Pandemia, crise e desemprego… a inflação é a ameaça que faltava no Brasil

Supermercado: auxílio emergencial e alta do dólar puxaram preços para cima no Brasil

Supermercado: auxílio emergencial e alta do dólar puxaram preços para cima no Brasil (Tânia Rego/Agência Brasil)

Entra ciclo e sai ciclo, ela retorna à pauta. E quem viveu os anos 80 ainda treme só de pensar na maquininha de remarcação de preços no supermercado. A pandemia — e outros fatores estruturais do Brasil — fizeram com que a inflação, velha conhecida dos brasileiros, aparecesse cada vez mais no segundo semestre do ano passado. A alta de preços em alguns setores, sobretudo na alimentação dentro de casa, fez com que a preocupação sobre o tema voltasse ao radar dos consumidores e do mercado financeiro. Mas a inflação é mesmo um risco para 2021 e para os anos pós-crise?

O IPCA, principal índice inflacionário brasileiro, fechou o ano em alta de 4,52%, acima do centro da meta do Banco Central, de 4%. O índice ficou dentro do intervalo da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional para 2020, entre 2,5% e 5,5%, mas levantou o sinal amarelo por ter crescido mesmo em meio à maior crise econômica do último século e com a taxa de desemprego brasileira acima de 14% em meados do ano, pico da série histórica.

A última rodada da pesquisa EXAME/IDEIA mostrou que 95% da população já sentiu os reflexos da alta de preços de maneira geral. Essa percepção é alta em todas as faixas salariais, sendo mais sentida no grupo dos que ganham entre um e três salários mínimos (98%).

Apesar da taxa muito menor do que em outros momentos da história brasileira, a inflação acabou aparecendo mais em setores que cresceram com a pandemia. O grupo de alimentação no domicílio foi o grande vilão da vez, com alta de 18% em 2020 — chegando a 103% de aumento médio no preço do óleo de cozinha ou 76% no arroz, as duas maiores altas do ano entre todos os grupos do IPCA. O valor é reflexo das mudanças no consumo e puxado em parte pelo auxílio emergencial, que despejou mais de 280 bilhões de reais na economia e atingiu mais de 60 milhões de famílias.

Fatores externos, como a alta de 29,33% do dólar no ano ante o real e o aumento da demanda por produtos agrícolas no cenário internacional, também puxaram os preços para cima. “Houve no ano passado alguns ‘culpados’ para a inflação subir mesmo na crise”, diz Arthur Mota, da EXAME Invest Pro. “Mas é preciso separar o que foi uma questão de conjuntura, como o auxílio ou o preço das commodities, e o que realmente é um risco real de descontrole na inflação.” Entender onde realmente está o risco, e como remediá-lo, é decisivo para uma recuperação econômica sustentável no Brasil e no mundo.

Adormecida até quando?

A inflação, grosso modo, é uma medida da variação dos preços. Ela aumenta de forma mais brusca quando há um desequilíbrio entre uma alta demanda dos consumidores e uma oferta insuficiente de produtos para atendê-la. Cada setor tem um momento diferente. Por isso, os diferentes índices inflacionários colocam em sua cesta determinados produtos, com o peso respectivo que historicamente têm no consumo de uma fatia média da população. Cada índice, assim, traz um ângulo diverso.

O IPCA é apenas um deles. O IGP-M, um dos índices mais comentados de 2020 devido à alta de incríveis 23,14%, usa em sua composição outros três indicadores de inflação: o INCC, da construção civil, o IPC, que mede o consumo das famílias (mais similar ao IPCA) e o IPA, do agronegócio.

O crescimento maior do IGP-M em 2020 tem grande relação com fatores como o maior peso do dólar no índice. Já o IPCA, por exemplo, tem 30% de participação de serviços, um dos setores mais afetados na pandemia com menos pessoas buscando alimentação fora de casa ou viagens. “Tivemos muitas coisas que acabaram puxando o IPCA para baixo. Planos de saúde tiveram aumentos suspensos, escolas particulares ofereceram desconto na mensalidade, a energia elétrica teve bandeira verde até novembro”, explica Pedro Kislanov, Gerente de Índices de Preços ao Consumidor do IBGE. “Então há, é claro, muitos aumentos que ficaram ‘represados’ no ano passado e podem aparecer neste ano.”

Comércio na 25 de março, em São Paulo: setores como vestuário e passagens aéreas tiveram queda nos preços médios em 2020

Comércio na 25 de março, em São Paulo: setores como vestuário e passagens aéreas tiveram queda nos preços médios em 2020 (Eduardo Frazão/Exame)

É uma discussão que acontece não só no Brasil. Em todo o mundo, aumenta o debate sobre se o consumo no pós-crise — com vários países podendo ter vacinado a maioria da população até o segundo semestre — pode trazer à tona uma pressão inflacionária que ficou escondida. Soma-se a isso o cenário inédito da crise da covid-19, que impediu muitos negócios de funcionarem, ceifou meio bilhão de empregos pelo mundo e fez os governos despejarem recursos inéditos em suas economias.

Nos Estados Unidos, o caso mais emblemático, após dois pacotes de auxílio no ano passado a cidadãos e empresas (de 2 trilhões e 900 bilhões de dólares, respectivamente), o governo de Joe Biden negocia um novo pacote, de 1,9 trilhão de dólares. Na União Europeia, os países também concordaram em um pacote de 750 bilhões de euros no ano passado, e novos estímulos podem vir. É um caminhão de dinheiro que passa a circular. Além disso, a parcela das famílias que conseguiu manter alguma renda ficou sem ter onde consumir com diversos serviços paralisados. A poupança mundial chega a 2,9 trilhões de dólares, segundo as estimativas da Bloomberg Economics. Os otimistas apostam nesse montante para uma maratona de compras após a pandemia e para acelerar a recuperação econômica.

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