Por que precisamos mais do que nunca exibir os atos de solidariedade

Segundo um tradicional ditado judaico, a caridade deve ser anônima. Do contrário é vaidade. O valor desse ditado é evidente. Ele busca reafirmar que a ajuda ao próximo – e ao distante – deve ser feita para atender aos nossos melhores impulsos solidários, e não para alimentar nossa vaidade. O ensinamento precioso desse ditado ajudou a formar poderosos e sábios filantropos anônimos. O ditado atravessou os séculos, incentivando pessoas de várias tradições religiosas ou laicas a manifestar, discretamente, o melhor de si. Por outro lado, vivemos tempos de exceção. Estamos atravessando uma emergência global que exige alta dose de solidariedade. Por isso, é preciso resgatar o orgulho do ato de doação.

No dia 5 de maio de 2020 o mundo celebra o Dia de Doar Agora, movimento global para comemorar as doações já recebidas e mostrar o poder de transformação que as doações têm quando feitas em conjunto. A ideia é celebrar a expansão da generosidade, o engajamento cidadão, a atuação forte no mundo dos negócios e das redes de filantropia. Isso tudo é mais do que oportuno diante do desafio da epidemia de covid-19.

Uma das estratégias para estimular a cultura de doação é tirar o doador da sombra. Ou melhor, convidar o doador a sair da sombra. Eles estão em toda parte. Uma pesquisa realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e pelo Instituto Gallup revelou que metade dos brasileiros doa regularmente de alguma forma. Metade! Por que isso não é mais divulgado ou evidente? Porque o doador brasileiro é tão discreto. “Talvez por uma culpa cristã, uma vergonha de falar sobre o ato”, analisa Marcelo Estraviz, diretor do Instituto Doar. “Pode ter algo a ver com o que aparece em Mateus, na Bíblia: que uma mão não saiba o que a outra fez. Outra explicação provável é vergonha mesmo.”

Para Estraviz, alimentar a cultura da doação passa por alimentar o orgulho do doador. “Ao aparecerem, os doadores passarão a comentar com os amigos para qual organização doam, a quanto tempo fazem isso, o que sabem, o que falta saber. Deixará de ser um assunto tabu, passará a ser conversa de bar. Uns contando aos outros o que conhecem sobre organizações no bairro. Alguns começarão a visitá-las, outros passarão a falar mais a respeito no Facebook”, afirma. Com isso, a cultura de generosidade se retroalimenta.

As empresas podem participar com força desse movimento. Precisamos cuidar para que a sociedade que sustenta nossos negócios e nossas vidas passe da melhor forma possível pelo desafio da pandemia. As empresas, nesse contexto, são poderosas forças criativas, de organização das pessoas para atingir objetivos. Assim como elas se organizam para cumprir tarefas produtivas, criando e entregando serviços e produtos de qualidade, que melhoram nossas vidas, elas também podem usar esse potencial organizativo para promover outros tipos de benefícios.

Em qualquer situação, dar parte do seu lucro ou dos seus recursos para boas causas, para além de fazer do mundo um lugar melhor, gera retornos que vão desde o engajamento dos colaboradores, passando pelas possibilidades de ações de marketing, até o apoio da comunidade e dos stakeholders em geral. Agora mais do que nunca.

Miguel Krigsner, um dos maiores e mais admirados empresários do Brasil, fundador e presidente do Conselho de administração do Grupo Boticário, pioneiro ao criar o modelo de franchising no país, vai além. Para ele, a solidariedade para as empresas não é apenas uma questão de imagem. É de sobrevivência. “As empresas privadas são grandes centralizadoras de interesses. Elas interferem na vida de seus funcionários, consumidores e comunidades. É importante que abracem responsabilidades relacionadas a todos esses atores, de modo a criar ambientes mais sustentáveis do ponto de vista ambiental e também social. Não se trata de uma boa ação. É algo essencial para a sobrevivência dessas companhias. Ao assumir responsabilidades pela vida em seu entorno, elas garantirão a continuidade do próprio negócio. Serão premiadas pelos consumidores, que vão preferir comprar de empresas que fazem o bem”, explica.

A importância da solidariedade também é apontada por Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, especialmente na crise do novo coronavírus. Ele conta que, em abril, quando comunicou a doação de R$ 1 bilhão para o combate à Covid-19, criou-se o movimento Todos Pela Saúde, que recebeu apoio de colaboradores, clientes e do público em geral. O impacto foi tão grande, segundo ele, que o gesto ajudou a motivar a mídia brasileira a noticiar ações filantrópicas, estimulando sua multiplicação.

“Temos em nós, em nossa sociedade e em nossas instituições, os recursos necessários para responder à altura ao enorme desafio que se apresenta. Estimulando a cultura de doação e nos mobilizando para fortalecer nossos melhores valores, estaremos mais aptos a responder ao julgamento das futuras gerações. Doar não transforma apenas o ambiente à nossa volta. Transforma quem doa, transforma quem recebe”, afirmou.

Para quem quer doar, porém, não há limite mínimo de tamanho. No último dia 28, o Instagram lançou uma nova ferramenta, chamada “Live Donations”, que permite arrecadar doações através das transmissões ao vivo na plataforma. A intenção é direcionar os fundos adquiridos em lives de artistas e produtores de conteúdo para ONGs que podem auxiliar no combate ao novo coronavírus. Ao doar, o usuário consegue acessar adesivos “Eu doei” para serem utilizados nos Stories.

Se você ficar em dúvida para quem doar, há formas de confirmar a credibilidade da instituição recebedora. Uma delas é  o Prêmio Melhores ONGs, que lista  as organizações não governamentais que se destacam em capacidade de gestão, foco de atuação, governança, sustentabilidade financeira e transparência. Uma boa forma de saber para onde direcionar sua solidariedade. O Melhores ONGs é organizado pelo Instituto Doar, pela agência Mundo Que Queremos e pelo Instituto Filantropia, com apoio técnico da Fundação Getúlio Vargas.

No dia 18 de abril, Lady Gaga puxou uma iniciativa de grandes artistas para chamar atenção para a doação. Eles promoveram o festival One Word Together At Home com a ONG Global Citizen. Artistas brasileiros falam do orgulho de doar em suas lives. Outras iniciativas do tipo estão proliferando. É importante ter orgulho de doar. Assim como existe o consumismo, onde as pessoas exibem o que compram e definem parte de sua identidade  pelo que consomem, vamos construir um ethos de orgulho da doação de quem se identifica pela forma como ajuda quem precisa.

*Com Thaísa Pimpão


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