Após um imbróglio que durou várias semanas, o passaporte de vacinação começou a ser exigido no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou a postos de fronteira para fazer valer a regra a partir desta segunda-feira, 13, após decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
Quem ingressar no Brasil, portanto, deve apresentar comprovante de que foi vacinado completamente. Há algumas exceções, como para países onde não há doses ou para grupos não contemplados pela vacinação, mas, no geral, a exigência vale inclusive para brasileiros.
O Planalto era contrário à medida, e o tema virou motivo de embate entre Brasília e governos estaduais.
Mas uma vez estabelecida a nova regra, a situação do próprio presidente Jair Bolsonaro com a exigência da comprovação fica nebulosa.
Bolsonaro tem dito que não se vacinou contra a covid-19, embora a informação não possa ser comprovada, uma vez que o Planalto impôs sigilo de 100 anos na carteira de vacinação do presidente.
Assim, pela regra, também o presidente da República teria de apresentar sua comprovação de vacinação para ingressar no Brasil, uma vez que seu grupo etário – o presidente tem 66 anos – já teve a vacinação liberada.
A dúvida continua após o governo federal publicar nesta terça-feira, 14, uma portaria no Diário Oficial da União (DOU) sobre as novas exigências, que, segundo o texto, são de caráter “temporário” (veja o texto na íntegra).
A Advocacia-Geral da União (AGU), que funciona como defesa dos órgãos federais, incluindo da Presidência, ainda tenta mudar algumas das regras exigidas pelo STF (leia abaixo).
Mas enquanto uma decisão não é tomada, a partir de agora, um viajante estrangeiro ou brasileiro entrando no país precisa apresentar no transporte aéreo:
- Teste RT-PCR feito até 72 horas antes do embarque ou teste do tipo antígeno feito até 24 horas antes;
- Declaração de Saúde do Viajante preenchida, com concordância acerca das medidas sanitárias no Brasil;
- Comprovante de vacinação com duas doses ou dose única, impresso ou eletrônico;
- A segunda dose/dose única tem de ter sido tomada ao menos 14 dias antes da data de embarque.
Valem para o comprovante de vacinação todas as vacinas aprovadas no Brasil, todas as aprovadas pela Organização Mundial de Saúde ou todas aprovadas no país de origem do viajante.
A regra é parecida para ingresso por outras vias, terrestres ou marítimas, por exemplo, também com necessidade de apresentar passaporte de vacinação.
Apesar dos detalhes na portaria, a entrada de um brasileiro sem vacinação, como pode vir a ser o presidente Jair Bolsonaro caso o mandatário brasileiro viaje, segue cercada de algumas dúvidas.
Nos aeroportos, a verificação está sendo feita por funcionários da Anvisa no desembarque. Segundo reportagem do jornal Estado de S.Paulo sobre a movimentação no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, ainda há exceções de pessoas que conseguiram ultrapassar a fiscalização sem apresentar o comprovante neste primeiro dia.
A EXAME procurou o Planalto e a Anvisa sobre quais seriam as regras no caso de viagem do presidente Bolsonaro e se um comprovante seria exigido no retorno, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.
AGU pede liberação de brasileiros
O caso específico dos brasileiros deve ser motivo de discussão nos próximos dias. A AGU questionou nesta segunda-feira o STF sobre como fica a situação dos cidadãos vindos do exterior, afirmando que brasileiros ou estrangeiros residentes não deveriam ser impedidos de entrar no próprio país.
“Ao que tudo indica, porém, essa restrição de entrada impõe ônus desproporcionais ao cidadão brasileiro proveniente do exterior e também ao estrangeiro residente no Brasil – protegidos expressamente pela redação do artigo 5º, caput, da Constituição – impedindo-os de regressar ao país de domicílio”, disse a AGU em manifestação.
A exigência de vacinação foi instituída por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, no sábado, 11. O STF foi chamado a decidir sobre o caso após ação da Rede Sustentabilidade.
A AGU também quer que o STF aceite, no lugar da vacinação, comprovante de “recuperação” após contrair covid-19. Isto é, pessoas que já ficaram doentes e se recuperaram poderiam entrar no país mesmo sem vacina, tanto brasileiros quanto estrangeiros.
Cientistas têm pontuado que os anticorpos que o corpo desenvolve pós-doença são diferentes dos resultados da vacinação e que mesmo quem já se infectou precisa se vacinar.
Na liminar de Barroso, não há uma regra diferente definida para brasileiros. Ficou decidido que só podem entrar no Brasil sem comprovante de vacinação grupos específicos, como crianças ainda não contempladas pela campanha de imunização.
Ao mesmo tempo, já há exceções para brasileiros nas regras quando o Brasil fecha fronteiras, por exemplo. Desde a descoberta da nova variante ômicron, viajantes vindos da África do Sul e de alguns outros países da região estão proibidos de ingressar no Brasil, mas a regra não vale para brasileiros, que podem entrar desde que façam quarentena.
Na portaria editada pelo governo federal e publicada hoje, há ainda especificidades no caso da fronteira com o Paraguai. Viajantes não precisam apresentar comprovante de vacinação caso ingressem por via terrestre, residam em cidades gêmeas ou tenham autorização do governo federal diante de “interesse público”.
Bolsonaro, inclusive, tinha uma viagem para o Paraguai nesta semana, mas a agenda foi cancelada por condições meteorológicas.
Polêmica em Nova York
O status de vacinação do presidente Bolsonaro já foi motivo de polêmica neste ano. Em viagem a Nova York para a Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro não teve a entrada autorizada em restaurantes, que exigiam passaporte de vacinação.
O presidente brasileiro chegou a ser criticado nominalmente pelo prefeito de Nova York, Bill de Blasio: “Precisamos mandar uma mensagem a todos os líderes mundiais, incluindo mais notavelmente Bolsonaro, do Brasil, que se você pretende vir aqui, precisa estar vacinado. Se não quiser ser vacinado, não se incomode vindo”.
Na ocasião, a vacinação era exigida para alguns lugares em Nova York, mas não para entrada nos EUA. O país à época barrava todos os viajantes vindos do Brasil, mesmo os já vacinados.
A partir de novembro, a Casa Branca mudou as regras e autorizou a entrada de brasileiros nos EUA. Mas a agência regulatória americana também passou a exigir a comprovação de que os viajantes tomaram duas doses da vacina ou dose única.
Neste ano, o presidente Jair Bolsonaro também viajou a países como Itália, para reunião do G20, e aos Emirados Árabes Unidos.
Votação no STF
O tema do passaporte da vacinação ainda será submetido ao crivo dos ministros do STF em sessão extraordinária no plenário virtual antes do fim do recesso do Judiciário.
O julgamento foi marcado para quarta-feira, 15, e a situação específica dos brasileiros tende a ser também analisada.
O ministro Barroso disse ter decidido a favor da exigência do passaporte da vacina porque, em sua avaliação, seria inviável fiscalizar o cumprimento da proposta alternativa, de quarentena obrigatória para todos os viajantes não imunizados.