Autor incentiva ‘aliança’ de homens e mulheres para acelerar diversidade no trabalho

No ano passado, o ranking das maiores empresas dos Estados Unidos foi marcado por um recorde histórico: nunca antes houve tantas mulheres no comando das companhias da lista. Foram 41, incluindo duas mulheres negras, contra apenas 12 uma década atrás. Guardadas as devidas comemorações, o número revela também um problema. Ainda que inédito, ele equivale a apenas 8% das lideranças da lista. Um número baixíssimo considerando que elas são mais da metade da população.

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Nesse cenário, em que a discussão sobre a necessidade de inclusão já foi superada, mas a experiência de trabalho das mulheres ainda é mais difícil que a dos homens, a solução pode vir justamente de quem está em posição de privilégio: deles.

É o que defende o sociólogo americano David G. Smith, no seu livro “Good Guys: How men can be better allies for women in the workplace” (“Os Mocinhos: Como os homens podem ser melhores aliados das mulheres no ambiente de trabalho”, em tradução livre, ainda não publicado no Brasil”). Ex-militar, ele começou a tomar consciência da desigualdade de gênero ao conversar com sua esposa, também militar, sobre as diferentes experiências que tinham no trabalho. 

“Frequentemente, as mulheres não recebem a mesma mentoria que os homens, nem os mesmos incentivos e nem têm seus projetos e ideias defendidas pelos seus colegas homens”, contou Smith em entrevista à EXAME. “Além de desenvolver consciência, os homens também precisam apoiar, defender e incentivar as mulheres publicamente, falando sobre elas e todos os diferentes talentos. Também é preciso ser o cara que chama a atenção dos amigos ao presenciar comportamentos ou linguagens sexistas ou enviesadas. Às vezes, os homens pensam que vão perder a sua carta de masculinidade por fazer isso. É algo que temos que superar.” 

O sociólogo explica que, apesar dos grandes avanços das mulheres nas últimas décadas, boa parte dele envolveu se adaptar aos ambientes masculinos, ao invés de construir um ambiente igualmente favorável ao desenvolvimento de homens e mulheres. Para que isso aconteça, é imprescindível que os líderes homens assumam seu papel no processo. E esse movimento, ele explica, começa em casa.

“Em muitas regiões do mundo hoje, as mulheres fazem de 2 a 3 vezes mais trabalho doméstico do que os homens. Se você tem uma parceira mulher, pode começar perguntando a ela: ‘estou fazendo a minha parte?’, porque essa discrepância no lar é o que as impede de trabalhar e batalhar pelas suas carreiras”, explica Smith, que falou também sobre a responsabilidade das empresas no fomento a esse ambiente mais igualitário.

“Precisa começar por cima: ter alguém no topo da organização garantindo que os líderes sêniores falem sobre isso com seus funcionários, conectando tudo isso com o negócio e com os resultados”, comenta o autor. “Transparência também é importante, assim como responsabilizar os líderes em relação a esses objetivos [de igualdade de gênero]. Se não, a mudança não virá tão rápido quanto gostaríamos.”


Confira a entrevista completa de David G. Smith para a EXAME:

EXAME: Como sua experiência como militar te ajudou a entender o seu papel na luta pela igualdade?

David G. Smith: Minha esposa também era militar, oficial naval, e nós costumávamos conversar em casa sobre as nossas vivências no trabalho. Sempre foi muito surpreendente para mim o quão diferente era a experiência dela, quantas barreiras e desafios eram colocados na frente dela e que eu, como homem, nunca experienciei.

Eu nunca ouvi coisas como “você deveria sorrir mais” ou “não deveria ser tão assertiva em seus feedbacks”, mas ela sim. Fui observando que essa diferença estava em todo lugar, e essas percepções acabaram se encaixando na minha pesquisa acadêmica, como sociólogo. Essas percepções se encaixaram perfeitamente na minha pesquisa acadêmica, que é focada na interseção entre gênero, trabalho e família, e acabaram me levando a olhar mais para a questão de gênero no ambiente de trabalho.

O que você pesquisa, exatamente?

Minha pesquisa é focada na interseção entre gênero, trabalho e família, o que acabou me levando a olhar mais para a questão de gênero no ambiente de trabalho. Comecei pesquisando justamente casais de militares em que os dois estavam ativos no exército.

Observei as diferenças entre as experiências deles e vi que, frequentemente, as mulheres não recebem a mesma mentoria que os homens (tanto em frequência quanto em qualidade), nem os mesmo incentivos (“sponsorship”) e nem têm seus projetos e ideias defendidas (“advocacy”) pelos seus colegas homens. Mas a maioria de nós sabe que não se faz nada apenas com o próprio cérebro. Todos precisamos dessa rede de apoio.

Qual a forma mais efetiva de engajar os homens a se tornarem aliados das mulheres? 

Não existe um jeito perfeito. Nós aprendemos a liderar observando líderes de gerações passadas. Mas há 40 ou 50 anos, não havia tantas mulheres na força de trabalho, que era bem pouco diversa. Uma boa liderança do passado não é uma boa liderança do presente. Hoje o sucesso das empresas está ligado a um novo estilo de liderança, marcado pela humildade e pela autenticidade.

Ser vulnerável, entender que eu não tenho todas as respostas, que eu também vou cometer erros pelo caminho não é mais um sinal de fraqueza, mas sim algo valorizado pelas pessoas, que querem trabalhar para líderes que podem ser eles mesmos e falar sobre questões difíceis e desafiadoras. Um estudo mostrou que 62% dos CEOs e líderes sêniores dizem que foram esses traços que os levaram aonde estão hoje. 

Esse novo estilo de liderança causa uma certa desconfiança nos homens? O que você costuma ouvir deles?

Ainda existe muito medo, no sentido de que eles ainda se preocupam com o que acontece se eles começarem a passar mais tempo nutrindo relações com mulheres no ambiente de trabalho. Se isso dá margem para fofocas, o que as pessoas vão achar…. Outros homens ficam ansiosos por não saber exatamente como é ter uma relação apenas profissional com uma mulher – sem nenhum envolvimento sexual ou de parentesco. “Como é isso?” 

Como se colocar nessa posição de aliado de uma maneira genuína? 

Além de desenvolver consciência, ouvir e pensar no aspecto da relação interpessoal, os homens também precisam apoiar, defender e incentivar as mulheres publicamente, falando sobre elas e todos os diferentes talentos. Também é preciso ser o cara que chama a atenção dos amigos ao presenciar comportamentos ou linguagens sexistas ou enviesadas.

Às vezes, os homens têm medo disso. Pensam que, se corrigirem uma fala sexista, vão perder a sua carta de masculinidade. Temos que superar isso sem cair na armadilha da aliança performativa, que é apenas dizer as coisas certas sem alinhar as ações ao discurso. É preciso construir esse alinhamento. 

Como se começa essa construção?

A igualdade de gênero no trabalho começa em casa. Em muitas regiões do mundo hoje, as mulheres fazem de 2 a 3 vezes mais trabalho doméstico do que os homens, e isso piorou durante a pandemia. Se você tem uma parceira mulher, precisa pensar sobre o que está fazendo em relação à parte que lhe cabe das responsabilidades domésticas, do cuidado…

Comece perguntando a ela “estou fazendo a minha parte?”, porque essa discrepância no lar é o que as impede de trabalhar e batalhar pelas suas carreiras. Também é importante que isso seja visível para os filhos do casal, para que eles tenham uma perspectiva de papéis de gênero mais inclusiva.

Os homens também têm a ganhar ao se engajarem com a inclusão?  

Normalmente alguns homens imaginam que o ganho de um significa a perda do outro, mas esse não é o caso. Descobrimos que as organizações que priorizam a igualdade de gênero conseguem ter uma produção mais eficiente e eficaz, crescer, fazer mais dinheiro e, assim, os líderes avançam individualmente.

Quando os homens estão engajados nessa causa e têm mais relações profissionais com mulheres, seja como seus mentores ou sendo mentorados por elas, ou simplesmente colaborando no dia a dia, eles também se beneficiam: têm mais acesso à informação, redes de contato mais diversas, e aprimoram habilidades interpessoais como empatia, inteligência emocional… Elementos que os tornam líderes melhores. 

Alianças pressupõem a colaboração entre os indivíduos. Mas como as companhias podem contribuir nesse processo?

Existem muitas maneiras, mas a principal delas é começar por cima: ter alguém no topo da organização garantindo que os líderes sêniores falem sobre isso com seus funcionários, conectando tudo isso com o negócio e com os resultados. Transparência também é importante, porque constrói confiança entre as pessoas na organização. Os liderados querem confiar nos seus líderes e, quantos mais transparentes somos sobre o que fazemos, por que, e o quão bem estamos fazendo, maior a confiança e, certamente, melhores os resultados.

Tudo bem assumir que não está tudo bem, sabe? Por fim, precisamos encontrar maneiras de responsabilizar líderes, dos CEO’s aos gerentes. Pode ser por meio de relatórios de performance, de incentivos monetários atrelados a metas de diversidade em contratações e promoções nos cargos mais baixos… Porque é aí que tudo começa. Se os tomadores de decisão não forem responsabilizados em relação a esses objetivos, a mudança não virá tão rápido quanto gostaríamos.

A pauta da diversidade e inclusão nas empresas começou com pequenos grupos ou projetos. Hoje em dia, já dá para dizer que essa é uma nova forma de fazer negócios? 

Sim. Milhões de dólares são gastos anualmente com treinamentos relacionados à diversidade e inclusão, mas pesquisas mostram que só isso não é nada eficaz. Para aproveitar todo o potencial, a diversidade precisa permear nossas práticas diárias, ser parte de quem somos e do que fazemos todos os dias, porque é assim que se promove uma mudança cultural.

Temos que treinar líderes para integrar essas práticas e conceitos no cotidiano. Programas de mentoria e apoio são ótimas iniciativas para fazer isso – muito mais eficazes que treinamentos individuais e silenciosos, que a maioria não acha que vale muito a pena.

O musical “Como Vencer na Vida sem Fazer Força” fez muito sucesso ao satirizar o corporativismo machista dos anos 50, muito bem representado em “Mad Men”, por exemplo. O quão perto estamos de superar esse tipo de ambiente de trabalho?

Temos um longo caminho pela frente. Nas últimas cinco ou seis décadas as mulheres têm feito um progresso tremendo, mas muito calcado em se adaptar a ambientes de trabalho dominados por homens, projetados por homens para fazer o trabalho de homens. Até agora não vimos mudanças dramáticas, estruturais para tornar mais fácil para as mulheres terem sucesso no ambiente de trabalho.

Esse é o objetivo aqui: como criar um ambiente de trabalho em que todos possamos ter sucesso? Eu entendo que é uma mudança drástica se comparado aos anos 1950, mas o ambiente e a força de trabalho mudaram, e as empresas que estão se adaptando mais rápido terão mais sucesso. De uma perspectiva de negócios, nós não podemos simplesmente nos conformar com a ‘irmandade masculina’, mas sim trazer nossas irmãs para dentro disso também!

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