Reembolso de passagem e ações em queda: as aéreas em meio ao coronavírus

As ações das companhias aéreas listadas na bolsa brasileira despencaram após o anúncio da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que o coronavírus atingiu o grau de pandemia. Os papéis da Gol encerraram o pregão em 14,57% e chegaram a cair mais de 19% à tarde, logo após o anúncio da OMS. A Azul terminou o dia em queda de 16,39% (e chegou a cair mais de 21%), enquanto a Latam, que opera na NYSE, em Nova York, encerrou o pregão em queda de 10,13%.

A decisão da OMS fez o próprio Ibovespa chegar a quedas acima de 10%, o que fez as negociações do índice serem interrompidas por 30 minutos, o chamado circuit breaker. Mas as quedas acentuadas do setor aéreo refletem a preocupação que ronda o setor, um dos mais afetados pelo coronavírus. O status de pandemia é prova de que o coronavírus já é uma realidade em todo o mundo, podendo afetar inclusive empresas e voos dentro do Brasil. No país, parte significativa da operação das companhias aéreas está no mercado doméstico, que até então estava sendo menos impactado do que companhias em regiões com mais casos de coronavírus, como Ásia e Europa.

Ainda assim, as ações das áereas já estavam entre as mais penalisadas na bolsa brasileira. Até o pregão de terça-feira, 10, a ação da Gol havia caído 65% no acumulado de 2020. As ações da Azul caíram 58% e as da Latam, 47%.

Fora do Brasil, chovem casos de empresas em maus bocados. Houve uma série de cancelamento de voos ou de aeronaves voando praticamente vazias com as restrições a viagens em diferentes países. A Southwest Airlines, a maior companhia de aviação de baixo custo do mundo, anunciou que antecipava prejuízos de entre 200 milhões e 300 milhões de dólares no faturamento do primeiro trimestre. Há também casos como o da companhia aérea AirAsia, que lançou nesta semana uma promoção com 6 milhões de passagens, algumas delas de graça, em meio ao baixo número de passageiros. O vírus pode custar às companhias internacionais de aviação até 113 bilhões de dólares em receita perdida, este ano, de acordo com a International Air Transport Association (Iata). 

Uma das mais sacrificadas pela crise é a italiana Alitalia, que já está em recuperação judicial e, agora, se vê no epicentro da pandemia de coronavírus. A Itália é o país mais afetado fora da China, com mais de 12.400 casos na tarde desta quarta-feira. O país ultrapassou até mesmo outros lugares geograficamente mais próximas à China, como Irã (9.000 casos) e Coreia do Sul (7.755 casos).

“Se o quadro não mudar nos próximos meses, podemos ver em breve a primeira falência de uma empresa aérea no mundo”, diz o advogado Guilherme Amaral, especialista em Direito Aeronáutico do escritório ASBZ Advogados. “A empresa tem um ativo de 300 milhões de dólares, que é o avião, e precisa mantê-lo parado e, portanto, não consegue gerar receita. Por outro lado, precisa continuar pagando os funcionários, as operações. Nem todas tem caixa para aguentar esse cenário por tanto tempo”, diz.

O que muda para as aéreas brasileiras?

Para Amaral, as brasileiras estão relativamente mais protegidas por estarem mais expostas ao mercado doméstico do que ao internacional. No Brasil, a companhia aérea com maior participação no mercado internacional — e, portanto, com maior potencial de exposição ao coronavírus — é a Latam.

No acumulado de 2019, a Latam teve 69,3% de participação de mercado nos voos internacionais a partir do Brasil, segundo dados consolidados pela Anac. A Azul vem em segundo, com 16,6%, seguida pela Gol, com 12,6%. No mercado doméstico, a situação se inverte a Gol é a líder, com 37,7% de participação, ante 34,7% da Latam e 23,6% da Azul no acumulado de 2019.

Os primeiros reflexos no mercado aéreo global vieram sobretudo em janeiro, quando os primeiros casos na China passaram a ser divulgados. Nos voos internacionais a partir do Brasil, janeiro teve queda de 10,2% na demanda e de 11% na oferta, segundo a Anac, mas não há como dizer se os números foram reflexo direto da pandemia.

Os impactos começaram a aumentar sobretudo a partir de fevereiro, quando os casos se espalharam para fora da China. No momento, há mais de 121.000 casos de coronavírus, mais de 40.000 fora da China.

Na Gol, a oferta e a demanda nos voos internacionais caíram 2,2% e 3,3% em fevereiro, respectivamente. Na Latam, a demanda caiu 7,7% no mercado internacional e a oferta caiu 7,6%. Na Azul, o mercado internacional viu alta de mais de 30% tanto na oferta quanto na demanda, mas os números se relacionam sobretudo a novas rotas lançadas pela companhia — como o novo trecho para a cidade de Nova York.

Azul companhia aérea Azul: empresa disponibilizou opção de reembolso para voos rumo a países como Itália e Portugal

Azul: empresa disponibilizou opção de reembolso para voos rumo a países como Itália e Portugal (Paulo Fridman/Getty Images)

Em resposta à crise, as empresas brasileiras estão garantindo reembolsos para alguns de seus voos para países afetados, como China, Portugal e Itália. A Azul informou que “está monitorando os desdobramentos a respeito do Coronavírus” e “que está seguindo todas as recomendações feitas pelos órgãos reguladores e Ministério da Saúde” no Brasil. “Em função da doença, a companhia está disponibilizando a opção de reembolso integral da passagem para clientes com conexão em Lisboa ou Porto e que tem como destino ou origem a Itália”, disse a empresa em nota. Voos para os Estados Unidos, onde há 1.110 casos e mais de 20 mortes, estão mantidos por ora. Procuradas, Latam e Azul ainda não responderam à reportagem. 

No mercado doméstico brasileiro, as empresas não viram grandes impactos em fevereiro, com alta no número de passageiros. Mas a situação pode mudar em março à medida em que o Brasil tem mais casos. O país tinha 34 casos confirmados até esta quarta-feira, segundo o Ministério da Saúde. Já a vizinha Argentina anunciou nesta semana sua primeira morte por Covid-19. Em São Paulo, uma série de empresas vêm recomendando aos funcionários que evitem viagens corporativas, inclusive dentro do Brasil. Viagens internacionais também já foram banidas por uma série de empresas, conforme EXAME apurou.

Apesar do impacto ainda baixo no mercado doméstico, as aéreas brasileiras podem ser afetadas nas duas frentes, tanto na frente corporativa quanto de pessoas físicas, segundo Amaral, da ASBZ Advogados. “Se algumas empresas compravam 150 passagens por mês para a Itália e esse fluxo é cancelado, as companhias sofrem muito”, diz o advogado.

As empresas também podem barrar viagens como forma de corte de custos diante da própria crise global. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu as projeções de crescimento para a economia mundial de 3,5% para 3,3% em 2019 e 3,4% em 2020. Outras organizações também reduziram as projeções.

A redução no crescimento da China, onde há mais de 80.000 casos de coronavírus, pode impactar exportações e a oferta de produtos para empresas que têm relação comercial com o país. Pelo lado das pessoas físicas, além dos cancelamentos de viagens ao exterior, o mercado doméstico pode sofrer porque o medo da crise econômica e de um eventual desemprego pode fazer com que as pessoas gastem menos.

O mercado aéreo por si só é um dos mais voláteis financeiramente, o que explica o fato de suas ações serem as líderes em queda na bolsa com a pandemia de coronavírus. Por serem altamente dependentes de fatores como o dólar e o preço do combustível, as aéreas são dependentes de fatores externos e podem ser afetadas por crises mais do que outros setores. Os custos de operação também são muito altos, o que torna as margens pequenas. A alta do dólar no Brasil, que bateu recordes sucessivos em 2020, por exemplo, é um dos fatores que já prejudicava as aéreas nacionais ao longo dos últimos meses.

De consolo, 2019 foi um dos melhores anos recentes para as aéreas brasileiras, que ganharam fatia de mercado com a saída da Avianca, que parou de operar em maio passado em meio à sua recuperação judicial. As empresas haviam feito investimentos como expansão das rotas e novas parcerias. O coronavírus veio para jogar água no chope.

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