Cinco laços que precisarão ser reconstruídos pelo novo chanceler

A saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores, anunciada nesta segunda-feira, 29, abre espaço para que o Brasil caminhe para melhorar relações fragilizadas com outros países e com o Legislativo. Mas o sucesso dessa mudança vai depender de quem entrará no lugar de Araújo e do nível de independência do novo chanceler. É possível que a política externa do governo Bolsonaro não sofra grandes mudanças, avaliam especialistas.

“Dentro do governo, Araújo já não atuava como interlocutor há muito tempo. Do ponto de vista pragmático, ele resolvia muito pouco”, ressalta Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores. No comércio agrícola, o setor privado lida diretamente com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Em relação a investimentos, os chineses vão em Paulo Guedes, da Economia. A crise na Amazônia foi encarada pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Fora isso, há um histórico de desgastes nas relações.

Veja cinco relações que podem ser reavaliadas com a mudança no Itamaraty:

China

A relação de Ernesto Araújo com a China é marcada por desavenças desde 2019, quando ele assumiu o Ministério das Relações Exteriores. Como muitos dos desgastes envolveram especificamente o nome de Araújo, e não apenas o governo brasileiro como instituição, a troca no Itamaraty pode ajudar a melhorar o clima entre os dois países.

“O desgaste da situação com o embaixador na troca de ofensas pelo Twitter, quando o Itamaraty lançou nota defendendo o deputado Eduardo Bolsonaro, causou desconforto muito grande, e ali foi o nome de Ernesto que ficou marcado”, lembra Parente. 

Nesse caso, Eduardo responsabilizou o governo chinês pela disseminação do coronavírus. O embaixador da China em Brasília, Yang Wanming, considerou a fala do parlamentar um “insulto maléfico” contra o povo chinês. O embaixador afirmou que as declarações foram “extremamente irresponsáveis” e exigiu um pedido de desculpas. 

Na ocasião, Araújo não tentou melhorar a relação com a China. Ele defendeu Eduardo e disse que a reação do embaixador chinês foi desproporcional. Nas redes sociais, o chanceler declarou ser “inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil”.

Estados Unidos 

Desde a campanha eleitoral nos Estados Unidos, em 2020, especialistas alertam para os possíveis prejuízos do apoio irrestrito do chanceler a um candidato que, no caso, veio a perder a eleição. As diferenças do governo Bolsonaro com o atual presidente dos EUA, Joe Biden, foram várias vezes reforçadas pelo chanceler Ernesto Araújo.

A relação já começou prejudicada quando o governo brasileiro se negou a reconhecer a vitória de Biden sobre Donald Trump. Araújo não se opôs, por exemplo, ao discurso de Bolsonaro de que as eleições nos EUA foram fraudadas. Pelo contrário, o chanceler engrossou o discurso e chegou a chamar os invasores da sede do Congresso, nos EUA, de “cidadãos de bem”.

Um dos pontos cruciais que abalam a relação entre os dois países é a política relacionada ao meio ambiente. Acadêmicos e ativistas dos EUA enviaram um relatório ao governo americano, em fevereiro deste ano, sugerindo a suspensão de relações comerciais com o Brasil ligadas ao desmatamento no país, o que inclui importação de madeira, soja e carne. Nesse sentido, a depender de quem passar a ocupar o Itamaraty, a relação pode melhorar. 

Países fornecedores de vacinas

Um dos problemas que levaram à pressão pela queda de Araújo foi a inabilidade de acelerar ou facilitar a aquisição de vacinas em países produtores, como China e Índia, e na negociação por doses excedentes dos Estados Unidos. O ministro teve uma atuação considerada fraca em relação à pandemia, muito criticada pelos parlamentares, que esperam mais engajamento do próximo chanceler.

A atuação de Araújo em relação ao vírus é motivo de desgaste desde o início da pandemia. Em abril de 2020, ele publicou um texto intitulado “chegou o comunavírus”, no qual fala de um suposto “plano comunista” para se aproveitar do coronavírus para implementar a ideologia comunista em organismos internacionais. A distância diplomática com a China teria atrasado o envio de vacinas e insumos ao Brasil.

Também houve impasses com a Índia. Em janeiro, o governo tentou antecipar um lote de vacinas produzidas em laboratório indiano, mas não conseguiu e precisou até desmarcar uma cerimônia no Palácio do Planalto para marcar o início da vacinação. Diante dos problemas diplomáticos com o Brasil, a Índia sequer colocou o país, a princípio, na lista de nações que receberiam as doses primeiro — estavam Butão, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e Seychelles. 

A depender de quem entrar no lugar de Araújo, pode-se esperar que o diálogo em relação à vacina melhore. “Esses dois anos de Ernesto não deram um embasamento, uma força política necessária para que o Brasil conseguisse diálogo profícuo com parceiros como a Índia, em um momento como esse”, avalia Parente.

Mercosul

Índia e o Brasil sempre foram próximos do ponto de vista de negociações internacionais e lideraram países em desenvolvimento, mas, além da situação com a Índia, o Brasil também está com as relações fragilizadas com o Mercosul. Novamente, embates ambientais entram na conta do próximo chanceler. A União Europeia já pede compromissos e garantias do Brasil relacionados ao meio ambiente para firmar o acordo de livre comércio com o Mercosul.

A partir do momento que o Brasil abre mão de protagonismo na OMC, perde espaço também em outras negociações. “Uma boa relação com os países faz falta em um momento como esse. Não só com China e Índia, mas também com o Mercosul, em especial com a Argentina”, aponta Parente.

A imagem do Brasil saiu arranhada da última reunião do Mercosul, na sexta-feira, 26. Ao lado de Araújo, o presidente Jair Bolsonaro deixou o encontro virtual rapidamente, logo depois de defender a revisão das tarifas de importação do bloco, antes do encerramento. A relação de afastamento fica ainda mais evidente nessas situações.

Congresso

A relação de Araújo com o Congresso nunca foi boa, mas piorou recentemente, principalmente com o fracasso em negociações pelas vacinas. Na última quarta-feira, 24, Araújo sofreu uma série de críticas em audiência no Senado, para a qual foi convidado a explicar a atuação do Itamaraty na busca por vacinas. Vários senadores pediram que ele deixasse o ministério.

No dia seguinte, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que “todos os brasileiros enxergam a necessidade de o Brasil ter uma representatividade externa melhor do que tem hoje” e defendeu uma “mudança de rumos” na política externa brasileira. Pacheco considera que o trabalho do Itamaraty está “aquém do esperado”.

No domingo, 28, Araújo postou em uma rede social que teria sido pressionado pela senadora Katia Abreu, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, a acenar ao lobby chinês em relação ao 5G no Brasil. Deputados e senadores reagiram à acusação. Katia Abreu chamou o ex-chanceler de “marginal”.

Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se reuniram com Araújo e grandes empresários no dia 22. Na ocasião, o chanceler foi acusado de omissão e de atuar com o mesmo negacionismo que Bolsonaro na pandemia. O entendimento majoritário foi de que Araújo prejudicou as negociações por vacinas e colaborou para o estado de calamidade pública atual.

Continue lendo

Recomendados

Desenvolvido porInvesting.com
Brasil, Todos

Notícias relacionadas

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.
Você precisa concordar com os termos para prosseguir

Menu