Juros imobiliários não têm mais espaço para cair, diz associação do setor

São Paulo – O mercado brasileiro dos financiamentos imobiliários assistiu a uma acirrada batalha de bancos nos últimos anos. Na rasteira dos juros básicos da economia, a Selic, que despencou de 14,25% ao ano, em 2016, para 4,5% em 2019, as maiores instituições do país se engajaram em uma sucessão de cortes e anúncios em busca do posto de juros mais baixos do mercado. Essa batalha pode ter chegado ao fim, e as taxas do financiamento da casa própria ou já atingiram seu piso, ou estão muito perto dele.

É o que afirma a nova presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Cristiane Portella. “Podem acontecer novas reduções, mas nada na magnitude do que vimos até aqui”, disse ela em entrevista ao site da EXAME.

Pesa na conta o fato de o crédito imobiliário trabalhar com prazos longuíssimos – se, nesse meio tempo, a Selic, que define o custo do crédito, volta a subir, os empréstimos feitos hoje, a juros muito baixos, acabarão esmagando as margens das instituições. “A boa gestão recomenda não reduzir muito mais do que o que já chegou até aqui, dada a possibilidade, mesmo que remota, de a Selic voltar a ser alta”, disse Cristiane, que também comanda a área de financiamentos imobiliários do Itaú Unibanco.

Para ela, o segmento vive um momento inédito de competição acirrada que deixa a situação bastante favorável para o consumidor. Isso se deve, em boa parte, ao advento da portabilidade de crédito. Regulamentada em 2014, a portabilidade permite aos clientes transferirem seu empréstimo para outro banco com juros mais baixos. É um mecanismo ainda usado por poucos, mas que, mesmo assim, foi essencial para fermentar a briga entre os concorrentes. “Há uma contraofensiva dos bancos para renegociar as condições e não perder o cliente”, disse ela.

Para Cristiane, a conjunção de juros baixos e preços ainda em conta fazem do momento uma ótima oportunidade para quem pode comprar um imóvel. Mas, alerta, não adianta esperar pela mesmas valorizações astronômicas dos anos de boom – “não devem se repetir e nem seria saudável”, diz, “o que vamos fixar dessa crise é aprendizado”.

Do lado de dentro do balcão, a executiva vê uma grande reconfiguração se desenhando na maneira como os bancos levantam seus recursos, após uma era em que praticamente todo o crédito imobiliário comercial vinha tranquilamente do caixa das poupanças – “não haver alternativas pode começar a limitar a oferta de crédito em um curto período”, afirmou.

Veja a seguir os principais trechos da conversa.

A poupança sempre foi uma das principais fontes de recursos dos bancos para a concessão de financiamento imobiliário no país, mas, com os juros cada vez menores, ela tende a perder depósitos. Como isso afeta o crédito imobiliário?

Nosso financiamento é ainda muito baseado na poupança, e não ter alternativas pode limitar a oferta de crédito. Não está limitando neste momento porque o mercado imobiliário ainda está se recuperando de uma crise, mas pode começar a limitar em um curto período. Em 2019, o volume de financiamentos cresceu em torno de 30%, e 2020 começou no mesmo ritmo. O que tem hoje na poupança é mais do que suficiente para atender a demanda dos próximos dois ou três anos, mas, para chegar ao tamanho que o mercado deveria ter, vão ser necessárias outras fontes além dela.

Qual é o tamanho que o mercado deveria ter?

O volume do crédito imobiliário no Brasil é ainda muito pequeno, em proporção ao PIB, se comparado a outros países. Em 2019, o crédito imobiliário ligado à poupança movimentou cerca de 75 bilhões de reais. Nos melhores anos, por volta de 2012, chegamos a mais de 100 bilhões de reais. Deveria ser o dobro disso, e, só com recursos da poupança, não será.

Se a poupança deve perder protagonismo nos financiamentos imobiliários, que outras fontes irão complementá-la?

Tem as LCIs [Letras de Crédito Imobiliário], que já representam uma parte importante da carteira dos bancos, e, mais recentemente, as LIGs [Letras Imobiliárias Garantidas], que são um produto amplamente usado em mercados desenvolvidos e estão começando por aqui. As LIGs são títulos com segurança absoluta, mas com prazos mais longos, e o investidor brasileiro não está acostumado a ter que deixar o dinheiro preso em uma aplicação, em troca de uma remuneração maior. É uma questão cultural que ainda precisa ser trabalhada para que as novas opções peguem de fato. Com os juros baixos, também cresce o número de fundos querendo diversificar sua carteira e investir em empreendimentos imobiliários, o que traz recursos para o setor. Antes, as incorporados basicamente iam ao banco e pediam um empréstimo, mas, agora, o financiamento delas está deixando de ser uma coisa só, carimbada, para se tornar um mix de fontes.

Começa também a haver uma diversificação nas modalidades de financiamento imobiliário oferecidas pelos bancos ao cliente final. É o caso dao linha atrelada ao IPCA, lançada no ano passado pela Caixa e pelo Banco do Brasil. Como essa diversificação muda o mercado?

Diversificação é sempre bem-vinda. São mais opções para o consumidor, e em um momento em que a concorrência está bastante aquecida. Mas é importante que as pessoas conheçam e entendam bem essas novas opções antes de optar por contratá-las. O financiamento atrelado ao IPCA, por exemplo, proporciona uma parcela menor no começo, mas pode ter muita instabilidade ao longo dos anos.

O que, na sua opinião, indica que a concorrência entre os bancos está aquecida?

Eles ficam anunciando cortes nos juros do crédito imobiliário; é algo que não acontecia antes. Eles estão brigando pelos clientes. A redução da Selic e a regulamentação da portabilidade foram essenciais para isso. A portabilidade demorou a pegar, estima-se que menos de 2% dos clientes tenham migrado, mas isso não significa que não esteja funcionando. Os pedidos de portabilidade são muito maiores do que os financiamentos de fato portados, porque os contratos vão sendo repactuados a taxas mais baixas. Há uma contraofensiva dos bancos para renegociar as condições e não perder o cliente. Como a intenção da medida não é aumentar a portabilidade, mas, sim, melhorar a negociação para o cliente, então o objetivo está sendo plenamente cumprido.

Podemos ainda esperar novos cortes nos juros da casa própria?

Eu não vejo mais muito espaço para eles caírem. A remuneração da poupança é atrelada à Selic. Se a Selic subir, o custo da poupança também sobe. Como o crédito imobiliário trabalha com prazos muito longos, a boa gestão recomenda não reduzir muito mais os juros do que o que chegaram até aqui, dada essa possibilidade, mesmo que remota, de a Selic voltar a ser alta. A Selic pode cair um pouquinho mais e os bancos podem fazer novas reduções, mas nada na magnitude vista até aqui, com taxas que foram de 10% para 7,5% em um curto período de tempo.

Em sua visão, é um bom momento para comprar um imóvel?

É um excelente momento. Os juros nunca estiveram tão baixos, e as taxas que estão sendo concedidas agora não vão ser repactuadas com o cliente depois, porque isso não acontece quando os juros sobem. Os preços também não subiram muito ainda. Em 2019, o valor dos imóveis subiu próximo da inflação, e isso já é a boa notícia, tendo em vista que estava caindo. Em algum momento, os imóveis voltam a se valorizar acima da inflação. Então, quem conseguir comprar agora, seja para morar ou investir, estará numa boa posição.

Esse possível novo ciclo de valorização no preço dos imóveis e de crescimento na atividade do setor pode repetir o que se viu nos anos de boom do mercado imobiliário, entre 2007 e 2012?

Acredito que não e que nem seria saudável. A crise de 2016 trouxe muitos aprendizados para todos – os bancos, as incorporadoras e os consumidores. Vale para os distratos, a inadimplência, o excesso de lançamentos, as pessoas que não conseguiram vender seus imóveis depois. Tudo isso trouxe muitas lições e fomenta uma retomada consistente, mas gradual e responsável. O que vamos fixar dessa crise é aprendizado. Se formos errar, que sejam erros diferentes, e não os mesmos do passado.

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