As ansiedades sobre o ‘novo normal’ na economia e na política

Por Gustavo Franco*

Ainda é alto o nível de desemprego, e a atividade econômica experimentou uma recuperação que parece estar encontrando seus limites. Seja por conta de problemas pelo lado da oferta, quando etapas da cadeia produtiva ficaram comprometidas por problemas gerados pela pandemia, seja pelo fato de que voltaram a crescer as infecções a partir da “variante delta”, o que pode prolongar ainda mais as medidas de flexibilização. Parece se elevar a ansiedade com relação ao crescimento no restante do ano de 2022.

A ansiedade com a inflação também se elevou, mesmo com o Banco Central do Brasil prosseguindo com as elevações da ao ritmo de 0,75% por reunião [até a alta de 1 ponto percentual no último dia 4], ou mantida a premissa de que a trajetória dos juros é para cima. Julho não teve reunião do Copom – o prazo entre reuniões é de 45 dias. O Fed também não alterou seu mix de políticas de resposta à pandemia a despeito dos indícios de aceleração da inflação. Prevalece um “excesso de liquidez” destinado a recuperar a atividade econômica, nos EUA como no Brasil, com implicações em alguns ativos mais sensíveis.

Não obstante, a disseminação da “variante delta” mesmo em países com altas taxas de vacinação trouxe dúvidas sobre a extensão da normalização na atividade “pós-covid” e sobre a recuperação global que já se desenhava. As novas “ondas” de novas variantes enfraquecem a noção de um “pós-covid” muito próximo da normalidade anterior. Voltam as ansiedades sobre o “novo normal”, ou sobre como “conviver” com sucessivas ondas de covid, incidindo sobre populações já vacinadas e que talvez tenham que se acostumar com revacinações periódicas.

No mês de julho, prosseguiu o enredo em torno do “pacote tributário”, de que tratamos com algum detalhe neste espaço em nossa edição anterior. O assunto está longe do fim, a situação é dinâmica, pois o projeto acabou sem ser votado antes do recesso parlamentar, conforme prometido inclusive pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e as alterações sobre as alterações vão se acumulando.

Definitivamente, o “pacote” não teve boa acolhida e seu único efeito palpável até agora foi sobre o status do ministro Paulo Guedes, que perdeu poderes nesse trajeto, poderes do tamanho de um ministério inteiro, o do Trabalho, recriado, como se descreve mais abaixo.

O “pacote” tramitou sob a designação de PL 2337/21 e teve um relatório na Câmara de autoria do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), já alterando muito substancialmente o projeto original, retirando quase todos os dispositivos mais polêmicos, inclusive a esdrúxula de investimentos imobiliários. O relatório do deputado Sabino tem sido amplamente discutido e negociado – já há uma segunda versão em circulação –, de modo que os líderes continuam afirmando que a votação na Câmara ocorrerá logo após o recesso.

Porém percalços adicionais não devem ser afastados, tanto que o ministro e o deputado andam conversando bastante. A segunda versão do relatório está circulando desde o dia 2 de agosto, mas a contrariedade com o pacote não arrefeceu.

Mesmo que o segundo relatório seja votado com sucesso no retorno dos trabalhos parlamentares, o texto que chegará ao Senado na sequência será muito mais magro que o da sua versão original, e ainda rico em objeções, o que serve como evidência de um erro grosseiro de diagnóstico, sobretudo ao se tentar elevar o PL 2337 ao patamar de uma “segunda etapa da reforma tributária”. Não era isso, logo se percebeu, talvez causando danos à discussão da verdadeira reforma tributária.

Mas terá sido um acidente deixar a Receita Federal escrever esse texto apenas para vê-lo esquartejado na Câmara? Em que medida esse fiasco afeta a discussão sobre a reforma tributária, a verdadeira? Em que medida um pacote visto como uma espécie de wish list da Receita a descredencia para um debate sobre a “simplificação” do sistema tributário?

Vale ter claro que há no Senado, pronto para votar, um relatório sobre a reforma tributária, de autoria do senado Roberto Rocha (PSDB-MA), parlamentar habitualmente lembrado pelos seus compromissos com a causa das ZPEs (zonas de processamento de exportações) e que trabalhou com os textos das PECs 45 e 110, bem como da proposta governamental sobre a CBS (contribuição sobre bens e serviços). Parece inevitável que o Senado se veja diante de duas “reformas tributárias”, a verdadeira, de índole constitucional, nascida no Senado, e a “segunda etapa”, conforme a visão da Receita, e vinda de um difícil percurso na Câmara, que lhe retirou quase todas as medidas polêmicas.

O que chegará ao Senado será basicamente o reajuste da tabela progressiva para o Imposto de Renda que todos apoiam, a começar pelo presidente Bolsonaro, e um outro assunto muito complexo, a tributação sobre , com certo alívio sobre os impostos dentro das empresas. São esses os dois temas básicos sobre os quais o Senado vai se debruçar: o reajuste dos valores da tabela tem um custo de cerca de 15/20 bilhões anuais, segundo diz a Receita, e a tributação sobre dividendos, em seu novo formato, fornece um tanto mais que isso, mas com alterações de composição que afetam os fundos de participação de estados e municípios.

Fica a lição de que mexer no Imposto de Renda é sempre uma complicação, e não é por acidente que passou tanto tempo sem que se tenha concebido uma fórmula definitiva e desindexada para a tabela progressiva.

A arrecadação foi muito boa no primeiro semestre do ano, o que diminuiu muito o problema de se encontrar um “financiamento” do reajuste da tabela. Junte-se a isso o fato de que o governo apostou suas fichas no argumento falso de que o Brasil, diferentemente de outros países, não tributa dividendos. Era uma curiosa tentativa de trazer a esquerda para apoiar o pacote [1].

Nesse tópico, o secretário Everardo Maciel [secretário da Receita entre 1995 e 2002] tem sido muito vocal em lembrar que em 1995 o Brasil fez o movimento exatamente oposto (desistiu de tributar dividendos e aumentou os impostos sobre as empresas) com o intuito de simplificar a vida das empresas e não ter que mobilizar exércitos de fiscais a monitorar a DDL (distribuição disfarçada de lucros). O sistema de 1995 tem funcionado muito bem e retroagir ao que se tinha antes não faz o menor sentido, diz o secretário Everardo.

Resta ver como o Senado tratará do assunto, especialmente tendo em vista os outros enredos na Câmara Alta, como o relatório do senador Roberto Rocha e a CPI da Covid, e como o Executivo concebe a sua trajetória até as eleições.

Um preparativo importante para a jornada até outubro de 2022 foi o embarque de Ciro Nogueira, condestável do Centrão, presidente do PP, um “peso pesado” da política parlamentar que vem para a Casa Civil do governo. É uma inovação importante, que sepulta qualquer ideia de “nova política” em conexão com Jair Bolsonaro, o qual, no entanto, nesse tópico, não se furtou a lembrar que em toda a sua vida político-parlamentar foi membro de partidos do chamado Centrão.

É difícil prognosticar o que essa mudança poderá representar no sentido de mais moderação e pragmatismo no Palácio, mesmo descontando a elevação da “taxa de fisiologismo”. Fracassaram as tentativas de verter o presidente para uma postura mais “mainstream”, o ministro Guedes foi sempre o maior apóstolo dessa estratégia e nessas últimas semanas o seu esvaziamento superou qualquer outro episódio anterior.

Parte do “pacote” que trouxe Ciro Nogueira para o governo compreendeu inclusive o deslocamento de Onyx Lorenzoni para um ministério a ser criado – do Trabalho, Emprego e Previdência –, extraído de dentro do ministério da Economia. Não há dúvida de que o ministro Guedes perde com isso, tanto que estão abertas e expostas as conversas sobre um redesenho das principais secretarias do ministério da Economia com vistas a dificultar novas mutilações, a pior das quais a recriação do Ministério do Planejamento.

Essas alterações no ministério têm sido vistas no contexto da CPI da Covid, do esforço de reduzir as chances de impeachment e de preparativos para as eleições de 2022, assunto muito comentado em julho a partir da polêmica sobre o voto impresso e em especial pelas manifestações infelizes de chefes militares sobre o assunto e pela reação do STF.

As pesquisas têm exibido uma liderança folgada de Lula contra qualquer adversário, bem como a tibieza da Terceira Via, ao menos por ora.

O “novo normal” na economia ainda não está bem configurado, o mesmo valendo para essas novidades na política e para o fato de o presidente da República estar permanentemente testando limites.

[1] Outra concessão (só assim se entende) foi a de preservar a CSLL de qualquer redução compensatória sob o argumento de que iria “elevar o rombo da Previdência”, o que parece subscrever a duvidosa contabilidade pela qual a CSLL seria uma receita previdenciária.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e foi presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de agosto, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes.

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