No dia em que o Brasil registrou a triste marca de mais de 3.000 mortes pela covid-19, o presidente Jair Bolsonaro falou pela primeira vez em pronunciamento em rede nacional desde a escalada recente da crise sanitária.
No discurso, o presidente não criticou o distanciamento social como havia feito em falas anteriores, exaltou a campanha de vacinação brasileira e disse que 2021 será “o ano da vacinação”.
“Em poucos meses seremos autossuficientes”, disse, sobre a produção de vacinas que está sendo feita por Fundação Oswaldo Cruz e Butantan. Bolsonaro disse também que intercedeu “pessoalmente” à Pfizer e à Janssen, da Johnson e Johnson’s, para a compra recente de 138 milhões de doses das duas vacinas fechada neste mês pelo governo.
No ano passado, o governo chegou a divulgar carta afirmando que não compraria as 70 milhões de doses oferecidas então pela Pfizer, mas mudou de posição neste ano. O atraso na compra da vacina foi criticado por especialistas e empresários.
Em diversas regiões do Brasil foram registrados protestos em meio à fala do presidente, que durou quatro minutos.
Ao contrário do que fez em pronunciamentos anteriores, Bolsonaro prestou condolências às famílias das vítimas da covid-19. Também focou a fala nas vacinas, e não criticou, durante o pronunciamento, medidas de distanciamento social e prevenção tomadas por governadores e prefeitos.
“Quero tranquilizar o povo brasileiro e afirmar que as vacinas estão garantidas”, disse. “Solidarizo com todos aqueles que tiveram perdas em suas famílias.”
No discurso, Bolsonaro relembrou o processo de compra de vacinas do Brasil: disse que, em julho passado, assinou acordo com a Universidade de Oxford para produção da vacina da AstraZeneca e citou também a participação do Brasil no consórcio de vacinas da Organização Mundial da Saúde, o Covax.
Disse ainda que adquiriu a Coronavac em dezembro junto ao Instituto Butantan — sem repetir polêmicas declarações anteriores, em que questionou a eficácia do imunizante desenvolvido na China e chegou a dizer que o governo federal não compraria a vacina.
“Quero ressaltar que o Brasil é o quinto país que mais vacinou no mundo”, disse Bolsonaro. Em números absolutos, o Brasil tem mais de 17 milhões de doses aplicadas, mas apenas 6% da população foi vacinada com a primeira dose desde que a vacinação começou, em janeiro.
O avanço da variante P1 do coronavírus encontrada em Manaus, com maior carga viral, é a principal preocupação caso a vacinação siga mais lenta do que o esperado. Diante do aumento do número de casos, têm faltado também nos hospitais leitos de emergência e medicamentos para que os pacientes possam ser intubados.
O último discurso de Bolsonaro havia ocorrido em 24 de dezembro, véspera de Natal, quando o Brasil registrava menos de 800 mortes por dia na média móvel — desde então, esse número subiu mais de 200%, com a média móvel brasileira hoje acima de 2.300 mortes.
Um outro pronunciamento do presidente estava previsto para 3 de março e já havia sido gravado, mas o presidente desistiu da transmissão na ocasião.
Segundo fontes em Brasília próximas ao governo, o governo decidiu falar diante das críticas crescentes sobre a gestão na pandemia.
Pesou também a manifestação recente dos principais nomes da iniciativa privada, cada vez mais impacientes com a gestão da crise. A confirmação do pronunciamento de hoje veio menos de 48 horas depois que um grupo de economistas e empresários produziu uma carta aberta pedindo soluções mais eficazes para administrar o caos na saúde.
O documento foi divulgado inicialmente no fim de semana e já conta com mais de 1.000 assinaturas. Nos bastidores em Brasília, comenta-se que a “carta do PIB” repercutiu no Congresso e no Palácio do Planalto.
Entre a população, a popularidade de Bolsonaro também vem caindo. Segundo a última pesquisa EXAME/IDEIA neste mês, a aprovação do presidente, que passou de 40% em meados do ano passado com o auxílio emergencial, chegou à casa dos 26%.
“Carta do PIB”
A carta de economistas e empresários criticando a gestão na pandemia — embora sem citar o nome do presidente — foi encaminhada a nomes como o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux; ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado; e ao deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. O documento também foi encaminhado ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
“O país pode se sair melhor se perseguimos uma agenda responsável. O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito”, diz um trecho da carta.
“A carta não nomeia uma pessoa, mas implicitamente é direcionada ao presidente e aos ministros que tratam do tema”, disse à EXAME o economista Cláudio Frischtak, um dos responsáveis pela redação do documento.
Apesar das declarações de Bolsonaro afirmando que as medidas de contenção ficaram a cargo dos governadores, Frischtak aponta que “o governo central não combate com eficácia” a pandemia. Para os autores da carta, ações como desestimular o uso de máscaras, incentivar aglomerações e falar contra a vacina são “inaceitáveis” e prejudiciais à retomada da economia.
Revés no STF
A fala de Bolsonaro acontece ainda em dia agitado em Brasília. Nesta terça-feira, também foi empossado em cerimônia a portas fechadas o novo ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga, substituindo o general Eduardo Pazuello, que vinha sendo amplamente criticado.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), também rejeitou hoje uma ação de inconstitucionalidade proposta por Bolsonaro contra os lockdowns decretados pelos governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul. Bolsonaro vem se manifestando frequentemente contra o isolamento social como medida de contenção do vírus.
Ainda nesta terça-feira, a Segunda Turma do STF continuou o julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Após a ministra Cármen Lúcia mudar voto para posição a favor da suspeição, o placar passou a ser de três a favor e dois contra.
Cármen Lúcia acompanhou os votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que se posicionaram a favor da declaração de suspeição. A decisão abre caminho de vez para que o ex-presidente Lula possa concorrer a eleições em 2022.