Onde investir? Onde cortar? O dilema do orçamento curto

A pandemia está impondo questões incômodas a CEOs e CFOs.

Estas nunca foram decisões triviais, mas, com vários paradigmas do mercado em acelerada transformação, tornam-se ainda mais delicadas.

Todos estão lendo, relendo e reescrevendo os contratos que têm entre si: consumidores, funcionários, governos, fornecedores, clientes, formadores de opinião, entidades de classe, ONGs, investidores.

É a maior onda de ressignificação de papéis com a qual essa geração de líderes vai se deparar. Quem toca um negócio está com muito trabalho e menos recurso disponível.

O fio da meada começa na nossa cabeça. O isolamento social provocou o colapso da área preditiva do nosso cérebro. A idéia de normalidade está diretamente ligada à capacidade de prever acontecimentos cotidianos. Agora, no entanto, a combinação inédita de tantas variáveis inviabiliza as modelagens tradicionais; nossa capacidade de fazer previsões seguras entrou em colapso.

Quando a capacidade preditiva não funciona, aflora a capacidade cognitiva. A cognição é a forma pela qual o cérebro sente, percebe, aprende, memoriza e recorda tudo que importa.

E aqui reside a grande oportunidade dessa crise.

As pessoas estão repensando os seus valores e suas relações pessoais, seus elos profissionais e suas escolhas comerciais. É um momento decisivo para as empresas repactuarem seus códigos de valor junto a seus diversos públicos. Momento de criar conexões verdadeiras, de estabelecer uma comunicação de mão dupla, de reescrever juntos os novos contratos.

A jornada começa com o consumidor. A imprevisibilidade do futuro, a perda de poder aquisitivo e o medo de perder o emprego estão causando um impacto enorme no relacionamento das pessoas com produtos e serviços.

O consumidor está valorizando ainda mais o seu dinheiro, está mais seletivo. Ele sabe que produtos e serviços são mais que produtos e serviços.

As pessoas não querem saber apenas o que ganham no relacionamento com determinada marca. Questionam a razão daquela marca existir, como se relaciona com o meio ambiente, como trata os funcionários e quais causas defende.

Um “storytelling” apenas não bastará. Será preciso um “storydoing”.

As marcas terão de fazer, impactar genuinamente e saber contar de forma autêntica; a comunicação ganhará relevância e a produção de conteúdo será chave.

Os governos também terão o seu “novo normal”: devem aumentar sua capacidade de intervir na economia e na sociedade. Vão injetar liquidez nos mercados, Investir em infra-estrutura, rever o modelo tributário, acelerar as reformas — e até intervir no direito de ir e vir.

Como tudo isso impactará a vida das pessoas físicas e jurídicas, as narrativas sociais das empresas — seu lugar na sociedade — precisarão ser reescritas e comunicadas. Relações públicas e reputação serão fundamentais.

Narrativas tidas como irremediáveis, como a globalização, também estão sendo postas em xeque. Para oito em cada dez brasileiros, é importante fortalecer a indústria nacional e diminuir a dependência do Brasil de matérias-primas e equipamentos importados, segundo pesquisa do Instituto FSB feita para a CNI. A inserção nas cadeias globais será fatalmente ressignificada.

Aliás, integrantes da cadeia de valor formam um público que ganha outro relevo. Será mandatório mostrar apoio aos produtores locais, pequenos varejistas, transportadores, empatia com as sociedades onde a empresa está inserida, envolvimento em causas que ajudam na construção de um mundo melhor e mais justo.

Como já se viu, muitas iniciativas de salvamento dos elos mais expostos da cadeia estão sendo criadas e se tornarão fundamentais para a sobrevivência de todo o ecossistema. Taí uma relação que será ressignificada em série.

Sorte dos CEOs que puderem manter seus quadros. Eles não estarão sozinhos para enfrentar o maremoto. O público interno verá nessa crise seu papel ser expandido, de colaboradores para embaixadores. Engajamento e pertencimento gerarão reputação.

A empresa que conseguir falar à sociedade pela voz de seus funcionários terá um diferencial competitivo: portanto, será muito importante integrar comunicação interna com comunicação externa. Capacidade de comunicar agora é gênero de primeira necessidade. Ressignificação na veia.

E os investidores? Mudarão suas métricas de avaliação de ativos? Aquela aguardada rodada de aportes pode demorar mais tempo ou não vir.  O planejado IPO vai ter que esperar mais um ano? Haverá mais recursos para financiar negócios inovadores com retorno de longo prazo? Quais ressignificações aguardam sua empresa nessa relação?

Nesse cenário complexo e incerto, uma coisa podemos cravar: qualquer que seja seu plano de investimentos, a sociedade civil organizada, ONGs, entidades de classe e movimentos sociais estarão ainda mais atentos a cada passo da sua organização.

Qualquer que seja sua opção de redução de custos, os formadores de opinião, acadêmicos, influencers, jornalistas, editores, colunistas terão como ofício reportar as consequências dessa decisão no processo de ressignificação da sua empresa.

Esse relato será seu novo capítulo na história, e o verbete que lhe caberá no dicionário da crise.

*Alexandre Loures é sócio do grupo FSB e fundador da Loures Consultoria


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