Para entender o futuro do e-commerce, estude a China, diz ex-VP do Alibaba

Desvendar o futuro do e-commerce no pós-pandemia é, no mínimo, um desafio. O isolamento social causado pela doença trouxe como consequência o auge do varejo digital local — obrigando empresas que atuavam somente no ambiente físico a repensarem as próprias estratégias. Quem já tinha uma operação digital mais estruturada se saiu melhor, sem dúvidas, mas isso não garante uma espécie de estabilidade para elas. A retomada da vida social impulsionada pela vacinação impõe novos desafios e, por mais que a jornada digital não tenha mais volta, a concorrência deve se tornar cada vez mais árdua ao longo dos próximos anos. Em um ambiente de rápida transformação, parece impossível não querer um horizonte para se fixar. E, para Porter Erisman, ex-Vice Presidente do Alibaba Group e autor do livro “Alibaba’s World”, a América Latina deveria olhar para o que a China fez e o que a Indonésia vem fazendo como forma de antecipar o futuro.

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Em entrevista à EXAME. Porter contou mais sobre a própria trajetória profissional e como a experiência de trabalhar ao lado de Jack Ma durante quase oito anos transformou a própria visão sobre o setor — e tenta antecipar o que virá pela frente, dando uma prévia do tema que irá abordar durante o HSM Expo 2021.

Os principais trechos da conversa, você acompanha abaixo:

EXAME: Como surgiu a ideia de trabalhar para um e-commerce chinês durante os anos 2000?

Porter Erisman: Quando aconteceu a queda do Muro de Berlim, eu entendi que haveria mudanças significativas nas economias que haviam se planejado para o Comunismo, tendo que lidar com o Capitalismo. Então, em vez de ficar interessado em regiões como a Europa, eu quis ir para a China, saber como mais da metade das pessoas do mundo estava vivendo. Fui estudar Mandarim nos anos 1990 por lá e imaginei que essas transformações seriam ainda mais intensas no país no futuro. Comecei trabalhando em Pequim, em uma empresa de Publicidade e Relações Públicas, mas queria me juntar a alguma startup. E um amigo meu comentou comigo que havia um professor que queria construir uma companhia global. Me interessei e fui atrás.

Conversei com Jack Ma, gostei dele e vi que era um grande sonho porque, naquela época, havia muitas empresas multinacionais entrando na China. A história dele foi a primeira que ouvi, desde que havia chegado, a respeito de um empreendedor chinês querendo construir algo global a partir da China. E eu podia ver que se encaixava com o meu futuro profissional e parti para trabalhar no Alibaba. Foi um período muito interessante de aprendizado, bem como o pós-2008 e, agora, as consequências da covid-19 para o e-commerce.

EXAME: Como você vê companhias chinesas de tecnologia lidando com a interferência do governo nos próximos anos?

Porter Erisman: Nos anos 2000, a China não permitia nem internet, mas olhando para os oito anos que eu fiquei lá, vejo que foi uma “era de ouro”. Porque o governo, pouco a pouco, deixou negócios ligados à internet se desenvolverem de forma muito mais livre do que hoje — em que até o Google é bloqueado. Especialmente se você fosse uma companhia de e-commerce, podia testar o que quisesse, porque o governo abriu a porta para a internet entrar e benefícios econômicos acontecerem a partir disso.

Acho que novas lideranças de governo veem essas grande companhias de tecnologia que se desenvolveram nesse período como uma ameaça pra eles.  Tanto é que a mensagem é muito clara: você não pode ser muito grande, não pode ter muito poder. tudo que você fizer, se não servir ao estado, não vamos apoiar. Então, hoje e pelos próximos anos, acredito que trabalhar para uma grande companhia chinesa é como trabalhar para uma grande empresa que pertence ao governo, com cada vez mais controle. Eu acho que o controle do governo vai se tornar cada vez mais forte e o poder dos empreendedores cada vez mais fraco.

EXAME: Você acha possível que outros empreendedores criem uma companhia que faça competição direta com o Alibaba, no futuro?

Porter Erisman: Acredito que há espaço para companhias menores testarem e aprenderem. Porque, por outro lado, companhias como o Alibaba e Tencent cresceram tanto e têm tanto market share que é impossível não se perguntar qual é o limite justo. Por exemplo, se você quer pagar por algo no site do Alibaba, você só pode usar o meio de pagamento da empresa.

Então, primeiro, eu sempre penso que existe espaço para competição e companhias se tornarem mais fortes. há centenas de e-commerces na China. E se você é pequeno, o governo não presta atenção suficiente até você se tornar grande. Existe muito espaço. Ainda é um bom momento para ser um empreendedor de tecnologia na China, só não é um bom momento para ser um titã de tecnologia por lá. 

EXAME: Olhando para fora, comumente vemos países impondo sanções a companhias chinesas. Como elas devem lidar com essa barreira regulatória nos próximos anos, especialmente dos Estados Unidos? 

Porter Erisman: Quando eu trabalhava no Alibaba, era uma época que os EUA e a China estavam mais próximos. Podíamos conhecer uns aos outros e trocar muito conhecimento. Agora, a política está colocando os países em lugares separados, especialmente pela diferença de governos: a China mais autoritária e os Estados Unidos com uma democracia. 

O que vai acontecer é que essa ideia de ecossistemas políticos totalmente diferentes deve se intensificar cada vez mais. E eu acho que a China e companhias ocidentais não vão ter tanto espaço para cooperar em tecnologia. Mas eu acho que companhias chinesas irão para mercados emergentes onde as companhias estão menos preocupadas com política e querem que os problemas delas sejam resolvidos. Então, eu acho que a era das companhias chinesas dominando o mundo não vai acontecer, porque a política vai tornar impossível. Mas a China é tão grande que as companhias podem fazer sucesso localmente e podem escolher mercados na Ásia, África e América Latina onde serão bem-vindos. 

EXAME: Partindo para uma visão mais próxima daqui, como você vê o futuro do e-commerce na América Latina? 

Porter Erisman: É interessante ver que, pelo fato de os Estados Unidos estarem mais perto, geograficamente, muita gente na América Latina estuda as companhias norte-americanas de e-commerce, mas a mensagem que eu tenho para companhias brasileiras é: Se você quer entender a história do e-commerce, estude os EUA; se você quer entender o futuro, estude a China. 

Quando eu estava na China e o Alibaba começou, eu lembro de pessoas me contando todas as razões pelas quais o e-commerce nunca iria funcionar. Eles diziam que havia muita regulação, muito controle do governo, a internet era muito devagar, não havia muitas pessoas usando a internet, os meios de pagamento não são tão desenvolvidos quanto os dos EUA e diziam: não temos logística, os EUA têm. Eu sei um pouco do Brasil por estudar e,  há vinte anos, seria muito fácil projetar um cenário similar no país, especialmente por problemas de logística e meios de pagamento, por exemplo. 

Eu acredito que o crescimento real do e-commerce não vai acontecer em mercados como EUA e Europa, mas vai acontecer em mercados emergentes. Têm mais problemas de infraestrutura, por exemplo, mas acredito que vão seguir o caminho da China. Por lá, tudo começou devagar, devagar, devagar, e de repente mudou e tudo se tornou e-commerce. É uma grande mudança que vimos com a pandemia, por aqui.

No Alibaba, éramos originalmente um site B2B. Depois decidimos lançar o site para o consumidor. Lançamos o site chamado Taobao enquanto estávamos em quarentena em 2003, na época da epidemia de Sars na China. E eu estava em quarentena, nós tínhamos 400 pessoas na empresa que estavam em isolamento por causa do Sars. E o que aconteceu foi o que lançamos esse site de consumidor. E, como as pessoas não podiam se ver cara a cara, o que aconteceu foi que o e-commerce decolou porque era a única forma de comprar algo.

Meu trabalho costumava ser fácil, eu podia ver claramente o que aconteceria nos próximos cinco anos. Mas a pandemia avançou isso, pelo menos. O futuro será os superapps que trazem tudo. O que o Alibaba fez foi criar um modelo de negócio inovador. Esses modelos de negócio são algo que são um legado muito importante para a China, mesmo que estejam longe do Brasil.

EXAME: Um dos principais problemas enfrentados por e-commerces no Brasil diz respeito à logística, especialmente para companhias que vêm de fora. Como você acredita que isso poderá ser superado?

Porter Erisman: A lição que aprendi com Jack Ma é que sistemas muito sofisticados tendem a ser completamente remodulados ao chegar em locais como o Brasil. E acho que a China é um excelente lugar para aprender sobre isso — mas, veja, eu não acredito que companhias chinesas possam chegar e se estabelecer no Brasil com facilidade. 

De forma geral, a melhor companhia a fazer isso será uma companhia local. Até por questões regulatórias inerentes a cada país — que são um aprendizado a mais para companhias estrangeiras. Além disso, há preocupações com a segurança que acontecem na América Latina e são diferentes de outras regiões, como questões de segurança, por exemplo. Se uma companhia local perde para a Amazon ou outro player estrangeiro, significa que está fazendo algo muito errado. Porque uma companhia local deveria ser a que melhor entende de logística. 

Especialmente falando do Brasil, o país pode aprender muito com a Indonésia. Existe, por lá, uma companhia chamada GoJek que começou focada em logística de entregas e, hoje, virou um SuperApp: você pode pedir desde prestadores de serviço até serviços financeiros e de delivery. Essa é outra oportunidade em potencial.



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