“Bolsa brasileira não é a única alternativa para juros baixos”

São Paulo – Em um cenário em que os juros brasileiros estão caindo a mínimas históricas, qualquer investidor que não queira ver também seus rendimentos caírem terá que diversificar. Para Gustavo Aranha, o erro da grande maioria é pensar que diversificação é variar apenas nos tipos de ativos. “Diversificar geograficamente é também fundamental’, diz.

Aranha é um dos sócios da Geo Capital, gestora de fundos que investe 100% de seu capital em ações de empresas listadas no exterior. Fundada em 2013 em São Paulo, a Geo Capital possui hoje mais de 700 milhões de reais sob gestão distribuídos em ações como Disney, Tiffany, a rede hoteleira Marriott, a agência de classificação de risco Moody’s e a gigante de equipamentos agrícolas John Deere.

O desafio da Geo Capital em 2019 sintetiza o drama de qualquer investidor mundo afora atualmente: continuar encontrando bons rendimentos em um cenário completamente adverso. Por um lado, queda de juros no Brasil, Estados Unidos, Europa e outras praças inviabiliza cada vez mais a renda fixa. Por outro, bolsas de valores que já entraram em 2019 com preços recordes enfrentam as turbulências que vieram com a guerra comercial EUA-China e o fantasma de uma possível nova onda de desaceleração global.

“Achar bons investimentos dá muito trabalho”, diz Aranha. “Mas, mesmo em um mundo em que tudo está meio caro, é ainda possível encontrar oportunidades baratas.”

Aranha conversou com Papo que Rende, coluna de entrevistas da EXAME. Veja os principais trechos:

As bolsas norte-americanas, assim como a brasileira, atingiram máximas históricas neste ano. Isso significa ativos já caros em meio a sinais de desaceleração e um cenário global conturbado. Como acreditar que investir em bolsas de valores é ainda um bom negócio?

É, de fato, uma contradição. A narrativa da economia global está caótica e está tudo caro. Isso em um momento em que, com juros baixos, investir em renda fixa também já não dá mais. Achar bons investimentos dá muito trabalho. O que fazemos em nossos fundos é trabalhar com um recorte muito pequeno dentro do bolo inteiro de ações disponíveis. Existem 71 mil empresas listadas no mundo atualmente. Nós selecionamos um grupo de 60 que julgamos ser as melhores e as acompanhamos de perto. Dentro dessas 60, há ainda muita coisa cara, por isso alocamos os recursos em apenas 17 delas. Quer dizer, não é necessário que o mercado inteiro esteja barato, mas, sim, que um pequeno recorte dele esteja.

Como encontrar empresas boas e baratas neste cenário?

As melhores são as que geram lucro, ou, na métrica que usamos, que podem dobrar o lucro nos próximos cinco anos. Em muitos casos, estamos falando de negócios fora de moda, como a Disney. Há algum tempo, o mercado colocou a Netflix valendo a mesma coisa que a Disney, sendo que a Netflix gera um prejuízo enorme e ainda vai investir muito para um dia ter lucro, enquanto a Disney já gera bilhões de caixa por ano. O mercado tem, às vezes, uma dinâmica de achar que o novo é mais legal, mas há diversas empresas consolidadas que já estão aí gerando lucro. Isso faz com que estejam, sim, baratas. Disney, John Deere, Tiffany, AB InBev são alguns exemplos disso.

Quais são, por outro lado, as empresas que estão caras?

Microsoft, Facebook, Ferrari, Hermès são alguns exemplos. Como eu disse, nós acompanhamos um conjunto de 60 empresas. Dessas, só 17 estão baratas e são aquelas em que investimos; as outras 43 estão caras. O ponto é que, mesmo em um mundo em que tudo está meio caro, é ainda possível achar oportunidades baratas.

Tendo em vista esse cenário de saturação das bolsas e de conturbação global, você diria que é hora de investir no mercado de ações, seja dentro ou fora do Brasil?

A palavra é diversificação. Há uma cabeça de investir “aqui ou lá”, mas, para nós, é “aqui e lá”; uma coisa não exclui a outra. Diversificar geograficamente é também fundamental. Não faz sentido um investidor que tenha algum capital colocar tudo em um único país. Isso vai completamente contra a teoria dos ovos: ter uma carteira com vários tipos de ativos, mas todos de um país só, não é distribuir os ovos em várias cestas, é ter ovos diferentes em uma cesta só. Você compra o risco de um país só.

Os fundos da Geo Capital investem basicamente em empresas americanas e europeias. Por que não há ativos de outras regiões, como China e outros emergentes?

As bolsas dos mercados desenvolvidos são, em geral, menos voláteis, por serem economias mais maduras e menos cheias de surpresas. Mas o grande diferencial delas está na liquidez, é isso que diminui muito o risco. Nos mercados com pouca liquidez as ações são negociadas em volumes pequenos, enquanto que em um mercado maduro você consegue comprar e vender um ativo com muita facilidade, na hora que precisar. Só para ter uma ideia, se a bolsa brasileira, considerando todo o volume de negociações que recebe, fosse uma ação, seria apenas a décima mais negociada dos Estados Unidos. Mas o nosso critério é sempre investir em ações de empresas muito boas, com governança corporativa forte e potencial de crescimento. Hoje, as 60 que acompanhamos estão nos Estados Unidos ou Europa, mas isso não é a regra, é como está hoje. Queremos ter as 60 melhores do mundo. Se uma delas estiver na Ásia, então estará no nosso portfólio.

No relatório de balanço do segundo trimestre da Geo Capital, vocês citam o setor de mídia como exemplo de indústria que está conseguindo se renovar frente ao avanço de novos modelos de negócios, com casos como o da Netflix e da Disney. Há outros setores em que isso acontece?

Acompanhamos empresas de mídia, serviços financeiros, alimentos, e a tecnologia é algo que está presente em todos eles. O que acontece é que o setor de mídia foi o primeiro em que a tecnologia se fez presente, o primeiro em que ela ameaçou os modelos e empresas existentes. Disney, Comcast, Facebook e Google são exemplos de empresas que estão sabendo ganhar com esse processo.

Vocês veem o interesse por investimentos no exterior crescendo entre os brasileiros?

O investidor brasileiro está entendendo que os juros caíram, que ele precisa de alternativas e que a bolsa brasileira não é a única alternativa. Claro que, até pela regra, o nosso público hoje é o investidor qualificado, mas é este o caminho natural [fundos com 100% de investimentos no exterior só podem ser adquiridos por investidores qualificados, aqueles que possuem ao menos 1 milhão de reais investidos no mercado financeiro]. As opções surgem antes em um público que é formador de opinião e vão, aos poucos, descendo a escala. Foi o que aconteceu com os fundos multimercados. No começo dos anos 2000, ninguém conhecia e só os grandes clientes tinham. Hoje, 20 anos depois, é algo de que todos estão falando. É o que deve acontecer com os investimentos fora do Brasil. Cada vez mais eles farão sentido para o investidor do varejo também.

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