Por que a Venezuela quer invadir o país que mais cresce no mundo?

O Brasil vem acompanhando com preocupação uma tensão geopolítica entre dois países vizinhos nos últimos dias. Venezuela e Guiana disputam o território do Essequibo, que corresponde por cerca de 75% dos 215 mil km² da Guiana.

A área, rica em minérios e pedras preciosas, está sob controle da Guiana desde que o país se tornou independente, em 1966. Antes disso, era dominada pelo Reino Unido, desde meados do século XIX.

Os britânicos apoiavam seu direito ao território com base no fato de que, em 1648, os espanhóis cederam toda a área a leste do Orinoco aos holandeses. Parte dessa terra foi posteriormente passada pela Holanda ao Reino Unido.

A Venezuela, por sua vez, afirma que o território pertence a ela, já que era parte do Império Espanhol, havia a presença de religiosos espanhóis na área e, segundo ela, os holandeses nunca ocuparam a região à oeste do rio Essequibo. A reivindicação existe mesmo antes de o país se tornar independente, ou seja, quando ainda era parte da Grã-Colômbia.

A região é conhecida na Venezuela como Guiana Essequiba, ou simplesmente, Essequibo, e aparece atualmente nos mapas oficiais do país como “Zona en Reclamación”, ou seja, um território que está sendo reivindicado.

Sob administração guianesa, Essequibo inclui áreas de seis províncias, das quais duas estão integralmente inseridas ali e três têm a maior parte de suas superfícies localizadas na região reivindicada pela Venezuela.

Além disso, Essequibo inclui uma porção importante da costa guianesa, onde há poucos anos foram descobertas enormes reservas de petróleo e que a Guiana já está explorando, em parceria com companhias como a norte-americana ExxonMobil e a chinesa CNOOC.

País que mais cresce

A Guiana é considerado o país que mais cresce no mundo, com expectativa de ver sua economia aumentar 38% neste ano, segundo projeções do FMI.

A alta é puxada pelo forte aumento da exploraçao de petróleo na região equatorial, também perto da Amazônia.

O avanço da Guiana, puxado pela expansão do petróleo, esquenta o debate sobre a possibilidade de o Brasil também explorar reservas no mar próximo à foz do rio Amazonas. Um pedido da Petrobras feito ao Ibama para prospectar campos na região foi negado, mas o tema segue em debate no governo Lula.

Em 2022, o PIB da Guiana foi de 14,52 bilhões de dólares, de acordo com o FMI. Como comparação, o do Brasil foi de 1,9 trilhão de dólares.

No ano passado, a Guiana já havia registrado crescimento recorde, de 62,3%. Com isso, a taxa de pobreza, que era de 60% da população em 2006, é estimada hoje em cerca de 40%. O país tem cerca de 800 mil habitantes. Foi colonizado por holandeses e britânicos e conseguiu a independência em 1966. É o único país que fala inglês na América do Sul.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) avalia que o ritmo de crescimento da Guiana deve seguir forte nos próximos anos. O fundo enviou uma missão ao país e publicou suas conclusões em meados de setembro.

“A produção de petróleo está aumentando na esteira de um terceiro campo de extração, e o crescimento nos setores não-petrolíferos é apoiado pela implantação de um programa investimento público acelerado, focado em prover transporte, habitação e controle de enchentes, e de aumento do capital humano”, aponta o FMI.

O fundo aponta que outros setores da Guiana, como agricultura, mineração e serviços, também estão indo bem. A inflação, que atingiu 7,2% no fim de 2022, está em queda. Já o desemprego terminou o ano no país em 12,4%.

A BMI, unidade de pesquisas da Fitch, também estima que o país seguirá crescendo rápido, em ritmo que será ditado pela expansão da exploração de petróleo. A consultoria estima que o volume de produção, hoje em 390 mil barris por dia, deva superar 1 milhão por dia até 2027, conforme novos campos entrem em operação.

A Exxon Mobil estima que a Guiana tenha reservas, em sua região costeira, de 11 billhões de barris de petróleo. Como comparação, o Brasil tem 14,8 bilhões de barris em reservas comprovadas e mais cerca de 49 bilhões de barris em reservas prováveis ou possíveis, segundo boletim da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

Entre 2022 e 2031, só o pré-sal brasileiro deve gerar 8,2 bilhões de barris de petróleo, segundo projeção da Pré-Sal Petróleo, estatal criada para administrar a reserva.

Os países correm para aproveitar as reservas pois a transição energética deve diminuir a demanda por petróleo nos próximos anos. A IEA (Agência Internacional de Energia) estima que o uso global do insumo deve ter crescimento mais lento nos próximos anos e atingir seu ápice até o final desta década. Depois disso, deve vir uma queda, especialmente no uso como combustível, já que a adoção de carros elétricos avança em várias partes do mundo.

Referendo

A disputa, que vem se arrastando por anos, pode chegar a um desfecho neste domingo, 3, quando será realizado um referendo onde eleitores venezuelanos vão decidir sobre a definição da fronteira de seu país com a república vizinha.

A primeira pergunta é se a Venezuela deve rechaçar, “por todos os meios, conforme a lei” a atual fronteira entre os dois países. A posição oficial do governo venezuelano é que o limite deve ser jogado para o leste e estabelecido no rio Essequibo.

Para os venezuelanos, a atual fronteira foi estabelecida de forma fraudulenta pelo Laudo Arbitral de Paris de 1899, que envolveu dois árbitros britânicos, dois norte-americanos (sendo um deles indicado pela Venezuela) e um russo (indicado pelos quatro anteriores).

A Venezuela aceitou a mediação do tribunal arbitral e inicialmente, apesar de contrariada, acatou os limites impostos por ele, que favoreciam em grande parte os britânicos. Décadas depois, no entanto, decidiu refutar o acerto, alegando fraudes na decisão arbitral.

A consulta popular também questiona se o eleitor está de acordo a “opor-se, por todos os meios, de acordo com a lei, à pretensão da Guiana de dispor unilateralmente de um mar pendente de delimitação”. A costa guianesa em questão inclui parte do campo gigante de Stabroek, com reservas estimadas em cerca de 11 bilhões de barris de óleo.

Outra pergunta é se o eleitor concorda em criar o estado de Guiana Essequiba e conceder cidadania venezuelana aos habitantes desse território.

As últimas duas perguntas envolvem as negociações internacionais acerca da definição da fronteira. O referendo pergunta, em uma delas, se o eleitor aceita o acordo de Genebra de 1966 como único instrumento capaz de resolver a controvérsia.

Em 1966, pouco antes da Guiana tornar-se independente, Reino Unido e Venezuela assinaram um acordo em Genebra que definia que os venezuelanos e guianeses deveriam formar uma comissão mista para solucionar a questão da fronteira entre os dois países.

Mas o próprio acordo prevê que, caso não houvesse resolução, o caso deveria ser levado ao Secretariado-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o que aconteceu na década de 80. Em 2018, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres decidiu que o caso deveria ser julgado pela Corte Internacional de Justiça (ICJ), em Haia.

O problema é que a Venezuela não reconhece o ICJ como uma instância apropriada para resolver a questão. E o referendo pergunta ao eleitor se ele apoia “a posição histórica da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça” para solucionar a controvérsia.

O governo venezuelano defende que os eleitores respondam “sim” às cinco perguntas. O presidente Nicolás Maduro tem se envolvido pessoalmente na campanha eleitoral pelo “sim”, convocando a população a votar neste domingo. Segundo ele, “o resgate de Guiana Essequiba” é uma “cruzada, uma jornada histórica”.

‘Provocativo e ilegal’

Já a presidência da Guiana convocou agências governamentais para uma sensibilização nacional guianesa em torno do referendo. Uma série de eventos, incluindo dias de oração e “círculos de unidade”, de sexta-feira (1º) a domingo (3), e “uma noite de reflexão patriótica” no dia do referendo venezuelano, estão previstos para o país.

O presidente guianês, Irfaan Ali, afirmou que a região de fronteira será reforçada pela polícia e forças armadas. O governo da Guiana considera as medidas tomadas pela Venezuela, como o referendo, são agressivas, infundadas e ilegais.

No início de novembro, a Assembleia Nacional da Guiana aprovou uma resolução em que classifica o referendo como “provocativo, ilegal, inválido e sem efeito legal internacional”.

No fim de outubro, a Guiana havia pedido proteção urgente à ICJ, para evitar que a Venezuela ocupe território guianês. “A Guiana não tem dúvidas sobre a validade do Laudo Arbitral e da fronteira terrestre, que a Venezuela aceitou e reconheceu como sua fronteira internacional por mais de 60 anos”, informa nota divulgada em 31 de outubro pelo governo guianês.

Solução diplomática

O assunto foi discutido na última semana entre representantes dos dois países, em reunião de chanceleres e ministros da Defesa da América do Sul, em Brasília. O ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, declarou, ao fim da reunião que o Brasil deseja uma solução diplomático e pacífica para a controvérsia.

A região reivindicada pela Venezuela faz fronteira com o Brasil, através do estado de Roraima. Uma ponte liga a cidade brasileira de Bonfim à cidade guianesa de Lethem. Muitos brasileiros visitam, trabalham e mantêm negócios do outro lado da fronteira.

O Ministério da Defesa informou que tem acompanhado a situação e que intensificou suas ações na “fronteira ao norte do país”, com um aumento da presença de militares na região.

Nesta sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva iria encontrar o presidente da Guiana, Irfaan Ali, em Dubai antes da COP28. O encontro, que iria tratar a ameaça da Venezuela de invadir e anexar dois terços do território de Essequibo, foi adiado.

(Com informações da Agência Brasil)

Continue lendo

Recomendados

Desenvolvido porInvesting.com
Mercado, Todos

Notícias relacionadas

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.
Você precisa concordar com os termos para prosseguir

Menu