Por dentro da McKinsey: salas “secretas” e menos engenheiros

No livro “The Firm: a história da McKinsey e sua secreta influência nos negócios americanos” (Oneworld Publications, 2014), o autor Duff McDonald fala sobre como a consultoria McKinsey, ao praticamente criar o até então inexistente modelo de consultoria e seus códigos de atuação, ajudou a moldar o capitalismo do século 20.

“Acima de tudo, os consultores da McKinsey ajudaram empresas e governos a criar e manter muitos dos comportamentos corporativos que moldaram o mundo em que vivemos. E, ao se tornarem uma parte indispensável do processo decisório no mais alto escalão, eles não só emergiram como uma das grandes histórias de sucesso nos negócios de nosso tempo mas também ajudaram a inventar o que enxergamos como capitalismo americano e espalhar isso para cada canto do mundo”, escreveu McDonald.

Presente em mais de 60 países e com 17.000 consultores mundo afora, a McKinsey, fundada em 1926, se tornou ela própria um caso de sucesso. Mas agora, assim como outras consultorias concorrentes, a “Firma” — como é chamada pelos funcionários, denotando a singularidade da empresa na visão dos colaboradores — enfrenta o desafio de não só preparar seus clientes para acompanhar as novas demandas empresariais, mas de transformar, dentro de casa, os processos necessários para seguir relevante e eficaz.

Reinaldo Fiorini, a liderança da empresa no Brasil (o chamado managing partner), detalhou parte desses desafios em entrevista a EXAME, concedida semanas depois da inauguração do novo escritório da McKinsey em São Paulo. O espaço aberto em agosto, diz Fiorini, reflete também um novo momento da empresa. “Muita coisa mudou nos clientes, que hoje têm novos desafios. Mas mudou também na McKinsey”, diz.

Pela primeira vez, a McKinsey no Brasil tem em seu corpo de funcionários mais de um terço de pessoas de formações que vão além dos tradicionais engenheiros, economistas e administradores. A empresa contrata hoje profissionais como designers, cientistas de dados, bioquímicos, médicos, enfermeiros e jornalistas, que, segundo a empresa, trazem “novas perspectivas e habilidades”. O percentual desses consultores com formação diversa foi de 13% em 2014 para 35% em 2019. A companhia afirma que mais de 40% dos funcionários são mulheres.

“Se você pega todo mundo com a mesma formação, a resposta a um problema vai ser a mesma. Diferentes ângulos farão a resposta ser melhor”, diz o executivo. “Esse novo escritório, além de ser um espaço maior, representa essa nossa fase. O mercado consumidor e a força de trabalho de nossos clientes mudou, mas a nossa também.”

As mudanças dentro de casa

O novo escritório foi inaugurado há quatro meses em substituição ao espaço anterior, que ficou pequeno para o crescimento do braço brasileiro da consultoria — que já havia se mudado de escritório em 2014. O escritório de São Paulo passou de 350 consultores em 2014 para 500 neste ano. Já é o quinto maior do mundo, atrás de Nova York, Londres, Chicago e Munique. A consultoria tem ainda pouco mais de 200 consultores em escritórios no Rio de Janeiro e em Salvador.

O espaço em São Paulo também foi criado para ser mais colaborativo e ter ares de “casa”, diz a empresa. Em cada um dos três andares há uma série de espaços coletivos, com poltronas perto de amplas janelas de vidro, para quem quiser trabalhar olhando a vista lá fora. A empresa criou um espaço de café com capacidade para 140 pessoas. Quando EXAME visitou o escritório, por volta das 17h de sexta-feira, funcionários da cozinha se movimentavam com cervejas e comidinhas para um happy hour interno que aconteceria naquela tarde — uma boa pausa para aqueles que, eventualmente, precisem terminar o dia mais tarde, como é comum nas consultorias. (Veja imagens do escritório na galeria abaixo).

Ao longo dos corredores do escritório, há ainda espaços “ultra-secretos”. Salas “laboratório”, onde um pequeno grupo de consultores testa e analisa produtos dos clientes, e corredores inteiros com salas onde não é possível ouvir uma palavra estando do lado de fora. Os mais de 50 sócios no Brasil têm salas próprias, mas que, na ausência dos donos, podem ser usadas para reuniões pelos funcionários. Mesmo nos espaços coletivos, placas nas paredes lembram constantemente os colaboradores de que o trabalho e as informações dos clientes devem ser tratadas de forma estritamente cuidadosa e confidencial.

O prédio, em uma torre no bairro paulistano Vila Olímpia, conhecido por dar lugar a escritórios das maiores empresas brasileiras, foi escolhido em uma votação. A McKinsey selecionou três possíveis localizações e pediu para os funcionários votarem na preferida.

Também por meio de uma votação, os funcionários puderam escolher os nomes das salas do novo escritório. Os ambientes foram divididos em espaços temáticos que representam a cultura brasileira: há alas nomeadas com nomes de comida (com as salas “pão de queijo”, “caipirinha” e “brigadeiro”), com bairros (como “Vila Olímpia”, “Paraíso” e “Morumbi”), com personalidades nacionais (como as salas “Pelé”, “Drummond” e “Tarsila”) e com lugares (como “Pinacoteca” e “Paulista”).

No dia da visita de EXAME, na recepção, um estrangeiro tentava, com esforço, perguntar onde ficava a sala “pão de queijo”. A ideia é essa mesmo, diz Fiorini: ao receber clientes e consultores de fora do país no escritório, os visitantes também aprendam sobre a cultura nacional e da cidade.

Os desafios no Brasil

Historicamente, clientes procuram a McKinsey para ajudá-los a resolver problemas — a consultoria foi responsável ao longo das décadas por aconselhar de demissões em massa a aquisições e novas possibilidades de negócios.

Fundada pelo professor de contabilidade americano James O. McKinsey, a empresa evoluiu para um foco em estratégia sob a gestão do sucessor Marvin Bower e cresceu junto com o capitalismo americano. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45) e na Guerra Fria, se internacionalizou sobretudo ao expandir sua atuação para a Europa, ajudando as então devastadas empresas do velho continente a se reestruturar após o conflito.

O crescimento no Brasil nos últimos cinco anos que demandou um escritório maior mostra a alta demanda pelos serviços da consultoria justamente em um momento ruim para as empresas brasileiras. De 2014 a 2019, o PIB brasileiro enfrentou dois anos de recessão e ainda sofre para se recuperar.

Paralelamente a este cenário difícil nas empresas nacionais, a McKinsey também mudou mundialmente seu posicionamento junto aos clientes. Hoje, atua como uma impact partner (parceira de impacto, em português), atuando com as empresas não só no processo de estudo e apresentação de propostas, mas também durante o processo de implementação, como alguns projetos pilotos e treinamentos da equipe. Ou seja: vai cada vez mais além do PowerPoint. “Conseguimos construir junto com o cliente, ver o que está dando certo e errado”, diz Fiorini. “Também é empolgante para nós como consultores, quando podemos ver os frutos do que pensamos sendo aplicados na vida real.”

O sócio da McKinsey aponta que um dos principais desafios para as empresas no Brasil é integrar em seus processos as novas soluções digitais, indo além do que chama de “purgatório de pilotos” — como a empresa chama os projetos que nunca saem do papel. Cerca de 40% dos projetos que a McKinsey faz atualmente tem relação com aspectos digitais e advanced analytics (a análise de grandes base de dados de forma autônoma ou semi autônoma, para obter, por exemplo, dados de comportamento do cliente e vendas).

“A empresa faz um monte de experimentos, um monte de pequenos pilotos, porque o conselho está perguntando ‘o que se está fazendo no digital’. Então, o executivo entende que há um valor lá, e tenta fazer algo. Mas não consegue escalar para além dos pilotos”, diz.

Crescimento em meio à crise: braço da McKinsey em São Paulo foi de 350 para 500 funcionários desde 2014

Crescimento em meio à crise: braço da McKinsey em São Paulo foi de 350 para 500 funcionários desde 2014 (McKinsey/Divulgação)

Lucro não é o propósito?

Da mesma forma como moldou as principais empresas do mundo ao longo das últimas décadas, a McKinsey precisará estar presente em uma nova era, que vai desde mudanças no ambiente digital a maiores cobranças para que as empresas tenham propósito, produtos sustentáveis e preocupação com a comunidade.

A visita ao escritório da McKinsey aconteceu poucas semanas depois de uma reunião do chamado Business Roundtable, grupo das maiores empresas do mundo que reúne faturamento somado de 7 trilhões de dólares, que publicou um manifesto assinado por 181 presidentes em que aponta que lucro não é o maior propósito das empresas. No comunicado, assinado por presidentes de empresas como Walmart, Apple, Amazon, JPMorgan e Ford, afirma que as empresas devem investir em seus funcionários e comunidades.

Fiorini acredita que a McKinsey — historicamente criticada por seu caráter conservador, com funcionários majoritariamente masculinos, brancos e com o mesmo perfil — está alinhada a este novo momento global. “Acreditamos no long-term capitalism [capitalismo de longo prazo]. Criação de valor não é só retorno para o acionista, mas para a sociedade como um todo no longo prazo”, diz.

Internamente, a McKinsey afirma também tentar fazer o mesmo. A empresa inaugurou neste ano no Brasil um braço de seu programa Generation (ou geração, em inglês), que oferece um curso de poucos meses para especializar jovens desempregados em funções carentes no mercado de cada país. No Brasil, a empresa detectou que faltavam programadores na linguagem Java e formou, em seis semanas, uma turma de mais de 30 jovens — todos saíram empregados, segundo Fiorini.

Os talentos, na opinião do executivo, também foram por muito tempo subvalorizados no Brasil — e são uma das principais saídas para enfrentar a crise brasileira e todas as mudanças pelas quais passam as empresas. Uma pesquisa da McKinsey com executivos de empresas de todos os continentes aponta que 65% dos executivos brasileiros consideram que, para chegar ao sucesso, capital é mais crucial do que talento. É uma das taxas mais altas do mundo. Na América do Norte, essa resposta foi dada por apenas 26% dos executivos, por 28% na Europa e por 52% na Ásia.

“Entendo que o Brasil sempre teve um contexto de juros altos, capital difícil de conseguir”, diz Fiorini. “Mas se eu pergunto aos executivos sobre o motivo de alguns projetos terem dado errado, eles respondem que os projetos falharam por falta de uma equipe bem azeitada ou por que não conseguiram a pessoa certa.”

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