Sobrou até para o Brasil: a montanha-russa da guerra comercial em 2019

São Paulo — Já se vão mais de dois anos desde o início da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. No último dia 13, as duas potências anunciaram a primeira fase de um novo acordo – mas no que depender do temperamento de Donald Trump, no entanto, a trégua não deve durar muito.

Em 2019, até o Brasil, cujo governo é alinhado ao americano, entrou na mira protecionista. No início de dezembro, Brasil e Argentina foram acusados de causarem “uma desvalorização maciça de suas moedas” de propósito, o que justificaria novas tarifas sobre aço e alumínio importados pelos EUA — o que, por ora, ainda não aconteceu, apesar de Trump ter dito que a medida seria imediata. 

O argumento, também já utilizado contra a China, não faz sentido econômico. Uma das teorias é que a jogada contra Brasil e Argentina teria ligação com inquietação de agricultores norte-americanos sobre o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, anunciado em julho.

No caso da China, o conflito vem desde a campanha de Trump em 2016, que teve como uma das principais bandeiras a ideia de que o alto déficit comercial com o parceiro seria algum tipo de injustiça a ser corrigida.

Mas o déficit americano com a China só cresceu: foi de US$ 544 bilhões em 2016 para US$ 691 bilhões nos 12 meses até outubro — além da briga ter gerado um temor crescente de recessão global.

Em meio a uma desaceleração generalizada das maiores economias do mundo, as exportações da China caíram em novembro pela quarta vez seguida puxadas pela redução dos embarques aos EUA, que despencaram 23% na comparação anual.

Fica difícil entender, portanto, se a guerra comercial está resolvendo alguma coisa e para quem — o que sugere que a questão do déficit pode ser apenas uma cortina de fumaça.

Os EUA estão incomodados com a liderança chinesa na tecnologia 5G, de conexões mais rápidas, e fecharam o cerco contra o uso de equipamentos da fabricante de smartphones chinesa Huawei, que já é segunda maior vendedora do aparelho do mundo, atrás da Samsung mas na frente da Apple.

“Onde antes se falava em redução do déficit bilateral, agora se fala em roubo de propriedade intelectual pelos chineses e ataca-se a política industrial, o Made in China 2025”, explicou a economista Monica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins, a EXAME em maio.

O desconforto entre os dois países, porém, não é de hoje e não começou com Trump, ressalta Lia Valls Pereira, pesquisadora da área de economia aplicada do Ibre/FGV. O que muda é a forma como os Estados Unidos lidam com isso na atualidade. “Há a crescente preocupação dos EUA com a ascensão da China no comércio e na economia mundial. Isso se acentuou muito com os planos quinquenais”, diz.

O país asiático tem metas de desenvolvimento que, mais recentemente, passaram a abordar mais fortemente o tema da liderança tecnológica como fundamental. Além disso, os chineses também falam no setor aeroespacial, na aeronáutica. “Isso mexe com a defesa dos EUA”, diz Valls.

Relembre os principais momentos desta briga em 2019:

Maio

Em maio, após cinco meses de trégua, as faíscas voltaram a ser lançadas após Trump acusar a China de ter recuado de promessas de negociações comerciais. A acusação foi seguida do anúncio de um novo aumento de 10% para 25% das tarifas sobre 200 bilhões de dólares em produtos chineses.

Paralelamente à disputa comercial, Trump pressionava países como Alemanha e Reino Unido a banir a expansão da rede 5G da Huawei em seus territórios. Ainda em maio, o presidente americano disse que proibiria a empresa de comprar componentes americanos sem aprovação especial.

Se entrasse em vigor, a medida prejudicaria também os usuários da marca, já que restringia atualizações importantes de aplicativos e até do sistema operacional Android, do Google.

Junho

A tensão voltou a baixar no final de junho após uma conversa telefônica entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping. Antes da conversa, a China anunciou sua desistência em uma disputa na Organização Mundial de Comércio (OMC) em que declarava ser uma economia de mercado.

A desistência significava que a importação de produtos chineses baratos poderiam continuar sendo tributados pelos EUA e por países da União Europeia.

Dali a alguns dias, no dia 29 de junho, os dois líderes se encontraram durante a cúpula do G20, no Japão, e anunciaram a retomada das negociações interrompidas em maio.

Julho

No dia 11 de julho, Trump reclamou no Twitter que a China estava “decepcionando” os EUA, por não cumprir promessas feitas sobre a compra de produtos agrícolas de produtores norte-americanos.

Agosto

Em 1º de agosto, Trump anunciou tarifas de 10% sobre mais de US$ 300 bilhões em importações de produtos chineses.

No dia 05, o Ministério de Comércio da China informou que as companhias chinesas haviam parado de comprar produtos agrícolas de produtores americanos, e que não descartava impor tarifas aos bens comprados após 3 de agosto.

Ao mesmo tempo, o yuan rompeu a marca de 7 por dólar pela primeira vez em mais de uma década, o que Trump classificou de manipulação cambial. A escalada de hostilidades elevou a tensão nos mercados.

No dia 23 de agosto, em retaliação ao anúncio do dia 1º, a China anunciou tarifas sobre cerca de 75 bilhões de dólares em mercadorias norte-americanas, adicionando mais 10% de tarifas sobre as já existentes.

Setembro

No dia 1º de setembro, o governo Trump colocou em vigor tarifas adicionais de cerca de 15% sobre importações chinesas no valor de 110 bilhões de dólares. Pequim revidou imediatamente, implementando tarifas de até 10% sobre mais de 1.700 produtos norte-americanos, entre eles petróleo bruto e soja.

No dia 11, a China divulgou uma lista de produtos americanos que ficariam isentos das novas tarifas. As isenções, que Trump classificou de “um grande passo”, afetaram 16 categorias de produtos.

No mesmo dia, horas depois, Trump anunciou que adiaria a elevação de tarifas de 25% para 30% sobre US$ 250 bilhões em produtos chineses de 1º de outubro para 15 de outubro.

No dia 12, operadores de mercado registraram a maior compra de soja americana pela China desde junho.

No dia 20 de setembro, autoridades chinesas cancelaram inesperadamente uma visita a agricultores de Montana e Nebraska e voltaram mais cedo para a China em meio a negociações em Washington. No mesmo dia, Trump anunciou isenção temporária das tarifas de 437 produtos chineses importados.

No dia 29, a China anunciou que enviaria o vice-premiê Liu He, seu principal negociador, para liderar a próxima rodada de conversas comerciais com os Estados Unidos.

Outubro

No dia 8 de outubro, os EUA ampliaram a lista de sanções comerciais para incluir algumas das maiores startups de inteligência artificial da China, alegando punição ao governo chinês por seu tratamento a minorias muçulmanas. A medida incluiu 28 órgãos e empresas da China.

No dia 11, os dois países anunciaram um acordo parcial e provisório, no qual a China concordou com algumas concessões agrícolas em troca de algum alívio tarifário.

No dia 15, a China condicionou a compra de até US$ 50 bilhões em produtos agrícolas norte-americanos à redução de tarifas sobre importações.

Novembro

No dia sete de novembro, os países concordaram em remover as tarifas impostas a importações um do outro gradativamente, segundo anúncio chinês.

No dia seguinte, Trump disse que não havia concordado em reverter as tarifas sobre a China, mas que Pequim gostaria que ele fizesse isso.

No dia 15, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, disse em entrevista à Fox Business Network que autoridades americanas e chinesas teriam uma ligação telefônica no final do dia para falar sobre a “fase um” de um novo acordo comercial.

No dia 21, Trump disse a repórteres que Pequim não havia feito até aquele momento concessões suficientes nas negociações: “Eu não acho que eles estão subindo ao nível que eu quero”.

No dia seguinte, Xi Jinping disse que seu país estava disposto em “trabalhar em um acordo” para resolver a guerra comercial com os EUA, mas alertou que, se necessário, faria retaliação.

Dezembro

No dia 6 de dezembro, a China abriu mão de tarifas sobre alguns embarques de soja e carne suína dos Estados Unidos.

Uma semana depois, foi anunciado o acordo parcial para encerrar a guerra comercial. Segundo o anúncio, a China prometeu aumentar suas compras de fabricantes, agricultores, produtores de energia e prestadores de serviços nos Estados Unidos em pelo menos US$ 200 bilhões nos próximos dois anos.

O governo americano informou que negociações futuras também envolverão comércio digital, localização de dados, fluxos de dados entre fronteiras e invasões cibernéticas.

No dia 15, em uma entrevista para a CBS, Robert Lighthizer, principal negociador americano, disse que o acordo teve alcance “notável”, mas não resolverá todos os problemas entre os dois países.

“A forma de pensar nesse acordo é que se trata de um primeiro passo para tentar integrar dois sistemas muito diferentes em benefício mútuo”, disse.

A ver o que isso vai significar em 2020, quando Trump deve tentar a reeleição e estará sujeito a dois incentivos conflitantes: por um lado, o de acalmar os mercados e a economia, e por outro, o de causar problemas novos para sair depois como salvador da pátria – o que o trouxe, afinal, até aqui.

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