Sina do terceiro ano de mandato é maior desafio de Bolsonaro

Desde a redemocratização do Brasil, todos os presidentes brasileiros enfrentaram no terceiro ano de mandato crises profundas. E a forma como eles lidaram politicamente com esses momentos de adversidade impactou no curto ou no longo prazo com seus governos.

Para Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados,  os chamados ‘turning points’ – ou pontos de inflexão – num mandato presidencial podem nos contar sobre o futuro político desses líderes.

De acordo com Vale, o presidente Jair Bolsonaro se junta perigosamente ao grupo de mandatários que se isolam numa crise e falam apenas para a sua claque, ignorando os sinais e postergando o enfrentamento dos problemas.

“O terceiro ano de um mandato é o momento que mostra para onde o presidente vai levar o seu governo. Bolsonaro, por tudo o que ele tem sinalizado, está se autodestruindo”, diz o economista.

Isso pode minar suas chances de reeleição no curto prazo. Ou, mesmo reeleito, pode criar as condições para chegar a um segundo mandato enfraquecido, com pouca capacidade de governar. Leia abaixo trechos da entrevista de Vale à EXAME.

Recentemente, você abordou em um relatório da MB Associados as crises que enfrentaram os presidentes brasileiros no terceiro ano de governo e como elas impactam o futuro dos governantes. O que acontece nesse momento de um mandato?

O terceiro ano de um mandato costuma ser um momento desafiador. Desde a redemocratização do país, todos os presidentes enfrentaram ‘turning points’ (pontos de inflexão) que resultaram em duas situações: ou os presidentes conseguiram arregimentar forças politicamente para superar a situação de estresse ou afundaram depois dela.

No fim dos anos 80, Sarney enfrentava a hiperinflação. Fernando Collor de Mello estava diante de uma crise econômica profunda em seu terceiro ano de mandato, em 1992, que culminou em seu impeachment. Com Dilma Rousseff, ocorreram as manifestações de 2013 e, então, ela começou um processo crescente de isolamento. Ambos não souberam lidar com aquele momento e ficaram encastelados.

Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva também tiveram seus problemas e enfrentaram melhor, no geral, esses momentos. No caso do FHC, isso apareceu nos dois mandatos. No primeiro, houve a crise asiática, que foi quase mortal; e durante o segundo, em 2001, houve o apagão. Já no caso de Lula, em 2005, o petista teve que lidar com o escandâlo de corrupção do Mensalão.

Porém, mais do que o tipo de crise enfrentada, é importante entender a dinâmica de que como alguns políticos construíram saídas e outros, não. Houve competência política para lidar com aquela crise? Ou o presidente se fechou para o seu núcleo e para sua claque?

E Bolsonaro? Está em qual grupo?

Bolsonaro parece estar mais no grupo de Collor e Dilma. Ele está criando uma crise econômica para chamar de sua, com condicionantes muito piores. Há uma conta de quase 600 mil mortos na pandemia em suas costas e uma crise econômica que pode ser agravada ainda mais. Só agora o governo começa a se movimentar e, de forma atrasada, em relação à crise energética, por exemplo.

A gente olha e pensa: ele tem condições de ter aquela força política que FHC e Lula tiveram para lidar com as crises do terceiro ano? Ou ele tende a afundar como aconteceu como foi com Dilma e Collor?

No Brasil, todos os presidentes que disputaram reeleições foram reconduzidos ao cargo. Mas parece que a forma como esses presidentes lideram com as respectivas crises foi determinante para o sucesso no segundo mandato…

Exatamente. No caso do Lula, no primeiro mandato, havia aquele compromisso numa agenda mais liberal. E, mesmo com o impacto do escândalo do Mensalão, ele conseguiu reequilibrar as forças e sair vitorioso. Com FHC em 1997 foi a mesma coisa: crise asiática, câmbio fixo e crise econômica, mas havia o ativo do fim da inflação.

Bolsonaro e Dilma são muito parecidos no seguinte sentido: eles não têm a capacidade de arregimentar forças e cuidar das crises de forma política. Enquanto a presidente Dilma se isolou nos momentos mais tensos, Bolsonaro chama a população para as ruas para justificar uma eventual tentativa de golpe.

E isso pode ser um tiro no pé da mesma forma, porque ele não está na situação de atrair apoio como FHC e Lula. A tendência é cada vez mais perder apoio, gradativamente. Para o Bolsonaro, o Centrão não é uma força de apoio como era o PT para a Dilma, que foi até o final com ela. Se o negócio começa a afundar, o Centrão vai desembarcar.

E quais são os sinais que mostram que esse descarrilamento está acontecendo?

Comparando com o processo que ocorreu com a Dilma, quando começou a descarrilar, o Temer lançou a proposta ‘Uma Ponte para o Futuro’, em 2015. Notava-se que havia uma conjunção de forças econômicas se juntando.

Tanto que a taxa de câmbio começou a cair no começo de 2016, bem antes do impeachment, e caiu 20% ao longo de 10 meses naquele ano, quando já havia consolidado a saída dela e as primeiras reformas já tinham passado, como a criação do teto de gastos.

Para isso acontecer, precisou de uma mudança no cenário político. Quando se olha o Brasil de 2021, vivemos o cenário mais incerto que o país vive no pós-ditadura. O presidente hoje faz ameaças à democracia e não sabemos que caminho ele exato está indo. Há um vice-presidente lá, mas ninguém sabe exatamente o que seria com ele, não há um plano de governo e não parece ser hora de falar disso.

Há o Lula como alternativa, mas que é uma esfinge econômica, em que o mercado acha que vai ser tranquilo caso ele vença 2022 – eu já não acho isso não. Cadê a terceira via, que não apareceu ainda? Ou seja, é um grau de incerteza muito grande. Ainda é cedo para o mercado internalizar essa incerteza, mas isso irá acontecer mais para a frente.

Na sua visão, o mercado financeiro desembarcou do governo Bolsonaro?

O mercado não abandonou totalmente o Bolsonaro, mas olha para o presidente e só vê a preocupação com a reeleição, com seus filhos, e vê pouco empenho em governar. A ficha está começando a cair, mas, ao mesmo tempo, olha para o lado e só vê o Lula – e não encontra uma terceira via.



Continue lendo

Recomendados

Desenvolvido porInvesting.com
Brasil, Todos

Notícias relacionadas

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.
Você precisa concordar com os termos para prosseguir

Menu