Análise: maioria dos que falaram sobre Lula no Twitter não são da esquerda partidária

As redes sociais foram palco de um verdadeiro frenesi nesta segunda-feira, 8. A notícia de que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, anulou as condenações referentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva rapidamente se tornou o principal assunto do dia na internet e engajou uma série de usuários — à esquerda, à direita, liberais, progressistas e muitos sem posicionamento definido.

O analista Pedro Barciela, que mede os debates em redes sociais nos últimos cinco anos, avalia que a movimentação na tarde de ontem foi “fora do normal” e dominada por grupos que geralmente não falam diretamente sobre política.

Das milhões de postagens sobre o tema, foram mais de 900.000 conexões mapeadas (isto é, menções, retuítes, respostas ou interações com outros usuários) citando o caso Lula em quatro horas.

Gráfico de conexões no Twitter após a anulação das acusações contra Lula: além das duas polarizações (esquerda, lilás, e direita bolsonarista, laranja), um grande grupo de novos entrantes participou do debate

Gráfico de conexões no Twitter após a anulação das acusações contra Lula: além das duas polarizações (esquerda, lilás, e direita bolsonarista, laranja), um grande grupo de novos entrantes participou do debate (Pedro Barciela/Reprodução)

Cerca de 70% desses usuários não citam Lula ou debates políticos regularmente (grupo verde na imagem acima), mas se engajaram na temática de ontem, em sua maioria, com menções mais favoráveis ao ex-presidente, ou distantes de algum apoio à Lava Jato e ao bolsonarismo. Já o grupo de apoio forte ao bolsonarismo teve somente 14% dos atores envolvidos no debate sobre Lula (laranja na imagem).

O grupo restante — o que Barciela chama de uma esquerda “partidária” (lilás na imagem) — incluiu nomes como Guilherme Boulos (PSOL-SP), o próprio perfil oficial de Lula e perfis militantes desse campo, mas ontem teve também “reforço” no Twitter por parte de figuras de esquerda no exterior, como o presidente argentino Alberto Fernández e o líder do partido espanhol de esquerda Podemos, Julio Iglesias.

“O grupo bolsonarista tem uma proporção alta de ator por conexão, isto é, eles compartilham muito entre si, conversam muito, o que gera sempre um barulho. No dia de ontem, isso não aconteceu. Eles tiveram alguma dificuldade em alinhar qual foi o discurso”, diz Barciela.

O grupo tradicionalmente mais favorável ao presidente Jair Bolsonaro inclui nomes como o presidente da Câmara, Arthur Lira, que disse sobre a decisão do STF que “Lula pode até merecer. Moro, jamais!”. A postagem foi compartilhada também por grupos mais ligados à esquerda, o que é um dos momentos que explica a ligação entre os três grandes blocos na imagem. Já os blocos lilás e laranja ficaram majoritariamente mais afastados, sem grande engajamento entre si.

Mais sobre caso Lula

Se o grande bloco verde da imagem vai se refletir em apoio efetivo ao ex-presidente numa possível eleição em 2022, ainda é um mistério. O Twitter, por si só, é um pequeno microcosmo que pode dar o tom dos apoios no momento, mas está longe de representar a totalidade da população brasileira. “É um cenário muito diferente, por exemplo, de pequenos grupos políticos de Facebook no interior”, diz Barciela, que é fundador do site Essa Tal de Rede Social e trabalha como consultor sobre o tema.

Há ainda quem ganhe eleições sem conquistar as redes, caso de nomes como o prefeito Bruno Covas (PSDB) em São Paulo, que tinha menos presença online do que o oponente Guilherme Boulos. Mesmo assim, sobretudo desde 2018, olhar para as redes sociais virou imperativo para discutir política. Veja abaixo os principais trechos da entrevista com Barciela.

Barciela: “não vejo espaço para uma terceira via nas redes”

Barciela: “não vejo espaço para uma terceira via nas redes” (Pedro Barciela/Reprodução)

O que houve de diferente ontem em relação a outros dias?

A primeira coisa é o volume. A gente tem no Brasil, no Twitter, um processo de polarização. Isso é fomentado pela própria plataforma. Não existe um termo “furar a bolha”, até porque, quando você faz isso, a bolha acaba. Você tem, na verdade, a expansão do universo de quem está debatendo aquele tema. Quando isso acontece na política, significa dialogar com outros agrupamentos que não estão no dia-dia do debate político.

Ontem houve um número grande de usuários que passaram a engajar com o tema Lula e se engajar com a esquerda política. Também houve um universo de atores que desde o ápice da Lava Jato não se manifestavam com tanta veemência sobre a operação, nem sobre o Lula. Aqui temos um elemento que corrobora a tese de que a Vaza Jato [vazamento de mensagens sobre a operação Lava Jato] cacifa uma série de atores — que até então não participavam do debate — com argumentos que reforçam a suspeição de Moro. Não é que eles acham que “agora é Lula”. É quase como uma reparação histórica na fala de alguns grupos, que passaram a argumentar que houve problemas na Lava Jato.

Qual foi o papel do bolsonarismo ontem?

Vimos um isolamento do bolsonarismo. O grupo bolsonarista tem uma proporção alta de ator por conexão, isto é, eles compartilham muito entre si, conversam muito, geram muito engajamento entre si, o que gera sempre um barulho. No dia de ontem, isso não aconteceu. Eles tiveram alguma dificuldade em alinhar qual foi o discurso.

Mesmo dentro do bolsonarismo houve uma diferença grande de posicionamento. Tem desde um ator como Arthur Lira que disse que “o Lula merece, o Moro, não” até olavistas que estão bravos com o Fachin, o STF e a decisão.

Esse bloco bolsonarista esteve mais desunido?

Desde o começo, a Lava Jato representou setores da direita brasileira que não dialogavam tanto. Sempre que eles falavam de Lula, aí sim, era como um retirar de tropas, eles se uniam novamente, tanto o lavajatista quanto o bolsonarista voltavam a se aproximar. Ontem isso não aconteceu.

Talvez porque o lavajatista arrefeceu de forma absurda. E em algumas postagem acusam o bolsonarismo de ter enfraquecido a Lava Jato de forma a permitir essa ação do Fachin.

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