Conselho Fiscal da República proposto por Guedes tem risco e potencial

São Paulo – Entre as propostas do governo federal no âmbito do pacote Mais Brasil, anunciado na semana passada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, está a criação do Conselho Fiscal da República para avaliar mais de perto a situação financeira de estados e municípios, atualmente em estado de penúria.

O plano é que, a cada três meses, o presidente da República, os presidentes da Câmara, do Senado, do Tribunal de Contas de União (TCU), do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos Tribunais de Contas dos Estados, se reúnam para avaliar a sustentabilidade financeira do setor público.

Ainda não está claro como isso será feito e quem subsidiará tecnicamente o novo órgão, e um primeiro ponto de controvérsia é sobre separação de poderes, devido à presença do STF.

O que acontece, por exemplo, quando uma medida discutida no Conselho for questionada e subir na hierarquia jurídica para eventualmente voltar ao colo da corte?

Na semana do anúncio, Guedes disse que o grupo não terá poderes para determinar medidas a serem tomadas:  “O Conselho Fiscal da República não mandará em ninguém, não dará ordem para ninguém. Mas criará um ambiente, uma cultura de responsabilidade fiscal”, afirmou.

O fato de poderes autônomos — que, pela Constituição, têm autonomia administrativa e financeira — fazerem parte do conselho é delicado, na visão de Raul Velloso, economista especialista em contas públicas e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. “Qualquer mudança que possa mexer com eles pode ser difícil de ser empregada”, diz.

A palavra-chave para que os entes melhorem no campo fiscal, segundo o economista, é negociação. “Um secretário da Fazenda estadual, vendo que a situação está difícil, pode negociar com o Ministério Público medidas que aliviem o orçamento, como a contratação de servidores sem estabilidade, por exemplo, ou sem todos os benefícios da categoria. Não precisa de lei nem de conselho para isso”, diz.

Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, vê um risco de o conselho se transformar em um órgão muito político e pouco técnico.

“Há mistura de atribuições e passa-se por cima do Conselho de Gestão Fiscal (CGF), já previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e nunca instituído. O governo, no mínimo, precisa explicar melhor a que vem esse Conselhão”, diz.

A LRF foi aprovada em 2000 e estabelece critérios e limites para a contabilidade dos gastos. No entanto, dados do Tesouro Nacional mostram que sobe a cada ano o número de estados que a desrespeita.

Em relatório divulgado em agosto, o órgão revela que eram 12 os governos estaduais que tiveram despesas com pessoal superiores a 60% da receita em 2018, limite estipulado pela lei. No ano anterior eram oito.

No documento, o Tesouro diz ainda que diversos Tribunais de Contas Estaduais adotam metodologias diferentes de cálculo para contabilizar os gastos com pessoal. Alguns desses, inclusive, não incluem nessa conta gastos como pensões, imposto de renda retido na fonte e as despesas com obrigações patronais.

Por conta dessa prática, apesar de 12 estados terem descumprido o limite da LRF em 2018, apenas quatro deles reconheceram isso oficialmente: Minas Gerais, Mato Grosso, Paraíba e Tocantins.

Na opinião de Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman Brazil e ex-secretária da Fazenda de Goiás, é importante que o TCU possa harmonizar as regras contábeis dos tribunais dos estados com resoluções vinculantes, outra medida que está prevista na PEC de Guedes.

“A falta dessa harmonização permitiu uma liberalidade por parte dos TCEs, que tornou as contas publicas estaduais e municipais uma caixa preta absurda, cada uma com a sua interpretação específica”, diz.

A ex-secretária estadual diz ainda que o fato de o conselho prever todos os poderes na mesa cria a necessidade de uma discussão em que todo mundo é sócio e igualmente comprometido com as contas públicas de forma geral.

“Hoje só o Executivo tem essa preocupação. Legislativo e Judiciário passam a largo de medidas de contenção de gastos, redução de contingenciamento de orçamento etc”, diz.

“Já que o Tesouro não tem o poder de fazer isso, nesse caso quem passa a fazer é o TCU”, completa Abrão. O Brasil tem 33 Tribunais de Contas, já que em alguns estados há dois, e as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro também têm os seus.

“A intuição [da medida de Guedes] é tentar deixar todos a par das decisões. Às vezes o Legislativo aprova uma coisa e não tem muita noção do impacto fiscal, ou o Judiciário decide e não sabe o que isso acarreta para as contas”, disse Pedro Schneider, especialista do Itaú em contas públicas, em conversa com jornalistas na última quinta-feira (14).

Ele diz que a LRF foi um marco institucional relevante, mas que foi se depreciando ao longo do tempo na medida que os estados foram aprendendo como contorná-las.

“A principal iniciativa a ser tomada é uniformizar critérios para não permitir mais que estados façam o que vem fazendo, que é basicamente esconder despesa com pessoal em outras partes [do Orçamento]”, disse Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, no evento.

Ele nota que para além do Conselho, uma iniciativa interessante seria replicar a nível estadual as estruturas independentes e de perfil técnico que produzem estimativas próprias, como a Instituição Fiscal Independente do Senado, criada no final de 2016 inspirada na experiência de 30 países.

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