Governo tenta pautar Fundeb de supetão; Congresso resiste e adia votação

Após cinco anos de discussão em comissões especiais do Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição 15/15, que renova e amplia o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), finalmente chegou à pauta do plenário da Câmara dos Deputados.

O prazo está cada dia mais apertado, já que o atual modelo do fundo — que financia 60% da educação básica do país — expira em dezembro deste ano e não há nenhuma alternativa sendo discutida caso esse projeto não seja aprovado. No último dia 10, a relatora da PEC, a deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), entregou o relatório final com o texto-base do novo Fundeb, que foi considerado por setores educacionais como um avanço em relação aos recursos financeiros que serão investidos na educação.

A primeira vitória diz respeito à ampliação da participação da União no aporte de recursos, que pelo relatório vai passar dos atuais 10% para 20% gradativamente até 2026. O segundo envolve a duração do fundo, que pelo texto da PEC se tornará permanente. Até a última sexta-feira, 17, não havia dúvidas de que o texto-base da relatora seria o discutido no Congresso Nacional a partir de hoje.

No sábado, 18, no entanto, o governo federal decidiu apresentar uma proposta alternativa à debatida desde 2015 pelo poder legislativo. Desenhado pelo Ministério da Economia, o novo projeto modifica pontos essenciais do Fundeb. Entre eles, limita a verba destinada ao pagamento de funcionários da educação na ativa, repassa parte dos recursos para o novo programa Renda Brasil, reduzindo assim o aporte do governo no fundo de 20% para 15%, e adia a entrada das mudanças para 2022.

Por conta do envio de supetão da proposta pelo governo, os líderes da Câmara dos Deputados chegaram a um acordo de que a discussão começará nesta segunda-feira, 20, com a leitura do relatório da Professora Dorinha e um debate de pelo menos duas horas entre os parlamentares. A votação, contudo, ficou para amanhã, terça-feira, 21. 

As modificações foram criticadas por entidades e especialistas da área, que disseram que o adiamento para 2022 cria um “vácuo de recursos para 2021”. O texto da PEC estabelece que as novas regras começam a valer no ano que vem. “[Cria-se] um “apagão” para o financiamento e um colapso para a educação básica no Brasil no ano de 2021”, afirmou o Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), em nota.

Não só as propostas sugeridas pelo governo foram alvos de críticas, mas também o timing. Segundo parlamentares, faz pelo menos um ano e meio que a equipe do presidente Jair Bolsonaro se recusa a participar das discussões e decide fazer parte dos debates um dia antes da votação se iniciar no plenário.

Ao contrário de seu antecessor, Abraham Weintraub, que foi bastante criticado por deputados e senadores por sua inoperância frente ao MEC, o recém-empossado novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, começa a dar sinais de que quer se envolver com a proposta.

Sobre as discussões até agora, ele destacou no Twitter o trabalho dos técnicos da pasta. “Destaco primeiras impressões ao chegar a Brasília e tratar do assunto FUNDEB. O zelo e cuidado dos técnicos do MEC no aperfeiçoamento do projeto com adição de melhorias sobretudo em duas áreas: divisão socialmente justa dos recursos e aprimoramento de meios de controle final”, afirmou.

Em entrevista recente à EXAME, a relatora da proposta disse não ter tempo hábil para que o novo ministro entenda toda a discussão, mas que sua expectativa era a de que ele procurasse “ouvir a equipe técnica do MEC que tem nos auxiliado e que ele venha para essa luta de defender a educação pública”.

Apesar da tentativa de participação, é pouco provável que a proposta do governo seja levada adiante. À reportagem, o deputado João Campos (PSB-PE), que é coordenador da Comissão Externa de Acompanhamento dos Trabalhos do Ministério da Educação, afirmou que a proposta apresentada pelo governo não tem aderência no Congresso Nacional, uma vez que ela foi enviada de “supetão, sem que houvesse qualquer articulação ou diálogo com os parlamentares, estados e municípios ou mesmo com a comunidade escolar”.

“Há 1 ano e 6 meses, tenho participado da discussão sobre o novo Fundeb e vejo consenso em relação ao conteúdo. Ressalto ainda que neste período o MEC foi ausente nas discussões da PEC 15/15. Para além disso, quero deixar muito claro que vamos trabalhar fortemente pela ampliação da contribuição da União em 20% e sem desvio de recursos para quaisquer outras áreas, por mais importantes que elas sejam. Não cabe misturar tudo, como o governo federal tenta fazer. Isso soa como má fé”, disse Campos.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP), que também faz parte de diversas comissões para a educação, afirmou no Twitter que o governo está “prestes a dar um golpe na educação”. “O governo, que até aqui se ausentou completamente da educação, acabou de apresentar um outro relatório para o Fundeb, que quando comparado com o nosso, entre outras coisas, reduz a complementação da União de 20% para 15%”, disse Amaral.

Para o presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, a medida desfigura o fundo. “Essa proposta do governo nos pegou de absoluta surpresa. Não faltou oportunidade para que o governo pudesse contribuir com o projeto. Entendemos que é um processo que inviabiliza o funcionamento do Fundeb”, afirmou Garcia, em entrevista à Agência Brasil.

Críticas ao teto de salários

 

O atual projeto da deputada Dorinha estabelece um mínimo de 70% dos recursos para pagamento de salários de todos os colaboradores educacionais na ativa, incluindo os professores. Na sugestão do governo, esse patamar é transformado em teto para que isso force investimentos na infraestrutura das escolas. O problema com essa proposta é que a maior parte dos municípios e alguns estados já usam acima desse porcentual para o pagamento da folha, e essa limitação pode inviabilizar os pagamentos.

Em nota, o Instituto Educatores, que reúne ex-secretários de educação, disse que 80% dos municípios utilizam 100% dos recursos do fundo para bancar a folha e seis estados mais de 90%. “É uma situação extremamente preocupante, especialmente se consideramos que os dados são de um ano anterior à crise, e ficarão ainda piores com a queda da arrecadação e o crescimento vegetativo da folha”, afirmou a entidade.

Outra mudança é em relação ao pagamento de aposentadorias com recursos do fundo. A proposta da relatora exclui a possibilidade dos municípios pagarem os inativos com recursos do fundo. O governo quer permitir o pagamento porque considera que estados e municípios terão cada vez menos recursos para bancar aposentadorias.



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