"Só com fiscalização, reduzimos o desmatamento, mas em seguida ele volta", diz secretário do MMA

DUBAI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS — Passados 11 meses no cargo, o secretário extraordinário de controle ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA), André Lima, tem alguns motivos para comemorar — e muitos para se preocupar. Na balança do ano até aqui, o grande destaque foi a redução de 50% no desmatamento na Amazônia. O marco é importante, e um motivo para celebrar.

Recentemente, Noruega e Reino Unido, países que aderiram ao Fundo Amazônia, uma das principais políticas públicas para frear o desmatamento na região, anunciaram novos aportes de R$ 450 milhões no fundo. Em boa medida, por causa dos novos dados do desmatamento. “Foi todo um trabalho de preparação de uma ação emergencial cujos resultados estamos colhendo agora”, diz Lima em entrevista à EXAME entre um compromisso e outro durante a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes. “Fizemos um trabalho muito forte a partir de fevereiro, março e abril. Se você verificar os dados de desmatamento, a partir de maio começamos a ter quedas expressivas, ao ponto de que em agosto, setembro e outubro essa queda está sendo superior a 60%.”

No acumulado de janeiro a novembro de 2023, a área recoberta por alertas de desmatamento na Amazônia Legal é de 4.974 km², 50% menor que no mesmo período do ano de 2022, quando a área foi de 10.045 km².

O problema é que, somente com ações de fiscalização e multa — o chamado comando e controle —, dificilmente será possível manter o desmatamento nesses níveis ao longo do tempo. Por isso, além das ações de fiscalização, Lima trabalha a política pública em outros eixos, como ordenamento territorial, produtos econômicos e parcerias com estados e municípios. “Precisamos mostrar para a sociedade local que o que estamos falando pode trazer benefício econômico e social”, afirma. “Se chegarmos na ponta só com Ibama, só com comando controle, com apreensão e com multa, não viramos o jogo. Reduzimos o desmatamento, mas logo em seguida volta.”

Confira a íntegra da entevista.

Como foi até o combate ao desmatamento na Amazônia e quais os próximos passos? 

Nesse primeiro ano, o desafio foi recompor a equipe. Reconstruir uma secretaria para lidar com o tema e reorganizar a estratégia do Ibama e do ICMBio, que foram muito ceifados ao longo da gestão anterior. Reestruturar uma ação emergencial. Por exemplo, todo trabalho que aconteceu com os Yanomami, no combate ao garimpo, tomou muito tempo logo no começo. Tanto é que, em janeiro, fevereiro e março, ainda vimos um pequeno aumento de desmatamento.

Era esperado?

Veio como um refluxo. Pegamos o desmatamento na Amazônia numa trajetória de crescimento de 55% no segundo semestre. Então, foi todo um trabalho de preparação de uma ação emergencial cujos resultados estamos colhendo agora. Um trabalho muito forte a partir de fevereiro, março e abril. Se você verificar os dados de desmatamento, a partir de maio começamos a ter quedas expressivas, ao ponto de que em agosto, setembro e outubro essa queda está sendo superior a 60%.

Comunidade ribeirinha no Rio Amazonas, entre Manaus e Parintins (Leandro Fonseca/EXAME)

A região é carro-chefe no combate ao desmatamento…

Olha, começamos pela Amazônia porque o dado que a gente tinha mais grave era da Amazônia. Simultaneamente a essas ações emergenciais de comando e controle, fomos mudando algumas regras, como a regra de acesso a crédito. Acredito que essa tenha sido uma medida fundamental, porque ela gera o que chamamos de uma “fofoca lá no campo”. Todo o consultor agronômico, produtor rural, fica sabendo que mudou a regra de crédito.

Como foi essa mudança?

A regra antes só vedava acesso a crédito para quem tinha sido objeto de embargo do Ibama, e só na Amazônia. Agora, os embargos estaduais também funcionam. Então, se um órgão estadual fiscalizar, multar e embargar, aquele registro vai para o sistema e o gerente de banco não pode dar crédito para quem está embargado. Isso multiplicou o impacto da ação. Tem um efeito importante. Assim como existe o efeito psicológico de mercado, existe efeito psicológico na taxa de desmatamento. Mudou a chave. Quando você muda uma regra do Banco Central, mostra que não estamos simplesmente fazendo fiscalização ambiental.

É uma lógica de seguir o dinheiro… 

Exatamente. Além disso, tem a questão da destinação de terras públicas. Estamos bloqueando o Cadastro Ambiental Rural, o CAR, que é a certidão de nascimento do imóvel para a questão ambiental, para acesso à crédito e para acesso ao mercado, nas áreas públicas federais, nas terras indígenas e nas unidades de conservação. O governo anterior fez vista grossa. Começamos a cancelar, e isso começa a gerar impacto. Também fizemos parceria com os estados. No Pará, por exemplo, começamos a trabalhar também o cancelamento do cadastro no caso de desmatamento ilegal dentro das áreas acima de 50 hectares. Demos densidade à estratégia de controle do desmatamento, mostrando que o controle vem de várias frentes. Não adianta vir o controle só da fiscalização porque você tem vazamento. Quando você começa a fechar o mercado, o crédito, o estado, governo federal…. Trouxemos os municípios, que  também são uma porta de vazamento do desmatamento.

Por quê? 

Eles autorizam a limpeza de pasto, e eles usam autorização de limpeza de pasto para autorizar o desmatamento. Então, quando começamos a trazer os secretários municipais e os prefeitos já começa a fechar essa porteira. Estamos criando a base de um novo sistema de controle ambiental. Essa é a linha de controle, usando tecnologia da informação.

Como é uso de TI e inteligência artificial tem auxiliado nesse trabalho?

Temos satélite, o polígono do imóvel, o CAR, RG e endereço. Começamos a cruzar sistemas para operar isso de forma eletrônica com o embargo eletrônico. Antes o fiscal tinha que ir na ponta, pegar o GPS, marcar a área e encontrar alguém para entregar um auto de embargo. Hoje, embargamos eletronicamente, inclusive por satélite no sistema, sem precisar ir a campo. Isso decuplicou a capacidade de fiscalização.

Quando começou esse uso eletrônico?

A partir de março o Ibama resgatou essa agenda e está sofisticando. Estamos convidando agora gente da área de inteligência artificial para ajudar a fazer isso automaticamente. E começar a trabalhar inclusive com previsão de desmatamento, mostrando o histórico. Por exemplo, quando vem degradação, você já sabe para onde vem os desmatamento em seguida. 

O senhor mencionou o ordenamento territorial como outro eixo de atuação. Como funciona isso?

Há muita terra pública abandonada que fica ao léu, entregue à grilagem. Estamos resgatando isso ao reconstituir uma câmara técnica no Ministério do Desenvolvimento Agrário, que faz a destinação das áreas. O governo anterior usou essa câmara técnica, mas para declarar desinteresse de áreas. Isso estimulou a ocupação. Estamos fazendo o contrário e dizendo que temos interesse, trabalhando com a Secretaria de Patrimônio da União o sistema de bloqueio de área. A SPU tem um ato que bloqueia qualquer ato jurídico-administrativo sobre essas áreas. Se tentar vender, não consegue registrar em cartório. Bloqueia as áreas para qualquer ação até  fazermos os estudos e destine ou como um Parque Nacional, ou uma estação ecológica, um território indígena ou uma concessão Florestal etc.

A questão do desmatamento é um problema essencialmente territorial? 

É territorial. Mas em que sentido? Na Amazônia, em boa medida, é especulação de terra. A pecuária, por exemplo, é usada muito mais para consolidar posse do que para acessar mercado. No primeiro momento, a pecuária ocupa. Depois, começa a querer se viabilizar, porque precisa se consolidar e buscar mercado. Nesse ponto, entra um terceiro eixo.

Qual?

O eixo dos produtos econômicos. Por exemplo, na questão do acesso ao mercado queremos colocar o elemento da rastreabilidade da produção. O gado tem a cria, a recria e a engorda em fazendas diferentes. A cria acontece espraiada em pequenas áreas. Aí, vem um intermediário, leva e vai vender para a recria. E ele, vamos dizer, “limpa”. Ou seja, a cria vem de área desmatada, mas o intermediário tem um cadastro [rural ambiental]. Então, ele diz que aquele boi vem do cadastro dele, ele limpa a cadeia e dali para frente parece que o boi vem limpo. Queremos desenvolver um sistema parecido com o de controle de vigilância sanitária. A dificuldade aí não é tecnológica, não é financeira. O setor da pecuária tem que abrir a porteira.

O presidente Lula lançou o programa União com os Municípios para o controle do desmatamento. Esse é outro eixo que o senhor frisa como essencial. Por que?

Os municípios vão receber recursos para melhorar o controle, governança e ações. São 70 municípios responsáveis por 78% do desmatamento. Os prefeitos sabem quem está desmatando, conhece todo mundo na ponta. Estamos tentando trazer esses prefeitos oferecendo benefícios. Na hora que o prefeito entregar 200 títulos de terra para agricultor familiar com dinheiro de redução de desmatamento vai começar a virar um ativo.

Qual a entrega esperada nesse plano? E quando seria?

No ano que vem, estamos contratando a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) para executar um grande levantamento. E vamos preparar ações de regularização fundiária nos municípios — e junto com a regularização ambiental. Isso é importante porque aquele boi daquele agricultor familiar que teve regularização fundiária e ambiental vai ter acesso ao crédito e vai poder ser rastreado sem problema nenhum. Mais do que isso, vamos botar recursos para fazer a restauração florestal das áreas que precisam ser restauradas. É uma coisa inédita: o MMA batalhou por uma emenda parlamentar,, de 150 milhões de reais, para o Ministério da Agricultura, para investir em restauração florestal produtiva em 3.000 unidades familiares nos municípios críticos. Se tivermos 100 unidades por município sendo regularizadas e reflorestadas, mostrando que está vindo de recursos de produção de desmatamento, começamos a mudar.

Há um tensionamento nessa relação? 

Muito com o poder político local, porque as prefeituras são muito ligadas à atividade econômica clandestina. A madeireira lá na ponta financia candidaturas de vereador, garimpo. Precisamos mostrar para a sociedade local que o que estamos falando pode trazer benefício econômico e social. Se chegarmos na ponta só com Ibama, só com comando controle, com apreensão e com multa, não viramos o jogo. Reduzimos o desmatamento, mas logo em seguida volta.

E qual a solução nesse caso?

O grande desafio é investir esses 600 milhões de reais nos municípios [já destinados do Fundo Amazônia para apoiar municípios no controle do desmatamento e de incêndios florestais] e captar 6 bilhões de reais nesse mercado global de investimento em serviços ambientais para reinvestir nos municípios. Não tem investimento que gere 1.000% de rentabilidade em três anos em lugar nenhum na Amazônia. Seis bilhões de reais já é um volume significativo de recursos, mas que pode ser aumentado. Vamos para um ciclo até a COP30 tentando reduzir o desmatamento em até 30% naqueles municípios para mostrar que é possível e captar mais recursos para reinvestir.

Pensando para os próximos seis meses e o próximo, quais as principais datas que os cidadãos devem ficar atentos nessa questão do combate ao desmatamento? 

O primeiro ano do PPCDam, em junho do ano que vem. Vamos fazer uma grande avaliação e um novo ciclo. Em novembro do ano que vem estaremos a um ano da COP no Brasil, um momento-chave. A ideia da avaliação é reorganizar para aprimorar. Nossa meta é reduzir em 80% o desmatamento e vamos ter que cumprir até 2025. Já estamos em 50% [de redução]. Só que agora vem a parte mais difícil. É duro manter.

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