Ricardo Schweitzer: ‘No mercado, o filho chora e a mãe não vê’

Por Ricardo Schweitzer*

Eu já me conformei com a ideia de que só se conhece o gosto do sal provando-o.

No contexto específico do mercado, isso se traduz na completa inutilidade de qualquer esforço de transmitir algumas visões na base do discurso. É a experiência pessoal, intransferível, em primeiríssima pessoa a única mestra possível para determinadas lições.

(Quando eu lembro que eu também já fui assim, então, essa constatação me fica ainda mais clara)

Uma tentação constante para a maioria dos pequenos investidores com menor tempo e estrada é sair comprando coisas que não entende ou conhece. Alguns simplesmente “copiam” carteiras recomendadas de corretoras/bancos/casas de análise; outros recorrem às redes sociais. Em todos os casos, o elemento comum é o comprei porque Fulano falou.

O mercado financeiro tem uma característica muito peculiar: é um dos poucos campos nos quais é possível ganhar muito dinheiro sem fazer a mais remota ideia do que se está fazendo.

A questão é que isso é um fenômeno temporário. Quando chega a famigerada próxima grande que ninguém previu, da noite para o dia a maré muda.

E adivinha? Quem antes estava ganhando sem saber o que estava fazendo agora está perdendo, igualmente, sem saber o que fazer.

É justamente por isso que é importante entender no que se está investindo: na hora do tiro, porrada e bomba, quem sabe o que está fazendo tem elementos para não embarcar na maré de pânico que inevitavelmente acometerá a maioria.

(Se bobear, dá até para enxergar oportunidade no meio da crise – mas de forma fundamentada; não simplesmente comprei porque caiu)

Esses últimos dias devem ter sido de grande valia para quem já ouviu tudo isso antes mas não deu muita bola. Ou pelo menos assim espero: se não tirarmos proveito dos aprendizados que situações como a corrente propicia, provavelmente não aprenderemos nada de forma alguma.

Aprendeu?

“Mas Ricardo, e agora?”

Pare por um instante. Saia do meio do turbilhão e olhe tudo de uma perspectiva mais longa.

Caso você ainda não tenha tido a oportunidade de perceber, preste atenção: ao longo de toda a história econômica brasileira, períodos de estabilidade foram exceção – não regra.

Penso sinceramente que deveríamos, por default, estar muito melhor equipados para lidar com as instabilidades do mercado de capitais do que nossos colegas do hemisfério norte.

(Pare por um instante e imagine um norueguês acompanhando o noticiário brasileiro… eu tenho certeza que o sujeito não conseguiria nem dormir. A gente lida sorrindo com coisa que faria muito marmanjo chorar pedindo a mãe)

Por aqui, já me acostumei com a ideia: sempre tem um novo meteoro para cair nas nossas cabeças.

E o ponto chave é que as empresas brasileiras também sabem disso.

A está repleta de empresas que estão aí há décadas construindo trajetórias muitíssimo bem sucedidas. Companhias que entregaram sistematicamente valor a seus acionistas a despeito dessa eterna valsa dançada pelo País: um pra lá, um pra cá.

Então oras: se, de tempos em tempos, o mercado vai ter um faniquito porque acontecem no noticiário as coisas de sempre, o mais sensato é aproveitar esse faniquito para comprar ótimas empresas a preços de ocasião. E só.

Mas aqui a premissa é que você conheça suficientemente bem o que está comprando para ter a coragem de fazer isso enquanto todo mundo surta à sua volta. E isso só vem com estudo.

Só que a maioria está mais interessada em ser entretida do que educada. Sorte nossa que sucesso nos investimentos não depende da maioria – é um esforço individual.

Então fica a provocação: vamos parar de conversinha mole e realmente gastar tempo e energia entendendo o que estamos fazendo?

Nesse sentido, algumas coisas para você pensar:

Você não precisa tentar pegar a faca caindo

Desse mal eu já sofri muito.

Se você tem caixa, fracione. Não assuma que o de hoje é a oportunidade final e imperdível; que se não comprar hoje não terá mais oportunidades.

Ao que tudo indica, os próximos meses serão divertidos: aperto monetário lá fora, embates entre fiscal e monetário aqui, mais um ciclo eleitoral se avizinhando…

Não tenha pressa. E tenha caixa.

A revive

Com todo esse revertério dos últimos dias, a inflação implícita na taxa do 2026 é de mais de 6% a.a.

As metas de inflação de 2022, 2023 e 2024 são, respectivamente, de 3,5%, 3,25% e 3%.

Para mim, das duas uma: ou o mercado acredita que o regime de metas de inflação acabou, ou essa taxa está errada.

Não vale tanto assim trocar o certo pelo duvidoso

O maior custo de capital tem uma implicação importante: o crescimento futuro terá que ficar mais barato.

Teses de investimento cujo valor está lááá no devem ser mais impactadas do que aquelas cuja visibilidade de retorno é maior.

Talvez (eu disse talvez) o mercado perca um pouco de apetite pelas techs disruptivas veganas funcionais e volte a dar valor aos bons e velhos negócios tradicionais.

(A propósito, bancos e seguradoras se beneficiam bastante de juros altos, viu?)

É tudo uma questão de preços relativos

É melhor comprar uma porcaria com 50% de desconto ou algo excelente 20% off?

Empresas de diferentes graus de qualidade foram tão penalizadas nas últimas sessões que, francamente, pode estar fazendo sentido trocar coisa ruim muito barata por coisa boa barata-mas-nem-tanto.

Não tenha dó de realizar prejuízo. Você não tem a obrigação de ganhar onde perdeu.

Bom final de semana.

 * Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.

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