Lições da China pós-coronavírus: máscaras e vigilância no trabalho

Os funcionários da BMW medem a própria temperatura três vezes ao dia e divulgam os resultados em um aplicativo de bate-papo da empresa. A gigante de produtos eletrônicos Foxconn orientou os funcionários a lavar as mãos antes e depois do manuseio de documentos. Todos os dias, um motorista de aplicativo higieniza o carro e envia um vídeo à empresa para comprovar a limpeza.

O mundo precisa de regras para os ambientes de trabalho pós-coronavírus, e a China é o primeiro laboratório.

Três meses depois que as autoridades fecharam praticamente todo o país para interromper o surto, os trabalhadores voltaram a ocupar seus postos de trabalho para retomar o crescimento sem dar início a mais um surto da doença.

Muitas das regras no ambiente de trabalho são óbvias: manter distância dos colegas e usar desinfetantes e máscaras. Mas algumas delas envolvem uma vigilância e uma série de exigências que trabalhadores de outros países considerariam inaceitáveis, incluindo o uso de aplicativos criados pelo Estado para registrar dados de saúde. Ao mesmo tempo, as autoridades locais estabeleceram um conjunto confuso de regras que muda de uma cidade para a outra, atrapalhando as empresas.

Todos, porém, concordam com uma coisa: não é possível retornar à vida como era antes da pandemia. “A vida não será como antes. É isso que precisamos aprender”, disse Johann Wieland, CEO da joint venture da BMW na China, que emprega 20.500 pessoas.

Grandes empresas orientam os trabalhadores a mudar hábitos pessoais cotidianos, assim como a conduta no local de trabalho. A Foxconn, gigante taiwanesa de produtos eletrônicos que fabrica iPhones e outros aparelhos de marcas ocidentais em enormes fábricas na China, distribuiu um panfleto recomendando que os funcionários evitem o transporte público e se locomovam a pé, de bicicleta ou de carro.

A Foxconn também recomendou que os trabalhadores tenham cuidado ao apertar os botões nos elevadores, lavem as mãos antes e depois de tocar em documentos e saiam em turnos para o almoço. Ônibus e salas de reunião devem ser arejados e as janelas devem ficar abertas, explicou a empresa.

A BASF, a gigante alemã de produtos químicos, estabeleceu um protocolo para arejar os ônibus da empresa. Nos primeiros dias da nova política, os funcionários iam com camadas adicionais de roupa para se protegerem do frio.

Os trabalhadores são vigiados atentamente. Se os funcionários que monitoram a entrada descobrirem que algum trabalhador está febril, ele é levado imediatamente ao hospital e os colegas são colocados em quarentena. Os gerentes também trabalham em parceria com o governo local para descobrir se os trabalhadores estiveram em aviões ou trens com alguém infectado.

“Acredito que isso seria praticamente impossível sem a ajuda das autoridades”, afirmou Brad Morrison, vice-presidente sênior de operações e gerenciamento de instalações da BASF.

No entanto, as diferentes regras praticadas em cada lugar geram problemas logísticos e na rede de distribuição. Embora as restrições tenham diminuído desde que a China limitou drasticamente a movimentação pelo país, no início do surto, as autoridades locais ainda estabelecem barreiras temporárias, especialmente nos locais onde surgem casos esporádicos da doença.

Dentro das fábricas da BASF, as regras são padronizadas. Todos devem usar máscaras; as superfícies são higienizadas regularmente; no refeitório, apenas uma pessoa pode se sentar em cada mesa e todas as mesas foram viradas para a mesma direção. Algumas salas de reunião foram convertidas em refeitórios temporários para evitar aglomerações.

Os funcionários que precisam tocar em manivelas ou apertar botões trabalham no interior da fábrica. Todos os outros se comunicam por walkie-talkies do lado de fora. Os laboratórios e fábricas passaram a funcionar em dois turnos e os trabalhadores estão proibidos de se comunicar face a face com os colegas durante a troca de turno.

“Essas medidas fazem muito sentido. Trata-se de um pequeno sacrifício para que possamos continuar funcionando”, disse Morrison.

Para ficarem em segurança, muitos empregadores passaram a usar um código de saúde adicionado recentemente à interface de alguns dos aplicativos para smartphone mais populares da China, como o Alipay e o WeChat, com o apoio do governo. Um dos primeiros serviços criados para avaliar o risco de infecção para os usuários, a função registra os movimentos de uma pessoa para determinar se ela esteve em áreas com índices elevados de infecção. Embora os criadores e o governo chinês não tenham revelado detalhes de como isso funciona, quando um trabalhador da saúde, um policial ou um segurança aborda o usuário, ele mostra no aplicativo um código de saúde que pode ser vermelho, amarelo ou verde.

A Secretaria de Regulamentação do Mercado, um órgão estatal que regulamenta práticas comerciais, está criando uma plataforma que reunirá as informações de saúde enviadas pelos cidadãos durante a pandemia. Mas o sistema, que utiliza códigos QR, ainda está sendo implementado e tem alguns problemas.

Liu Nan prefere não se arriscar. Dono de duas churrascarias em Jiamusi, no nordeste da China, ele pede que os clientes mostrem os códigos de saúde na tela do smartphone antes de entrarem no estabelecimento.

“Algumas pessoas se queixam de que os outros restaurantes não são tão rígidos, mas sempre respondemos que queremos garantir a segurança em nossas unidades”, comentou Liu, que batizou o restaurante como Chunli Jia em homenagem à esposa.

Assim como muitos outros restaurantes em toda a China, Liu exige que os funcionários incluam em cada pedido um cartão com o nome das pessoas que prepararam, embalaram e entregaram a refeição. O cartão também registra a temperatura dos trabalhadores. Liu não quer que os funcionários se socializem demais e pede aos 14 cozinheiros e garçons que permaneçam nos dormitórios que alugou para eles. “Eu disse que, se quiserem muito sair para passear, podem ir à minha casa para jogar mahjong”, comentou Liu, de 30 anos.

Os trabalhadores informais da China também precisam tomar precauções, muitas vezes sob a orientação das empresas para as quais prestam serviço.

Em Pequim, Niu Baosui, de 31 anos, motorista da Didi Chuxing, a versão chinesa do Uber, precisa enviar um vídeo pela plataforma interna da Didi para comprovar que limpou o carro, além de compartilhar sua temperatura corporal antes de iniciar o trabalho. Por conta própria, Niu resolveu limpar o interior do carro entre uma corrida e outra, já que o intervalo entre cada viagem ficou muito mais longo nos últimos tempos. Ele também usa máscara e luvas.

“Está começando a esquentar agora. Ficar de máscara me faz pingar de suor, mesmo com o ar-condicionado ligado”, contou Niu.

Alguns trabalhadores de setores considerados essenciais pelas autoridades tiveram de aprender o que fazer durante os piores momentos da pandemia na China.

Zhang Hao, entregador da gigante chinesa do e-commerce JD.com, trabalha em Wuhan, onde o vírus surgiu em dezembro do ano passado. Os pacotes que Zhang manuseia são desinfetados no armazém. Ele sempre leva consigo um desinfetante em spray. Agora, Zhang pode falar com os clientes – no início da pandemia, os clientes regulares se escondiam por trás de uma barreira de capas de chuva e equipamentos de proteção improvisados.

“Hoje em dia, todos ainda usam máscara, mas pelo menos dá para conversar um pouco”, disse Zhang.

Na sede da JD.com, em Pequim, os elevadores foram reprogramados para parar apenas nos andares designados; o objetivo é limitar a interação entre os trabalhadores. Os espaços em que as pessoas podem ficar também foram delimitados.

Os funcionários vão ao escritório em dois turnos e muitos continuam a trabalhar remotamente em tempo integral.

Existem latas de lixo especiais para máscaras, lenços de papel e embalagens de comida. O refeitório está fechado e os funcionários são encorajados a pedir a comida da lanchonete pela internet e buscá-la em diferentes andares. O prédio todo é desinfetado três vezes ao dia.

A BMW Brilliance, a joint venture da BMW com uma montadora chinesa, estabeleceu políticas similares no escritório em Pequim, onde cerca de três quartos dos funcionários continuam trabalhando presencialmente. “O maior desafio é a enorme pressão econômica e social que enfrentamos para reabrir as portas e relaxar as medidas cedo demais. As pessoas querem retornar à vida normal, e todos precisam aprender e entender que temos de nos comportar de maneira mais consciente”, concluiu Wieland, CEO da joint venture.


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