Governanças das paternidades

Por que falar de governança numa relação afetiva? Além de afetiva, a relação entre pai e filhos é também uma relação social, financeira e jurídica. Se a relação paternal inclui aspectos de amor, compreensão e proteção, inclui também elementos da governança que estão presentes na relação pai e filho, tais como propósito, crenças e valores, inovação, risco, diversidade. Essa interseção se evidencia nas empresas familiares.

“Ser pai é o melhor que há na vida”. A maior intensidade, o maior deslumbramento, a cada dia, a cada novidade. Um amor maior que tudo. Ao lado da paternidade biológica, voluntária ou não, a paternidade afetiva surge quando um homem declara o seu propósito de ser pai, assumindo o compromisso vital de dar a sua filha ou filho o afeto emocional e o afeto do suporte material necessário. A seu tempo, caberá ao filh@ identificar o seu propósito de vida, que poderá ou não ser harmônico com o propósito paterno.

Nesse contexto, lembro que um poeta já disse que nossos filhos não são nossos filhos. São filhos da vida por si mesma, que vem através de nós, mas não são nossos. Que embora vivam conosco, não nos pertencem. Os filhos crescem e se tornam livres, para acertar e para errar, nos caminhos de sua vida.

Frente a essa realidade, como manter o diálogo? O que há em comum, o que une pai e filho no presente das fases da vida adulta? Quais crenças e valores são partilhadas pelo pai e pela filha em suas vidas adultas? Ambos vivenciam uma relação dinâmica, cujos elementos de união e motivação de convívio precisam ser mantidos vivos e atualizados.

O que pai e filha fazem quando discordam em suas crenças e valores? No contexto de uma empresa familiar, pode haver grande diferença geracional quanto à crença e à valoração de conceitos, como hierarquia, respeito, obediência, mérito, meritocracia, diversidade, ESG, por exemplo. É de se perguntar quais crenças e valores do pai delimitam os seus comportamentos e a sua expectativa comportamental quanto ao filh@? E vice-versa? Quais as condutas adversas, passíveis de objeção e de quais formas de objeção? Quais são as condutas incentivadas, passíveis de elogio ou premiação? Quais elogios e premiações? Como o pai e seus filhos concordam quanto a essas configurações de governança?

Independentemente dessas reflexões, é fato que todo pai pede pela proteção de sua filha ou filho diante dos riscos incontroláveis. Nesse rumo, parece estar numa zona de conforto aquele filho que der continuidade a um padrão pré-existente. E, de outro lado, poderá ter uma existência mais desafiadora aquele filho que escolher para si padrões que não são convencionais em seu meio original. É o constante paradoxo da governança entre inovação e risco, nos movimentos da vida. Toda inovação parece trazer maior grau de risco do que a continuidade, embora a própria continuidade possa estar em risco se não houver inovação.

No olhar geracional, vê-se desgaste em relações pai e filho, por conta da diferença entre o presente e os padrões da relação pai e filho em gerações passadas. Nesse aspecto, a diversidade se demonstra um ponto central da governança pai e filhos. Cada tempo é um tempo, cada filh@ é um filh@, cada pai é um pai, cada família é uma família, cada vida é uma vida.

Quando e onde cresci, o narrador desse artigo tenderia a tomar por personagem padronizado um pai integrante de um casal composto por um homem e uma mulher, heterossexuais, cisgênero, monogâmicos, casados no civil e no religioso, sem deficiências físicas ou mentais, de uma mesma religião, raça, cultura, nacionalidade, escolaridade, faixa etária, classe social e talvez até mesma vizinhança. Hoje, cada uma dessas antigas características unitárias abre um menu de opções diversas, que gera uma ampla gama de variações combinatórias, que caracterizam a diversidade das formas de paternidade atuais e as diferentes formas de governança relacional que delas derivam, como sugere o título.

Por sinal, quando se diz aqui “governança da paternidade”, na verdade estamos falando de uma governança do campo relacional pai e filho, nas potenciais fases sucessivas dessa relação, com o filho criança e o pai adulto, com ambos adultos e com o filho adulto com pai idoso, bem como a relação desse campo duplo com os vários potenciais stakeholders dessa relação em suas variadas fases: mãe, irmãos, vizinhos, parentes, amigos, colegas, “os outros”, etc.

A dinâmica da relação paternal é uma dinâmica de tentativa e erro, aproximações sucessivas e afastamentos ocasionais, no processo de individuação do filh@, nos crescimentos pessoais de ambos. Às vezes, é tempo de silenciar, dar espaço, não sufocar. Noutras vezes, é imprescindível fazer-se presente, agir. É sempre uma relação humana, imperfeita, que é preciso cultivar, nutrir, querer manter vitalizada.

Quando os meus avós já eram pais, inventou-se o dia dos pais. Quando os meus pais viraram avós, inventou-se o dia dos avós. Na geração atual, muitos questionam a função comercial dessas datas. Sugerem inclusive que deveria haver um dia da família, que seria mais inclusivo do que o modelo atual. O dia dos pais no Brasil tem data diferente do que a de outros países. Como se vê, há muita diversidade até mesmo quanto ao próprio Dia dos Pais. Aos que comemoram neste domingo, tenham um dia feliz!

*Luciano Porto é especialista em governança, atento à sua dinâmica nas relações empresariais, contratuais, familiares e ESG. Advogado e Conselheiro Independente IBGC CCA+.

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