Como São Paulo, Corinthians e Cruzeiro tiveram as piores finanças de 2019

Enquanto os principais campeonatos esportivos no Brasil e no mundo estão paralisados em meio ao coronavírus, um retorno ao passado pode dar o tom dos desafios que aguardam a gestão financeira dos clubes de futebol nos próximos meses.

Um estudo feito pela consultoria Sports Value sobre os balanços dos clubes em 2019, obtido com exclusividade pela EXAME, mostra que times como São Paulo, Corinthians e Cruzeiro estão com as finanças muito aquém da capacidade.

No indicador que compara gastos e a receita de cada clube, esses três times gastaram todo ou mais que todo o faturamento obtido no ano com custos de futebol.

Dos 16 times da série A do Campeonato Brasileiro, o Cruzeiro foi o com pior indicador de receita e gasto com futebol, segundo projeção da consultoria esportiva Sports Value (o clube ainda não divulgou seu balanço oficial). A estimativa é que o Cruzeiro tenha faturado 342 milhões de reais, o que representaria uma baixa de 12% em relação a 2018. Com esses valores, os gastos com futebol chegariam a cerca de 141% da receita, muito acima dos 85% gastos no ano anterior.

Já o São Paulo, segundo pior time no índice entre receita e gastos, faturou 398 milhões de reais em 2019, 2% a menos do que no ano anterior. O time gastou tudo o que ganhou: os gastos com futebol representaram 106% do total, ante 75% em 2018.

O Corinthians teve receita de 425,7 milhões de reais, 9% menor do que em 2018. Com futebol, gastou 98% disso, em comparação aos 80% que havia gasto no ano anterior.

A prática de gasto igual ou maior do que a receita também rendeu a esses mesmos três clubes os piores déficits dos últimos anos. No acumulado desde 2015, Corinthians, São Paulo e Cruzeiro tiveram os maiores déficits do Brasil, acima de 200 milhões de reais. O maior déficit é o do Corinthians, que teve saldo negativo de 394 milhões de reais nos últimos seis anos.

“São times que gastaram muito com elenco e não conseguiram ser campeões novamente ou avançar muito nas competições, então não ganharam receita de premiação e ficaram dependentes de venda de atletas”, diz Amir Somoggi, presidente da Sports Value e especializado em marketing esportivo e negócios do futebol.

Dos três, o Corinthians foi campeão brasileiro em 2017 e 2015 e o Cruzeiro, em 2014. O caso mais desastroso é o do São Paulo, que acumulou déficits e gastos altos com elenco nos últimos anos, mas sem ser campeão brasileiro desde 2008. O último título foi a Copa Sul-Americana, em 2012.

Os gastos se somam ao alto endividamento. Na relação entre dívida e receita, esses três times estão também na parte de baixo da “tabela”, com endividamento acima de 126% da receita para Cruzeiro e São Paulo e 180% para o Corinthians. Todos tiveram piora nesse indicador em relação a 2018.

Há casos entre os grandes brasileiros em que o endividamento é tão alto que nem mesmo uma redução da dívida é capaz de amenizar as contas. O Botafogo foi de 604% da dívida em relação à receita em 2015 para 385%, ainda um patamar muito acima dos demais clubes. O clube carioca tem a maior dívida do futebol brasileiro, que soma 822,6 milhões de reais.

Depois do Botafogo, os times com pior relação entre dívida e receita são Vasco da Gama (297%, patamar maior do que em 2015), Fluminense (242%, ante 256% em 2015) e Internacional, este com redução mais significativa do indicador nos últimos quatro anos (de 219% em 2015 para 180% em 2019). Mostrando a relação intensa entre endividamento, receita e altos gastos, esses mesmos clubes tiveram também os piores déficits de 2019, só atrás de Corinthians, São Paulo e Cruzeiro.

Os personagens da má gestão, no fim, tendem a seguir os mesmos caso mudanças não sejam feitas. “Os balanços de 2019, que foi um ano de receita alta para o futebol brasileiro como um todo, mostram claramente como as finanças de alguns clubes fugiram completamente do controle. Isso é perigoso sobretudo em um cenário como o de 2020, em que os times podem perder receita de patrocínio e televisão”, diz Somoggi.

Os bons exemplos

A crise do coronavírus pega o futebol brasileiro em um de seus melhores momentos financeiros dos últimos anos. A receita obtida pelos clubes subiu 18% em 2019 na comparação com o ano anterior. Segundo a projeção da Sports Value com base nos balanços já divulgados, os 100 maiores clubes de futebol brasileiros faturaram 6,8 bilhões de reais no ano, ante 5,7 bilhões em 2018.

Deste 1 bilhão de reais a mais, o destaque ficou para o Flamengo, que respondeu por 43% do crescimento total da receita no Brasil. O Flamengo faturou 950 milhões de reais em 2019, alta de 75% ante os 543 milhões em 2018 e um recorde na América do Sul.

Apesar do aumento da receita geral, gastar mais do que se ganha foi a regra em 2019. Os 16 clubes analisados tiveram no ano passado um déficit de 257 milhões de reais, na comparação com um superávit de 82 milhões de reais em 2018.

Dos que conseguiram fechar no azul, só Flamengo e Athletico Paranaense tiveram, juntos, cerca de metade de todo o superávit dentre os maiores clubes. Os dois times foram beneficiados sobretudo por premiações de competições. Foi um retrato do que aconteceu com as finanças do futebol brasileiro no ano: o dinheiro advindo de premiações foi de 3% para 7% da receita total dos clubes.

O Flamengo chegou a receita recorde com o clube sendo campeão da Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro. O clube ainda foi beneficiado, por exemplo, pela alta do dólar, o que aumentou o valor final da premiação da Libertadores — de 20,4 milhões de dólares. Ao ser o segundo colocado no mundial de clubes da Fifa, perdendo a final para o inglês Liverpool, o time também embolsou outros 4 milhões de dólares. Sem contar bônus de televisão, patrocínio e bilheteria obtidos na fase final destes campeonatos, os mais importantes do ano.

O Athletico-PR, campeão da Copa do Brasil em cima do Internacional, também ganhou destaque, obtendo mais de 64 milhões de reais com a competição. A receita do clube paranaense terminou 2019 em 390,2 milhões de reais. Embora seja somente a nona maior do Brasil, o crescimento foi de 100%. “É muito bom o resultado do Athletico, que tem uma torcida e uma projeção nacional menores que as do Flamengo”, diz Somoggi.

O consultor afirma que, para além do câmbio, a própria premiação das competições aumentou nos últimos anos. Como campeão brasileiro em 2017, o Corinthians ganhou 18 milhões de reais, 83% a menos do que o prêmio do Flamengo pelo mesmo título em 2019 (a inflação acumulada no período ficou na casa dos 11%).

Junto às premiações, os clubes vêm sendo premiados pela boa gestão financeira: não gastaram acima do limite para montar um elenco campeão, embora todos tenham feito altos investimentos no futebol. O Flamengo gastou 76% a mais com futebol em 2019 ante 2018, e o Athletico-PR, 71%.

O Athletico só perde em crescimento da receita para o Fortaleza, que subiu à série A do Campeonato Brasileiro em 2019 e, portanto, aumentou suas luvas de direitos de televisão. A receita foi de 95,2 milhões de reais, alta de 137%. O conterrâneo e rival Ceará também viu a receita subir 51%, para 98,1 milhões de reais. Os dois times cearenses têm as menores receitas dentre os 16 clubes analisados no estudo.

O Bahia também é citada como bom exemplo. “São times com receitas proporcionalmente pequenas, mas que vêm mostrando um bom exemplo de gestão, fazendo a receita aumentar, mas sem perder a mão nos gastos”, diz Somoggi.

Fortaleza e Ceará conseguiram reduzir em alguns pontos percentuais o percentual da receita gasto com futebol, que terminou em 91% e 92%, respectivamente (ante 99% e 94% no ano anterior). Os times também têm algumas das menores dívidas da série A, menos de 30% da receita. Mesmo com a redução, o Fortaleza mais que dobrou os gastos com futebol em 2019. Mas, como a alta nos custos acompanhou o crescimento na receita, o clube conseguiu melhorar o investimento ainda dentro de um limite que fizesse sobrar dinheiro.

Fortaleza e Ceará: com presença na série A em 2020 após idas e vindas na segunda divisão, os times se beneficiaram com alta na receita e controle nos gastos

Fortaleza e Ceará: com presença na série A em 2020 após idas e vindas na segunda divisão, os times se beneficiaram com alta na receita e controle nos gastos (Jarbas Oliveira/AllSports/Fotos Públicas)

O equilíbrio entre títulos e dinheiro

Outros clubes, como o Santos, também se destacam em alta das receitas. O faturamento santista subiu 84%, para quase 400 milhões de reais. Foi a terceira maior alta de receita do Brasil e o terceiro maior superávit. Mas o crescimento vem sobretudo por meio de venda de atletas. Somoggi afirma que está não é a melhor métrica a ser levada em conta. “O ideal é o time cujas receitas crescem sem vender as estrelas do espetáculo, ou, pelo menos, dependendo das transferências o menos possível.”

A transferência de jogadores para o exterior ainda é a segunda maior fonte de receita dos times brasileiros, representando 25% do total ganho em 2019, atrás de direitos de televisão, com 34%. O próprio Flamengo, apesar de ter formado um elenco campeão, também ganhou cerca de 300 milhões de reais em vendas de atletas, ou um terço do faturamento no ano.

Um dos maiores problemas do futebol nacional é que patrocínios, publicidade e bilheteria ainda respondem, juntos, por menos de 20% da receita. Na prática, os clubes ainda têm dificuldade em fazer com que suas torcidas sejam diretamente revertidas em faturamento para os cofres.

O Internacional também teve alta de 50% nas receitas em 2019 (de 441,3 milhões de reais), uma das maiores do ano. Ainda assim, o time teve 3 milhões de reais em déficit. Na leva de boas notícias, o déficit foi menor do que em 2018 e o percentual da dívida vem diminuindo nos últimos anos.

Dentre os exemplos no caminho certo no futebol brasileiro, Somoggi destaca que os melhores times tiveram, além de custos menores do que a receita, uma redução no patamar da dívida. Enquanto isso, o percentual da dívida vem subindo para os times em pior situação financeira — embora o problema ainda seja grande para todos os clubes.

O Flamengo reduziu o percentual de dívida sobre receita de 76% para 54% entre 2019 e 2018. Em 2015, o percentual era de 163%. O Athletico também foi de 157% em 2015 para 71% em 2019. O Grêmio foi de 222% para 93%.

“Os casos como de Flamengo, Athletico e Grêmio desmistificam uma retórica antiga que diz que ‘clube não é banco’ para ter caixa e dar lucro. Em tempos de crise como a que estamos vivendo, ter caixa e finanças organizadas para as próximas administrações será essencial”, diz Somoggi. O coronavírus serve como mais um sinal de alerta às defasadas finanças dos clubes brasileiros.


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