mudanças radicais pode fazer desconfiar que o problema do presidente não é tanto com a urna eletrônica, mas sim com as pesquisas.

Alon Feuerwerker é Analista Político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.



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