Em alta no clã Bolsonaro, a nova Embratur

São Paulo — O presidente Jair Bolsonaro ligou a câmera na última quinta-feira para a live que faz toda semana, se ajeitou, colocou os óculos e começou a falar. Comentou os assuntos mais quentes da semana, da política americana à guerra travada por ele contra a maioria dos governadores por causa de impostos. Chamou a atenção que ele tenha dedicado quase o mesmo tempo para discorrer sobre um tema que pode parecer exótico diante da gravidade ou importância do restante da pauta: o plano de afundar navios e vagões de trem ao longo da costa brasileira para formar corais e, com isso, atrair mais turistas.

O projeto é a menina dos olhos de Gilson Machado Neto, alçado à condição de seu mais novo fiel escudeiro no governo. Gilson foi nomeado em maio de 2019 para presidir a Embratur e, desde então, conseguiu turbinar o orçamento da agência que fomenta o turismo no Brasil, que foi de US$ 8 milhões para US$ 120 milhões. O aumento do poder da caneta e a proximidade com o clã Bolsonaro não passaram despercebidos por quem vive a rotina da Esplanada.

Gilson ganhou holofotes em janeiro após reportagem do Globo mostrar que o plano da Embratur para promover o turismo no Brasil percorrendo praias do Nordeste e modelos fantasiados de dragão da independência em eventos para promover o Brasil em cidades como Miami. A proximidade com os Bolsonaros pode resultar em uma nova missão política: Gilson está cotado para presidir o Aliança pelo Brasil, partido que o presidente tenta criar.

Dono de uma pousada na praia alagoana de São Miguel dos Milagres, Gilson já entrou em rota de colisão com o ICMBio, órgão ambiental responsável por fiscalizar unidades de conservação do país. Em 2016, sua pousada foi multada por descumprir uma notificação que exigia a retirada de bangalôs e tendas na praia à noite. A exigência está prevista no Plano de Manejo do local e tem o objetivo de proteger a desova de tartarugas. Ele foi autuado em R$ 3,5 mil. O presidente da Embratur, que recorre da infração, atribui o caso a um erro dos fiscais.

Cargo no Meio Ambiente

O caso se tornou público em janeiro de 2019, quando ele assumiu seu primeiro cargo no governo Bolsonaro, o de secretário de Ecoturismo do Ministério do Meio Ambiente. Logo depois, o ICMBio retirou o funcionário do cargo de chefia da APA de Alagoas. Ele nega que tenha influenciado na transferência dos fiscais para outro estado.

— A questão da transferência dos fiscais não me cabe. Eu não sou do ICMBio, não sou do meio ambiente (na época ele era secretário de ecoturismo do Meio Ambiente). E você sabe que há uma rotatividade muito grande de fiscais, que podem trabalhar em qualquer lugar do Brasil — disse Gilson.

Gilson e Bolsonaro falam a mesma língua em questões ambientais. Em julho do ano passado, quando incêndios queimavam a Amazônia, ele fez coro com o presidente nas críticas contra Emanuel Macron, o presidente francês. Em agosto do ano passado, num evento de turismo em Miami, brincou sobre a atuação de agentes do ICMBio e a preocupação deles com as aves de Fernando de Noronha.

— Tava funcionando lá a (usina) eólica, até o dia que um passarinho inventou de bater na hélice e morrer. Foi então proibida a utilização de energia eólica em Noronha. Se a peste desse passarinho não consegue ver uma hélice, ele não deve nem se reproduzir, porque ele é burro — declarou a uma plateia aos risos.

A fala lhe rendeu um processo por danos morais e coletivos movido pela Associação de Servidores Ambientais (Ascema), que reúne funcionários do ICMBio, Ibama e Funai.

São Miguel dos Milagres está entre as 158 cidades contempladas no programa Investe Turismo. Gilson alega que a escolha foi feita antes dele assumir o cargo, em 2018. Ao Globo, a assessoria do ministério informou que a escolha das rotas é resultado do trabalho da atual gestão.

Gilson fez, segundo duas fontes ouvidas pelo GLOBO, pressão sobre o ICMBio para que a região de sua pousada fosse beneficiada com o naufrágio de algum destes navios.

— Nego com veemência. Isso daí é boato. Os navios estavam com o casco deteriorado e não aguentariam a viagem de Tamandaré até São Miguel dos Milagres — responde.

Gilson tem convicção de que, ao estimular a criação de abrigos de peixes, atrairá mergulhadores e turistas. Mas a prática preocupa biólogos e oceanógrafos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que monitoram os corais. Eles acreditam que os recifes artificiais atraem uma espécie invasora, o chamado coral-sol, considerado uma praga e um risco à biodiversidade.

Em setembro, foram afundados dois navios na costa de Pernambuco, na Praia de Tamandaré, na Área de Proteção Ambiental dos corais de Pernambuco e Alagoas. À época, Bolsonaro divulgou o vídeo do afundamento no Twitter e parabenizou Gilson.

Coordenador do projeto Conservação Recifal, Pedro Pereira prepara uma carta aberta à sociedade para alertar sobre os riscos ambientais:

— É urgente chamar atenção para o perigo dessa política de afundar navios na costa — diz Pereira.

O presidente da Embratur, praticante de mergulho, minimizou os riscos, disse que o turismo náutico é prática disseminada pelo mundo e que os estudos sobre a proliferação de pragas em pontos de mergulho artificiais são “incipientes”.

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