Bolsas vão piorar antes de melhorar, diz economista da Allianz Research

Medidas extraordinárias foram tomadas não só para achatar a curva do novo coronavírus, mas também a reta da recessão econômica. Mesmo assim, a depressão global no primeiro semestre de 2020 é inevitável e o custo da contenção para o comércio global no primeiro trimestre deverá chegar a 1,06 trilhão de dólares, de acordo com levantamento feito pela Allianz, obtido com exclusividade pela EXAME.

A notícia também não é boa para os mercados de capitais: piorará antes de melhorar, e a expectativa é que a falência das empresas aumente em 14% em todo o mundo ao longo do ano. “Esperamos que a volatilidade de curto prazo faça com que os índices de ações caiam entre 10% e 20% antes de reverterem gradualmente as perdas no fim do ano”, escreve Georges Dib, economista para a América Latina, Espanha e Portugal da Allianz Research. Dib conversou com a EXAME, confira abaixo os principais trechos.

EXAME – A atual crise é semelhante à crise do subprime de 2008?

A recessão do “grande bloqueio” significará uma perda de 9 trilhões de dólares em 2020 (ou -3,3%), o equivalente ao produto interno bruto da Alemanha e do Japão combinados e duas vezes pior do que a crise financeira global de 2009. Em um cenário em formato de U, as economias funcionarão abaixo do potencial e voltarão ao normal em meados de 2021. Políticas inéditas eram necessárias. Déficits fiscais de dois dígitos e balanços dos bancos centrais ajudam a mitigar os custos financeiros, econômicos e sociais da crise, mas não evitam a recessão global. O que seria necessário agora é um estímulo fiscal eficaz durante a fase de recuperação, além do apoio ao poder de compra do consumidor (dinheiro na mão, isenção de impostos). Os gastos com infraestrutura (incluindo investimentos novos) e incentivos fiscais para aumentar os investimentos domésticos provavelmente serão prioritários. Esperamos gastos de 1,5% a 2% do PIB em medidas de estímulo fiscal durante a fase de recuperação na Europa e perto de 10% nos Estados Unidos.

EXAME – Antes da crise, as bolsas de valores estavam em seu nível mais alto. É possível voltar ao patamar anterior à crise? Por quê?

Antes da crise, diferentes mercados estavam em território de supervalorização. Em tais circunstâncias, qualquer choque de incerteza tem um forte impacto sobre preços e liquidez, interrompendo as condições de financiamento para as empresas. Esperamos um caminho instável, e a pressão deve permanecer durante toda a temporada. Os setores industrial e de energia provavelmente serão os mais afetados pela crise da covid-19 nos Estados Unidos. Outros grandes perdedores são os segmentos de lazer, transporte e automotivo. Mesmo após a recente recuperação do mercado de ações, continuamos convencidos de que ainda é complicado prever uma trajetória de recuperação com base fundamentalista. Consequentemente, esperamos que os mercados de ações globais apresentem queda de 20% em 2020 e que gradualmente comecem a se recuperar para níveis anteriores em 2021.

EXAME – Os mercados emergentes, como o Brasil, podem enfrentar dificuldades maiores do que os países desenvolvidos para voltar a crescer?

Alguns mercados emergentes já exibiam pontos de vulnerabilidades antes mesmo da crise da covid-19 (moedas supervalorizadas, queda da receita de petróleo, dependência de exportações). A pandemia trouxe um choque triplo – econômico, financeiro e de consumo -, além do desafio da política de saúde, e acentuou a tendência de forte correção dos preços das ações e a significativa valorização do dólar (bem como uma tendência generalizada dos aumento dos spreads corporativos e soberanos). Os dados iniciais da atividade mostram que mercados emergentes foram atingidos com força. Nosso PMI de emergentes, excluindo a China, caiu para 46,8 pontos em março (de 50,3 em fevereiro). As economias abertas sofreram mais com seu índice agregado caindo de 49,6 pontos para 43,9 pontos, refletindo a contração esperada no comércio global. Os principais emergentes também registraram saídas recordes combinadas líquidas de carteira de 83 bilhões de dólares em março. A Rússia e a Turquia sofreram quedas substanciais em suas reservas oficiais de câmbio na terceira semana de março, ou seja, 30 bilhões de dólares (-6% do total de reservas) e 7 bilhões de dólares (- 10%), respectivamente.

EXAME – O que você espera do PIB no próximo ano?

Globalmente, esperamos um retorno à normalidade em meados de 2021 (com crescimento de 5,6% do PIB em 2021). Para o Brasil, esperamos uma contração econômica de 5% neste ano, ante uma projeção anterior à crise de alta de 2%, seguida de uma recuperação de 5,5% em 2021.

EXAME – Você acredita que a recuperação em forma de U ocorrerá ao mesmo tempo em diferentes países ou alguns deles serão mais rápidos que outros? Por quê?

O protecionismo e os planos não cooperativos de reabertura dão um sabor amargo à manhã seguinte. Enquanto vemos uma recuperação em forma de U no nível global, ela será diferente entre os países. À medida que mais países anunciam fim dos bloqueios ou em fases (França, Reino Unido, EUA, Alemanha), todos eles estão delineando seus planos para reiniciar gradualmente a atividade. No entanto, é preciso ter em mente que nem todos os países estão no mesmo barco; cada um enfrentava riscos diferentes às vésperas do confinamento. Para entender as possíveis estratégias de saída e os riscos a elas associados, agrupamos os países em duas dimensões que analisam suas condições iniciais, antes de suspender seus bloqueios: (1) a eficiência do sistema de saúde e (2) a vulnerabilidade econômica ao confinamento. O primeiro cluster, formado principalmente pelos chamados mercados emergentes, ainda não está preparado para liberar as pessoas, à medida que o vírus se acelera e os centros de saúde estão lutando para acompanhar os casos. O segundo aglomerado, os madrugadores (China, Coréia do Sul, Áustria), estão perto de derrotar o vírus, aumentando a quantidade de testes e a capacidade médica. Um terceiro aglomerado compreende países limítrofes, onde foram feitos progressos na interrupção da disseminação do vírus (Itália) ou a capacidade médica e de testes superaram os pares (Alemanha, Cingapura). O último cluster compreende países que ainda estão enfrentando a epidemia (Reino Unido, EUA, França…).

EXAME – A China é o mais importante parceiro comercial brasileiro. Você acredita que podemos enfrentar um choque ainda maior?

Acreditamos que o choque inicial (no primeiro trimestre) será mais forte para Brasil, Chile e Peru, pois a China é o maior parceiro comercial de todos. As exportações para a China variam de 3,4% do PIB no Brasil a 7,8% do PIB em Chile. Mas mais importante do que o impacto do comércio chinês é o impacto sobre os preços das commodities: vimos um choque no primeiro trimestre e, como o Brasil exporta entre 80 bilhões de dólares e 100 bilhões de dólares em commodities por ano (cerca de 5% do PIB), o impacto de preços mais baixos devido à menor demanda chinesa e, consequentemente, à menor demanda global será ainda mais forte no segundo trimestre. Por fim, o choque mais forte continua sendo o choque doméstico dos bloqueios. O consumo privado do Brasil representa 66% do seu PIB, contra apenas cerca de 15% nas exportações.

EXAME – O senhor prevê uma retomada em 2021. Mas quais são os riscos desses cenário?

O maior risco é um segundo surto do vírus que manteria a economia abaixo dos níveis pré-crise até o final de 2021. Além disso, pode ser que a incerteza e a baixa confiança atrasem investimentos, cause excesso de poupança e aumente as já crescentes desigualdades, resultando em maior descontentamento social e tensões políticas, principalmente em mercados emergentes. Também podem acontecer erros como uma saída antecipada dos bancos centrais juntamente com a ausência de mutualização da dívida, o que poderia desencadear uma crise da dívida soberana na zona do euro. As cadeias de suprimentos poderiam conduzir medidas protecionistas em todo o mundo.


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