“Havia uma caixa preta na Vale”, diz promotor do caso Brumadinho

Belo Horizonte – Para o Ministério Público de Minas Gerais, o desastre de Brumadinho não teria ocorrido somente no dia 25 de janeiro de 2019. “O crime perdurou desde novembro de 2017. Funcionários da Vale usaram a empresa para promover uma gestão de risco opaca. Havia uma caixa preta na companhia”, afirma William Garcia Pinto Coelho, promotor do MPMG e coordenador do núcleo criminal que denunciou a Vale, a TÜV SÜD e 16 executivos nesta terça-feira, 21.

Segundo ele, a Vale “produziu profundo acervo técnico sobre a barragem 1 [de Brumadinho] e diversas outras que eram internamente reconhecidas como estruturas em situação de risco inaceitável.”

A equipe do MP informou que foram promovidos cursos com engenheiros e geólogos para entender como funciona uma barragem e qual a relevância de detalhes técnicos para a investigação. “É preciso compreender como funciona a dinâmica de grandes corporações. Elas possuem intrincados organogramas que por vezes são usados para pulverizar responsabilidades.”

De acordo com o Ministério Público Estadual, a Vale estabeleceu uma ditadura corporativa. “A mineradora impôs à sociedade e ao Poder Público suas decisões e ocultava informações. A Vale decidiu sobre o risco que a sociedade deveria correr”, acrescentou Coelho.

A equipe do MP informou ter encontrado provas de que os investigados ocultavam informações que estavam em um programa computacional, o GRG, sigla para Gestão de Risco Geotécnico, que calculava os riscos de um acidente. A Vale usava o GRG e obtinha a probabilidade de uma possível ruptura de barragem versus o custo dos seus desdobramentos, incluindo o cálculo das vidas em questão. A partir daí, criaram um “ranking” das 10 estruturas com maior risco da empresa.

“Temos provas de mecanismos de pressão sobre empresas de auditoria externa, com retaliação e recompensa. Quem não aceitava entrar no conluio e demonstrava discordância era afastado dos contratos”, diz o promotor.

A denúncia concluiu que a TÜV SÜD cedeu à pressão, optou por entrar no conluio e passou a adotar protagonismo na barragem 1 “em relação contraditória à independência de uma auditoria externa”, destaca Coelho.

Segundo ele, foram emitidos documentos falsos que serviam de escudo para que as atividades da Vale continuassem. As Declarações de Condição de Estabilidade (DCE) faziam parte de um “plano maior” que perdurou por um ano, com o objetivo de evitar impactos reputacionais negativos na Vale, “que pudessem afetar seu valor de mercado.”

Ex-CEO da Vale

A denúncia do Ministério Público mostra que o ex-CEO da Vale, Fabio Schvartsman, sabia das condições da barragem que colapsou em Brumadinho.

O promotor do MP afirmou que o executivo “conhecia seu negócio minerário, que tem riscos, a situação da barragem de Fundão [da Samarco], mas mesmo assim fez do lema ‘Mariana nunca mais’ algo panfletário, não adotou medidas concretas”, acusou.

Segundo o MP, em um e-mail de 9 de janeiro do ano passado, um representante anônimo cita “expressos problemas de segurança que poderiam gerar riscos” na estrutura do complexo de Feijão e medidas urgentes deveriam ser tomadas. “Ele [autor do e-mail] denota um ambiente hostil a denunciantes de boa fé”, diz Coelho. “Ao receber esse e-mail, Schvartsman disse que aquele cancro deveria ser retirado da corporação”.

A Vale ainda não se posicionou sobre a denúncia. Veja, na íntegra, a nota da defesa de Fabio Schvartsman.

“Fabio Schvartsman assumiu a presidência da Vale em maio de 2017, e desde então tomou diversas medidas para reforçar a segurança em barragens e ampliar consideravelmente os recursos destinados à área. Participou de inúmeras reuniões com a diretoria e o Conselho de Administração sobre barragens e sempre recebeu relatos técnicos e informações, lastreados por empresas de renome internacional, sobre a segurança das estruturas.

Quando do rompimento da barragem, ciente da gravidade dos fatos, tomou medidas imediatas para assistir às vítimas e suas famílias, além de determinar abertura de rigorosa investigação para esclarecer o ocorrido.

Denunciar Fabio por homicídio doloso é açodado e injusto. Açodado porque as investigações não estão finalizadas. A Polícia Federal já declarou que os laudos definitivos sobre as causas do acidente ficarão prontos em junho. Injusto porque desconsidera todos documentos apresentados às autoridades, que revelam a ausência de comunicação de quaisquer problemas em Brumadinho à presidência da Vale.

Se houve negligência de alguém, os responsáveis devem responder por seus atos. Mas é injusta e lamentável a tentativa de punir quem, desde a primeira hora, cumpriu com seu dever e esteve ao lado das autoridades para investigar o ocorrido e reparar os danos.”

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