Efeito “Mona Lisa” e os diferentes ângulos do segundo turno na Argentina

Por Mauricio Moura, Sócio do Fundo Gauss-Zaftra

O quadro Mona Lisa, criação de Leonardo da Vinci, revolucionou a arte. De pequenas dimensões, a mesma só precisou, segundo os especialistas em arte, de 77 cm x 53 cm para reunir todas as inovações estéticas que marcaram o Renascimento, como perspectiva, contraste de luz e sombra, configuração piramidal. Todavia, para a visão mais leiga e menos técnica, o que acaba roubando a atenção é o olhar. Seus olhos exibem uma expressão carregada de intensidade, e criam uma ilusão de que aquela visão inquisitiva segue o espectador por todos os lados. O fenômeno ficou tão famoso que foi batizado informalmente de “efeito Mona Lisa”.

As eleições presidenciais da Argentina do primeiro turno carregam um pouco de “efeito Mona Lisa”. A depender do ângulo de análise dos resultados podemos ter um olhar diferente sobre os recados dos argentinos nas urnas em 22 de outubro de 2023.

E também sobre as perspectivas para o segundo turno.

Do lado do candidato da coligação governista e atual ministro da economia, Sergio Massa, o resultado é incrível e, a julgar pelo agregado de pesquisas, surpreendente. Ele terminou em primeiro lugar no primeiro turno com aproximadamente 36% dos votos. O postulante da situação não havia vencido as primárias (PASO) em agosto e é o responsável por uma economia que é uma máquina de produzir más notícias para a população. A inflação atingiu 138% por ano e sem horizonte de melhora. O desemprego assola a nação e as perspectivas de crescimento são pífias. Em geral, já são raríssimos os casos mundiais de ministros da economia que se transformam em chefes de Estado eleitos democraticamente.

Agora um ministro à frente de um quadro de hiperinflação ser o candidato mais votado de uma eleição presidencial é quase um feito único na História.

Por outro lado, a maioria dos argentinos, que compareceu nessa primeira rodada, fez um voto de oposição ao governo atual. Não custa lembra a reprovação do governo de Alberto Fernandez (de aproximadamente 70%) representa um dos menores índices de popularidade do planeta. Imaginar que um discurso de continuidade possa ter êxito nesse ambiente de opinião pública desfavorável é bastante aspiracional e pouco real.

Nesse contexto, o candidato da chapa “Liberdade Avança” e maior símbolo do sentimento “anti-sistema” e “anti-política” nessa disputa, Javier Milei, vai ao segundo turno com aproximadamente 31% dos votos e a missão representar a mudança em um pleito contra a continuidade.

Diante disso, sua campanha terá de instalar nos corações e mentes dos eleitores portenhos a seguinte percepção: para quem reprova o governo atual a alternativa é votar Milei.

Os eleitores de Patrícia Bullrich, terceira colocada com quase 24% dos votos, são essencialmente de oposição. Convencê-los a votar contra Massa não parece ser uma missão impossível. Porém, para tal, o economista Javier Milei terá de moderar ainda mais seu discurso e fazer parecer que todas suas ideias radicais ventiladas por anos “não são bem assim”, mas sem demonstrar que se distanciou de suas convicções.

O clássico dilema de candidatos de extrema direita.

Moderar para avançar em diferentes frentes de eleitores e, ao mesmo tempo, não deixar de alimentar sua base mais estridente. Um equilíbrio bastante instável em termos comunicacionais.

Argentina peso argentino dólar

Peso argentino: às vésperas da eleição moeda teve queda recorde de valor na cotação paralela

Sob a perspectiva de Massa a tarefa é bem mais complexa. O candidato terá de defender o legado econômico do atual governo. Missão nada trivial quando a inflação se apresenta diariamente para os argentinos.

Para isso deverá deslocar a discussão não para uma decisão de mudança x continuidade, mas para algo do tipo: a Argentina quer um doido no poder como presidente? Ou não?

Uma narrativa de difícil aderência para um país em que a classe política (especialmente os atuais governantes) é marcada pelo descrédito e baixíssima credibilidade. Uma dinâmica bastante improvável em termos práticos.

Eleição na Argentina: segundo turno polarizado

O fato é que a Argentina terá um segundo turno bastante polarizado e isso traz algumas consequências concretas e amplamente conhecidas para quem acompanha eleições a nível global.

A primeira é que teremos uma campanha com baixo grau de potencial de convencimento. O voto será essencialmente baseado na rejeição ao oponente (como em todas as eleições polarizadas). Nesse caso, de pouca utilidade serão os argumentos para convencer os pouquíssimos indecisos. O trabalho das campanhas será essencialmente mobilizar os eleitores para sair de casa e votar contra um outro lado que odeiam mais. Estão, postas, portanto, as condições ideais para uma arena conhecida como “batalha de rejeições”.

O segundo e mais importante aspecto será o nível de abstenção no dia 19 de novembro. O comparecimento no primeiro turno foi de apenas 74% do eleitorado. Um recorde abstenções para os argentinos. A julgar pelos inúmeros pleitos polarizados em diversos países, a tendência é termos um maior comparecimento no segundo turno. E essa será a variável chave da decisão. Quais grupos vão comparecer mais. A quem esses que pretendem comparecer nutrem um ódio maior?

Ou seja, uma menor abstenção vai favorecer (ou desfavorecer) a qual dos dois candidatos? Será mais forte a mobilização por uma mudança de governo ou o sentimento de evitar que um “anarco-capitalista” e “instrutor de sexo tântrico” se torne presidente da República.

Essa angulação de olhar (sem efeito Mona Lisa dessa vez) dos votantes portenhos vai decidir o novo ocupante da Casa Rosada.


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