Brazil at Silicon Valley: de casa cheia, evento espanta desânimo do VC e empolga empreendedores

*De Santa Clara, Califórnia

O ânimo de empreendedores levou a conversas intermináveis durante o primeiro dia oficial do Brazil at Silicon Valley, evento de inovação que reúne nomes do empreendedorismo e venture capital do Brasil e Estados Unidos na Califórnia. Em sua segunda edição presencial desde a pandemia, o BSV, de cara, já antecipava o ânimo dos convidados, apesar dos inúmeros pesares que circundam o universo das startups nos últimos meses.

Ainda no dia anterior ao evento, uma leva considerável de brasileiros já havia lotado o espaço reservado para um happy hour que dava início aos trabalhos da edição deste ano. Por lá, cerca de 600 pessoas — em sua maioria, brasileiros — se reuniam em pequenos círculos sociais em meio a bebidas, aperitivos e conversas.

O assunto era um só: a satisfação com o retorno presencial de uma conferência dedicada a discutir o futuro da inovação após dois anos de reuniões atrás de telas de computadores. Os bate-papos, por vezes, também tomavam forma de apresentação de pitch, com fundadores resumindo em poucos minutos suas ideias de negócio e “vendendo seu peixe” para colegas e investidores.

As conversas tomaram fôlego entre os empreendedores, tanto que a recepção estimada para acabar às 20h acabou se estendendo por mais duas horas, ainda que sem mais comidas ou bebidas à disposição e com cansaço físico em função de um fuso horário capaz de castigar os convidados que chegavam naquele mesmo dia.

Já no primeiro dia oficial de programação, o desafio em encerrar a prosa se manteve. Conversas regadas de risadas e em volume altíssimo também se sobressaíam aos painéis “pós-networking”, forçando palestrantes a manter a concentração em meio ao fuzuê todo.

Foi esse ânimo o grande responsável por incentivar a organização do evento a dedicar mais espaços de tempo para conversas informais em comparação com edições anteriores. “Talvez a grande diferença do ano passado para esse é que nós criamos mais momentos para networking. Muitas vezes, pensamos que para brasileiros que vêm pra cá, encontrar-se com brasileiros é o que menos querem. É mentira! Temos startups que vêm do Sul, vêm do Nordeste, e de todos os cantos do Brasil, e também de VCs que investem no Brasil e buscam mais conexões”, disse Emilio, membro do conselho do BSV, em entrevista à EXAME às vésperas do evento.

O Brazil at Silicon Valley (BSV) é uma conferência anual organizada por um grupo de estudantes das universidades de Stanford e Berkeley, ambas no estado da Califórnia. Em função disso, era comum ver jovens — alguns até mesmo adolescentes — circulando pelo evento com coletes personalizados e crachás da organização. O patrocínio do evento vem das firmas BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME), Valor Capital, Globo Ventures, SoftBank, iFood e Pinheiro Neto Advogados. 

Quais foram os destaques da programação

Toda empresa será uma fintech

Na pauta do primeiro do evento, que acontece nos dias 24 e 25 de abril, estavam temas como a construção de empresas de sucesso, tendências de investimentos, cibersegurança e climatetechs. A abertura ficou a cargo de Angela Strange, sócia da Andreessen Horowitz (a16z). Em painel medidado por Hugo Barra, CEO da startup Detect e executivo com passagens por empresas com Google, Meta e Xiaomi, Strange abordou sua trajetória como líder de produto no universo de tecnologia e a migração para a área de investimentos.

Strange também destacou as principais oportunidades entre as startups da América Latina e do Brasil, em especial as fintechs — segmento para o qual dedica seus investimentos no fundo de VC. Segundo a investidora, pequenas empresas, independente de seu segmento, devem mirar o diferencial competitivo no mercado a partir da incursão de serviços financeiros. “Toda empresa deve estar pensando em serviços financeiros como uma maneira de melhorar os produtos e serviços oferecidos aos consumidores e até mesmo de ampliar suas receitas”, disse.

No caso das empresas de software, ela destaca, os serviços financeiros são capazes de transformá-las em plataformas horizontais — e ainda mais rentáveis.

“Fintechs, antigamente, eram uma vertical. Agora, os serviços financeiros são um mecanismo para acelerar crescimento em todos o setores”, disse.

Na ponta, a diversificação, de olho na concessão de produtos financeiros, tem sido algo estimado pelos investidores, ela afirma. “Se uma empresa entender muito bem os detalhes de como esse serviços funcionam, como crédito, empréstimos e identificar oportunidades alí, essa será uma vantagem competitiva”, disse. “Sem dúvida muitas empresas de software que podem até triplicar seu potencial ao incluir serviços financeiros e investidores olham para isso. Se pensarmos em qual é melhor o país do mundo para se criar serviços financeiros, definitivamente é o Brasil”, disse.

Não é hora de pausar o ChatGPT

Em painel sobre as oportunidades do uso de tecnologias de inteligência artificial (IA), o empreendedor Alexandr Wang, criador da Scale AI, startup de software que auxilia empresas e instiuições a desenvolverem aplicações a partir da adoção de inteligência artificial, falou sobre o avanço nas pesquisas envolvendo a tecnologia — e as chances de interrupção delas. “Temos que continuar desenvolvendo a tecnologia de IA generativa, como o ChatGPT, mas de maneira mais lenta”, disse.

A opinião é contrária ao que defendem boa parte dos pesquisadores e líderes de tecnologia, que assinaram carta pública em defesa da “pausa” do desenvolvimento da IA.

No BSV 2023, o empreendedor falou sobre as principais oportunidades e riscos da aplicação de inteligência artificial em diferentes setores da economia. Ao lado de Wang estava Peter Norving, pesquisador da área no Google. “Acredito que estamos caminhando rumo à democratização da IA. Isso significa permitir que a tecnologia seja usada por todos, e com a finalidade de  ajudar a humanidade”, disse Wang.

O futuro do VC na América Latina

Em painel sobre tendências de investimentos na América Latina, representantes de diferentes fundos de venture capital trouxeram suas perspectivas sobre o futuro dos investimentos de risco em empresas emergentes da região. Participaram Mercedes Bent, do Lightspeed; Antoine Colaço, do Valor Capital e Alex Clave, CEO global do SoftBank. A mediação foi de Luis Lora, sócio da Globo Ventures.

Para Clave, do SoftBank, a dificuldade em criar negócios na América Latina torna os empreendedores brasileiros em empresários naturalmente mais resilientes, o que pode beneficiar o crescimento de empresas mesmo em meio ao difícil momento do mercado. “O estresse em criar empresas no Brasil, seja por questões regulatórias ou competidores mais duros, torna os fundadores da América Latina, especialmente do Brasil, em sobreviventes”, disse. “Como fundador brasileiro são determinados e sabem lutar”.

Antoine Colaço, do Valor Capital, também compactua com a afirmação. Para ele, empresas de origem não-americana têm muito a ensinar para o ecossistema de empreendedorismo do Vale do Silício, tido como o berço da inovação global. “É muito fácil abrir uma empresa na Califórnia. Se algo não dá certo, basta tentar novamente. Mas o empreendedorismo em países como México, Colômbia e Brasil é muito mais resiliente do que isso”, diz.

“Nem tudo que é construído aqui é perfeito e pode ser replicado para o mundo. Há muito mais a ser observado fora do Vale do Silício”, disse.

Do ponto de vista dos empreendimentos com potencial de atrair os olhares — e cheques — do venture capital num futuro próximo, os investidores foram categóricos: é preciso ter confiança de que o produto ou serviço tem o potencial de solucionar problemas críticos da região. “É algo simples. Buscamos aquela ideia que pode mudar o mercado de tal maneira que seja impossível lembrar como mundo era antes daquilo”, disse Mercedes Bent, sócia da Lightspeed Ventures.

Ao considerar o cenário de aversão ao risco e menor liquidez, Claves afirma que o SoftBank tem sido muito mais “pé no chão” em suas decisões de investimentos. “Com nosso fundo dedicado à America Latina, lidamos com empreendedores acostumados com os altos e baixos econômicos, como questões regulatórias, troca de governo e outras coisas. Mas sempre tomamos decisões sóbrias”, disse.

Clavel disse que, em comparação com o ano de 2020, quando o mercado testemunhou valuations inflados e rodadas de captação em empresas de tecnologia sendo compartilhadas por múltiplos fundos ávidos por uma participação societária, a tendência é por mais aportes individuais.

A jornalista viajou a convite da organização do evento

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