Depois da decadência, Macaé quer deixar de ser a “capital do petróleo”

Macaé (RJ) – A tranquilidade da orla dos Cavaleiros, em Macaé, Rio de Janeiro, está prestes a acabar com a nova onda de euforia acerca dos próximos leilões de petróleo previstos para o Brasil, com destaque para o excedente da cessão onerosa no início de novembro. Embora a notícia de uma nova leva de riquezas provenientes da indústria petrolífera seja atraente, Macaé tenta se desvencilhar da reputação que ganhou ao longo das últimas décadas, de “capital do petróleo”, para quem sabe garantir um futuro mais sustentável.

O sol nasce muito cedo em Macaé, ainda antes das seis da manhã. Enquanto alguns moradores se exercitam pelo calçadão, um trânsito pesado começa a se formar pela rodovia paralela à praia, uma vez que muitos moradores de distritos vizinhos, como Rio das Ostras, se deslocam diariamente para trabalhar na cidade, cuja paisagem mistura, em boa parte, mar aberto à herança da indústria de óleo e gás: à noite, é possível ver no horizonte as luzes de plataformas e navios-sondas.

Antes das primeiras descobertas de poços de petróleo na região, em meados de 1970, a pesca era a principal atividade dos cerca de 30 mil habitantes de Macaé. Com o avanço da exploração e da produção em alto-mar, uma extensa cadeia de fornecedores se formou na região para atender à demanda crescente da Petrobras. Brasileiros de todo o país desembarcaram em Macaé com sonho de emprego e renda. A população da cidade saltou para 240 mil habitantes em 2012.

O horizonte que se desenha para a indústria petrolífera no Brasil, com leilões grandiosos na camada pré-sal, representa uma nova oportunidade para Macaé, que minguou nos últimos anos. A derrocada dos preços do petróleo no mercado internacional, a partir de 2014, coincidiu com os desdobramentos da Operação Lava-Jato.

A cidade perdeu 40 mil carteiras assinadas e sobrou até para os animais de estimação: segundo relatos de moradores, inúmeros cachorros foram abandonados nas ruas de Macaé quando famílias inteiras foram embora para fugir do desemprego.

A boa notícia é que os leilões do pré-sal e de inúmeras áreas offshore podem trazer de volta a esperança à cidade.

“Macaé vive um momento de recuperação com os novos projetos de petróleo e gás e com a reforma do aeroporto. A ocupação está crescente e os negócios também”, conta Isabel Tunas, vice-presidente do Macaé Convention & Visitors Bureau, que promove o turismo local. Ela reconhece, entretanto, que os vultosos recursos provenientes dessa indústria podem ser um risco para o futuro da cidade.

“O petróleo é muito sedutor, mas sabemos que é cíclico. Macaé tem praias lindas e uma estrutura de bares e restaurantes preparada para os turistas. Queremos depender cada vez menos da indústria petrolífera.”

Uma diária de hotel de frente para o mar – incluindo as de bandeiras internacionais – já chegou a custar 800 reais no auge da economia local, em meados de 2011. Hoje, gira em torno de 170 reais.

Praia de Imbetiba: operações se misturam com a paisagem

Praia de Imbetiba: operações se misturam com a paisagem (Juliana Estigarríbia/EXAME)

Segundo dados da secretaria de turismo do município, Macaé tem o segundo maior parque hoteleiro do Estado do Rio, com cerca de 10 mil leitos. Mas, na crise, o município perdeu pelo menos cinco hotéis. E hoje os macaenses versam principalmente sobre a vontade de reconstruir sua história apostando, dessa vez, no turismo.

“É cômodo viver da receita do petróleo. Mas é possível viver sem ele. Além da beleza de nossas praias, temos uma rede hoteleira e uma gastronomia preparada para atender ao turista”, diz Renato Nicoli, proprietário do restaurante Durval, o mais antigo da cidade, fundado em 1984.

Segundo ele, o faturamento dos restaurantes da cidade despencou na crise e com o aumento do número de desempregados na indústria do petróleo, multiplicaram-se os pequenos estabelecimentos comerciais. “A maioria não sobreviveu.”

Uma quimera?

O desejo é diversificar a base da economia, mas a cadeia do petróleo e gás deve continuar sustentando Macaé – ao menos por um bom tempo. Só a arrecadação estimada do município com royalties do petróleo, em 2019, pode superar os 54 milhões de reais, sem contar os recursos provenientes da indústria do óleo e gás.

Hoje, o município conta com aproximadamente 3,5 mil empresas de base comercial (de todos os setores) e cerca de 100 indústrias, conforme dados da Associação Comercial e Industrial de Macaé (Acim). Diante do avanço do pré-sal, oito novas petroleiras estrangeiras devem chegar à região.

Neste cenário, o grande volume de gás associado à extração em águas ultraprofundas é visto como uma boa oportunidade para a cidade incrementar sua base industrial, principalmente porque Macaé abriga a maior unidade de processamento de gás natural do país, o Terminal de Cabiúnas, da Petrobras.

“Queremos nos tornar a capital da energia”, diz Francisco Navega, presidente da Acim, referindo-se à perspectiva de expansão da oferta de energia tendo o gás natural como principal fonte.

Além disso, um enorme projeto batizado de Terminal Portuário de Macaé (Tepor) promete trazer emprego e desenvolvimento para a indústria local. O complexo de 6 milhões de metros quadrados deve reunir um terminal de armazenamento de petróleo, com capacidade de 4,5 milhões de barris; um de armazenamento de combustíveis e uma planta privada de processamento de gás natural.

O parque industrial Bellavista, condomínio que só abriga empresas ligadas à cadeia de óleo e gás, também é um exemplo dessa perspectiva positiva do setor. Hoje, circulam 3 mil funcionários no complexo, que tem 29 empresas, 3 aguardando instalação e mais 12 no cronograma dos próximos meses, entre elas grandes fornecedores de petroleiras como Petrobras e Shell.

“Depois dos piores anos da história de Macaé, o setor está se recuperando. Para 2020, projetamos um crescimento de 30% do faturamento”, diz Leonardo Dias, sócio diretor do empreendimento.

Bellavista condomínio industrial Condomínio industrial de óleo e gás pode ter mais de 40 empresas

Condomínio industrial de óleo e gás pode ter mais de 40 empresas (Bellavista/Divulgação)

A fabricante de equipamentos de medição Fluke, fornecedora direta da Petrobras e de outras petroleiras, também espera crescer com o avanço dos leilões de petróleo no país e com a nova fase do mercado de refino.

“Os negócios estão retornando não só na produção de petróleo cru, mas em outras áreas como refino e gás natural”, conta Marco Gonçalves, gerente de contas de óleo e gás da Fluke Brasil. Para 2019, a empresa norte-americana projeta um avanço de 20% do faturamento no setor.

Terceirização

O domínio absoluto da Petrobras no chamado upstream, que é a exploração e a produção de petróleo e gás, está diminuindo gradativamente no país, ao passo que petroleiras estrangeiras estão ampliando sua participação no mercado brasileiro.

“As terceirizadas estão demandando muitos produtos e serviços. Estamos inclusive estudando contratar equipe fixa para ficar baseada em Macaé”, conta um funcionário de uma grande fornecedora da cadeia.

No entanto, os petroleiros da região estão preocupados com o que eles chamam de “desabitação” das plataformas de petróleo, ou seja, redução drástica dos funcionários em ativos que foram vendidos pela Petrobras.

“A segurança vai ficar comprometida neste processo. Com poucos funcionários em plataformas a uma distância de mais de 130 quilômetros da costa, pode demorar muito para se notar um vazamento”, diz Rafael Crespo, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense.

Segundo ele, há dúvidas sobre a perspectiva de aumento do emprego com as novas fronteiras do pré-sal. “Já estamos vendo um aumento expressivo da terceirização, que vem acompanhada da precarização do trabalho.”

As incertezas sobre o futuro de Macaé não residem somente entre os petroleiros. Do auge à bancarrota, os moradores e trabalhadores da cidade dizem ter aprendido a lição, e relatam que não querem nenhum título: nem de capital do petróleo, nem da energia. Eles querem redenção.

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