Tensão em alta: quando a China prendeu dois espiões americanos por 20 anos

O mundo parece ter voltado aos tempos de Guerra Fria, com ameaças veladas e atividades de espionagem em alta.

No início de abril, foi revelado que um espião russo se passou por brasileiro para ter acesso privilegiado a órgãos como o Tribunal de Penal Internacional, em Haia. Na semana passada, o governo americano anunciou a detenção de dois cidadãos americanos que operavam uma delegacia ilegal em Nova York sob as ordens do Partido Comunista chinês.

DOSSIÊ: Afinal, o que está acontecendo em Taiwan?

As operações de espionagem revelam uma crescente desconfiança entre os governos, num momento de realinhamento das forças globais. Estados Unidos e China, as duas maiores economias, e a Rússia, em guerra com a Ucrânia, dominam o noticiário. Ainda no início de abril, uma visita de Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan, a Washington, escalou as ameaças entre China e EUA, levando os chineses a uma série de manobras militares no Estreito de Taiwan.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, em viagens recentes a EUA e China e em conversa com autoridades russas há uma semana, colaborou para esquentar ainda mais o clima. A sensação é que pisamos em gelo fino, num ambiente que remete aos romances de John Le Carré, ou dos filmes de James Bond.

Tentativa de derrubar Mao Tsé-Tung

Esse cenário levou a conceituada revista de política internacional Foreign Affairs a publicar um texto sobre um episódio obscuro de 70 anos atrás — e mais atual do que nunca.

Em 1952 dois jovens agentes da CIA sobrevoaram a China com a missão de resgatar um informante que trabalhava por trás das linhas inimigas. Não havia plano B. E deu tudo errado. Uma extensa rede de informantes descobriu a missão, abateu o avião e capturou os espiões John Downey e Richard Fecteau. Eles só foram soltos entre 1971 e 1973, na esteira da histórica visita de Richard Nixon à China.

O artigo da jornalista Jane Perlez revela como a detenção foi resultado de uma trapalhada estratégia de tentar derrubar o regime de Mao Tsé-Tung com atividades espiãs em território chinês. A estratégia era descobrir e fomentar uma terceira força política, que despontasse entre Mao e seu antagonista Chiang Kai-shek, aliado americano na Segunda Guerra, mas na época exilado em Taiwan. Resultado: dos 212 agentes da CIA enviados à China, 111 foram capturados e 101 foram mortos. Nenhum teve sucesso.

As ações, relembra Perlez, que baseou sua pesquisa em dois livros recém-lançados sobre a época, ainda serviram de propaganda para Mao se consolidar no poder citando a ameaça externa — uma das armas mais tradicionais de governos autoritários. “O sofrimento pelo que Downey e Fecteau passaram foi resultado direto de uma falha em entender, ou uma oposição cega a reconhecer, que os comunistas tinham dominado a China”, diz Perlez. Americanos e chineses simplesmente não confiavam uns nos outros 70 anos atrás, uma situação que foi turbinada com a tecnologia nas últimas décadas.

John Delury, autor de “Agentes da Subversão”, citado por Perlez, argumenta que as políticas equivocadas de Washington 70 anos atrás mostram o que não deve ser feito num momento de deterioração das relações entre China e EUA. “A tentação de voltar aos padrões da Guerra Fria […] deve nos fazer parar e olhar sob a luz da história o que aconteceu na primeira vez em que isso foi tentado”, escreveu.

Uma possível saída para o ambiente de crescente hostilidade está num artigo publicado pelo americano Thomas Friedman no New York Times e traduzido este fim de semana no Estadão. Friedman afirma que a visão capitalista e a disciplina de trabalho aproximam as populações dos dois países, conforme voltou a constatar numa viagem recente ao país asiático. Afirma, portanto, que os dois países têm muitos motivos para trabalhar em conjunto, mas que a falta de confiança é fator chave para entender a disputa entre China e EUA.

É o que leva o governo americano a apertar o cerco contra o TikTok e a seguir armando Taiwan, e o que leva Xi Jinping a estreitar os laços com Vladmir Putin para se assegurar no poder. Mas Friedman pondera que num mundo conectado como o atual “a ideia de que a China possa entrar em colapso enquanto os EUA prosperam não passa de uma fantasia”.

Acender a luz do estreito corredor escuro que conecta os países é ação mais que bem-vinda na visão do analista – e corroborada por Perlez na Foreign Affairs. Aquela obscura detenção na Manchúria 70 anos atrás segue sendo essencial para tentar entender o mundo.

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