Estamos pisando no acelerador, diz CEO da MRV

Sorte. É como Eduardo Fischer, CEO da MRV (MRVE3), define o boom do mercado imobiliário em plena pandemia, ao mesmo tempo em que outras indústrias, como aviação, entrenimento, e a rede hoteleira, sofrem de forma intensa com a provocada pelo coronavírus.

Neste cenário, a maior construtora do país está colocando o pé no acelerador, nas palavras do próprio executivo. E vem colhendo resultados. A empresa anunciou que o do segundo trimestre do ano somou 203 milhões de reais, alta de 86,1% ante mesma etapa de 2020 e 48,5% mais que os três primeiros meses deste ano.

Para não ficar refém da disparada de insumos, que vem pressionando as margens do negócio, o grupo de construção civil tem diversificado suas receitas para além da venda de imóveis no segmento econômico.

Além de ter lançado no começo do ano a Sensia, sua incorporadora voltada para consumidores com renda familiar entre R$ 7 mil e R$ 11 mil, a empresa vem obtendo resultados acima do esperado com a sua startup, a Luggo, criada em 2018.

O modelo de aluguel, importado da empresa americana adquirida pelo grupo, a AHS, se assemelha ao dos antigos flats por conta de sua estrutura de serviços. Porém, seus contratos são longos: 30 meses, com permissão de saída sem multa em 12 meses.

A Urba, empresa de loteamento do grupo, também vem registrando bons resultados ante o boom das casas no interior e da valorização do espaço causada pelo isolamento social.

Veja abaixo a entrevista completa concedida por Eduardo Fischer à EXAME:

Nos últimos 12 meses os preços de imóveis no Brasil ficaram em média 5% mais caros. Como estão repassando a alta dos insumos aos clientes?

O INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) subiu 16,98% nos últimos 12 meses, algo que ao longo dos meus 28 anos de carreira eu nunca tinha visto. A consequência é que o imóvel vai ficar mais caro. Já está.

Para incorporadoras que atuam na alta renda há uma maior facilidade para repassar preços porque o cliente tem elasticidade de renda, mas na baixa renda, onde atuamos, isso é um desafio. E nós vendemos primeiro para depois construir, e na hora que o custo aparece, a venda já foi feita. Aí as margens do negócio começam a ser pressionadas.

Não tem escapatória: a matriz de custo mudou. Nos últimos dois meses, repassamos, em média, 6% de aumento. Na Sensia consigo subir mais o .

Como a MRV está acompanhando a alta da e seu efeito no crédito imobiliário?

Nós temos um problema de crédito para resolver. A maioria das pessoas não compra imóvel sem crédito, independente da renda. Mesmo a média e alta renda utiliza o financiamento. O setor poderia estar mais aquecido se o crédito fosse mais barato.

Se o país tiver competência, podemos cobrar na modalidade juros de 6% a 7% ao ano. No Brasil o crédito sobre o PIB atinge 8%. Nos Estados Unidos, é 80%. Tem muito espaço para crescer.

Entendo que o banco precisa olhar para o risco do crédito no país em 30 anos, o que é difícil de prever. Mas sabemos que o cliente imobiliário é muito importante para o banco, pois gera o dobro de produtos em média em comparação àqueles que não têm financiamento na instituição financeira.

A inflação, agora, é preocupante. Estamos vivendo um momento tumultuado, e a eleição no ano que vem tem tudo para ser tumultuada também. A Reforma Trabalhista e da Previdência não saíram como deveria, mas passos foram dados, especialmente em relação ao teto de gastos. Esse cenário traz mais equilbrio e deixa a Selic mais comportada.

Acredito que a alta da taxa básica de juros não é suficiente para afetar o ano e o custo competitivo do crédito. Estamos em um bom caminho para manter o crédito mais barato.

Mas a taxa de juros mais baixa não resolve plenamente o problema. O mutuário tem de ter capacidade de pagamento.

Qual a perspectiva para o negócio este ano? O setor projeta 30% de crescimento.

Estamos pisando no acelerador, explorando o grande déficit de habitação no país. Queremos atuar em diferentes estratos da população. Hoje, na altíssima renda, a demanda é igual à oferta. Mas para baixo, tem espaço.

E é neste espaço que a nossa nova incorporadora, a Sensia, vai crescer. Já lançamos um empreendimento de R$ 420 mil com a nova marca em Campinas, em fevereiro; dois em Maceió e lançaremos mais três empreendimentos neste mês em Belo Horizonte. A demanda continua forte para imóveis entre R$ 300 mil e R$ 500 mil.

Esse público, que tem renda familiar de R$ 7 mil a R$ 11 mil, está mantendo o mercado aquecido, pois tem mais conhecimento, renda formal mais forte e faz contas. Ele verifica que o financiamento ainda está barato, que o preço do imóvel vai subir e compra agora. É um bom momento para o setor e vislumbro que permanecerá sendo.

Na MRV vendemos de 4 a 5 mil unidades por mês. Estamos no melhor mercado do mundo, do qual não gostaríamos nunca de sair. Além de ser um dos maiores mercados imobiliários do mundo, o déficit de habitação no Brasil é enorme e cresce a cada ano.

O que o torna ainda mais atrativo é sua característica local. Não vemos ninguém importando casas. Mesmo que importe, terá de enfrentar a burocracia de prefeituras e cartórios. Uma grande empresa mexicana tentou se instalar no pais em 2020, era a maior do México. Não foi bem sucedida.

A Urba vem registrando bons resultados, incentivada pela pandemia?

Antes da pandemia observávamos no mercado uma tendência de encolhimento de imóveis. Aí a pandemia explodiu e a lógica se inverteu. A casa entrou no foco, e foi um ótimo cenário para a nossa unidade de loteamentos. Ela tem foco no público mais econômico, vende imóveis entre R$ 70 mil e R$ 90 mil. Tudo o que colocamos no mercado está sendo vendido.

Há um boom de imóveis no interior de São Paulo, em cidades como Araraquara, Ribeirão Preto e Campinas. Essas casas já eram sonho de muita gente, mas a pandemia acelerou o fenômeno.

É nosso negócio que teve o maior crescimento recente, mas é o menor também. Mas sem dúvida tem potencial para crescer mais.

Que mudança de comportamento está por trás do conceito da Luggo?

Os clientes da MRV têm cerca de 29 anos. Mas eu tenho um filho de 20 anos que já não quer ter um carro. Será que ele vai querer comprar uma casa em 10 anos?

O imóvel tem um aspecto de investimento. Mas quem ainda não se casou, ou está casado mas não tem filhos, pode mudar ainda de cidade e quer ter uma boa experiência de morar. Pode se interessar por alugar um carro, móveis, internet e ter a comodidade de ter serviços no térreo do empreendimento, que é o que a Luggo proporciona.

Hoje o mercado de aluguel no país é muito fragmentado. O investidor compra um apartamento e o coloca para alugar. Neste cenário vemos o mercado impulsionado pela startup ganhar vida. Optamos por construir o empreendimento já pensando no aluguel, com todas as comodidades.

Além de um profissional dedicado a atender as demandas dos locatários, o empreendimento oferece serviços como lavanderia e mercado. Também promove atividades semanais em grupo para engajar a comunidade, como pizza na quinta e chope na sexta.

Vemos já outros movimentos semelhantes ao da Luggo, mas eles ainda estão limitados à alta renda ou à ocupação estudantil. E nós temos a vantagem competitiva de ter um modelo vertical. Somos uma incorporadora: compramos o terreno, desenvolvemos e construímos o empreendimento. Entregamos, alugamos e vendemos para o nosso fundo imobiliário listado na de valores (LUGG11), já performado. Dessa forma, otimizamos custos.

Como resultado, a Luggo vem mantendo sua expansão. Enquanto seu grau de ocupação é alto (97%), a rotatividade é baixa (4,49%). O indicador de qualidade do serviço, medido pelo NPS, é 43. Os locatários dos empreendimentos estão dispostos a pagar de 10% a 15% a mais pelo aluguel do que pagariam no entorno, em um empreendimento sem as comodidades oferecidas.

Qual a sinergia da Luggo com o grupo?

No período de aluguel, a construtora consegue conhecer os locatários profundamente. E isso é valioso porque em dois ou quatro anos ele pode decidir comprar um imóvel. Até lá sei o quanto gasta na loja de conveniência, lavanderia, com aluguel de carros e quantas vagas de garagem precisa.

Os clientes da Luggo gastam R$ 180 por mês em diferentes compras dentro do empreendimento. A monetização de serviços vai para o fundo, mas os dados, que são valiosos, levamos para dentro da MRV. Conseguimos ver que os hábitos estão mudando e otimizar nossos futuros empreendimentos, buscar alternativas de uso que atendam mais os nossos clientes. Trocar, por exemplo, uma área de lazer extensa por um coworking nos próximos anos.

Estamos atento às mudanças de hábito. Mas a legislação também tem de acompanhar esse movimento. Caso contrário, ficamos reféns. Poderíamos já otimizar os nossos empreendimentos, colocando mais apartamentos ou alternativa de uso melhor para os moradores, mas são poucas as cidades que não nos obrigam a fazer uma vaga de garagem por apartamento. São Paulo é uma das cidades pioneiras.

Isso é muito importante porque há uma limitação no bolso do nosso público. Conversamos com clientes e eles apontam que muita coisa no empreendimento só aumentan o custo: a maioria não usa e custa caro para manter. Talvez valha a pena substituir a sala de pilates por um coworking no térreo, sem mexer no tamanho apartamento, por mais que ele queira, já que isso faria com que não conseguisse mais comprá-lo.

O mercado imobiliário vem buscando criar um relacionamento maior com os clientes no pós-venda. O que a MRV vem fazendo neste sentido?

A partir do momento em que o cliente recebe as chaves atualmente, dali em diante, o relacionamento é ruim: somente somos procurados por conta de problemas. Não é construtivo quando ele irá ficar usando o nosso produto por 30 anos. Então precisamos construir algo para estender esse relacionamento. Dar serviços e descontos que ele não teria.

Entregamos 50 mil apartamentos por ano. São cerca de 3 pessoas por apartamento, que constitui um público de quase meio milhão de consumidores potenciais. Podemos monetizar isso no futuro construindo uma comunidade para conectar profissionais autônomos e empreendedores a clientes, ajudá-los a vender serviços nos empreendimentos.

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