A estratégia da Amazon para contornar a falta de gente disposta a trabalhar nos galpões da empresa

No início deste ano, um recrutador da Amazon recebeu uma mensagem de Seattle: colocar panfletos de “procura-se” em busca de ajuda em escolas secundárias, bancos de alimentos e abrigos para moradores de rua — em qualquer lugar em que alguém possa estar disposto a assumir uma posição de nível de entrada num dos armazéns da gigante do e-commerce.

O recrutador achou a ordem desesperada, mas estava dolorosamente ciente de como era difícil achar pessoas dispostas a trabalhar para a Amazon. Uma conversa que essa pessoa teve com um candidato em potencial numa feira de empregos em Nevada deu um bom exemplo do desafio.

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Ao saber que a remuneração inicial era de US$ 18,25 por hora, o homem disse que não ia conseguir pagar o aluguel com esse salário. “Ele simplesmente saiu andando”, disse o recrutador, que pediu anonimato para falar livremente sobre um assunto interno da empresa. “Não é exatamente o emprego dos sonhos”.

A Amazon, que devora trabalhadores em questão de horas em um ritmo frenético, há tempos espera que um dia vá ficar sem corpos quentes para seus centros de atendimento nos Estados Unidos — um problema existencial para uma empresa que fez seu nome oferecendo entregas rápidas e confiáveis.

Embora os armazéns sejam parcialmente automatizados, a Amazon ainda conta com centenas de milhares de pessoas trabalhando em sincronia com as máquinas.

Uma resposta para a escassez de mão de obra, é claro, é usar mais robôs. Contudo, durante anos os engenheiros lutaram para duplicar a destreza manual de um ser humano.

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Como é o novo robô da Amazon

Agora, a Amazon parece ter resolvido o problema com um sistema altamente automatizado com um braço robótico amarelo que a empresa diz ser capaz de pegar milhões de tipos de produtos sem esmagá-los ou soltá-los. O nome do novo robô é Sparrow.

A Amazon não disse exatamente como Sparrow e seus parentes-máquinas vão revolucionar as operações da empresa. Mas os registros de patentes, os posts no blog da empresa e os comentários dos executivos dão um mapa das ambições da empresa.

Os robôs vão armazenar e apanhar itens individuais, mover caixas embaladas em carrinhos para embarque e pilotar esses carrinhos até os caminhões à espera — trabalho hoje feito em sua maioria por seres humanos.

A tecnologia ainda tem problemas, e é provável que a implantação completa demore anos. Mas o sistema automatizado promete reformular fundamentalmente a Amazon, que se tornou o segundo maior empregador privado dos Estados Unidos, atrás do Walmart, e em muitas cidades é ao mesmo tempo o maior empregador e a opção padrão para os trabalhadores que têm poucas habilidades comercializáveis ou foram demitidos de outro emprego.

Automatizar mais da operação logística também exigirá repensar os armazéns simples e em formato de caixa que a Amazon construiu em todo o país.

A Bloomberg informou no início deste ano que a empresa vinha acumulando discretamente milhares de hectares de imóveis industriais perto das principais cidades dos Estados Unidos; parte desses terrenos foi destinada a uma nova geração de centros de atendimento mais amplos e automatizados que a Amazon planeja desenvolver.

Supondo que o plano funcione, é provável que a Amazon passe a ocupar armazéns com equipes menores e mais especializadas, em grande parte compostas por técnicos.

Sensível às críticas de que a automação poderia apagar dezenas de milhares de empregos com o passar do tempo, a empresa insiste que liberará os trabalhadores para tarefas mais estimulantes e ajudará a eliminar as horas de torção e levantamento necessárias hoje — não é pouca coisa para uma empresa sob escrutínio regulatório em função de suas elevadas taxas de lesões.

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“Nos 10 anos desde que introduzimos a robótica em nossas instalações, adicionamos centenas de milhares de novos empregos e criamos mais de 700 novas categorias de empregos que tornam nossa tecnologia possível”, disse o porta-voz da Amazon, Xavier Van Chau, em uma nota por e-mail.

“Os funcionários da Amazon no mundo todo trabalham ao lado de robôs e continuarão a fazê-lo no futuro, apoiando a segurança em nosso local de trabalho e nos ajudando a melhorar o serviço prestado aos nossos clientes”.

No início de novembro, Joe Quinlivan, vice-presidente que lidera as equipes de tecnologia de robótica e logística da Amazon, subiu num palco temporário em uma fábrica nos subúrbios de Boston.

A instalação de 32.500 metros quadrados (ou 350.000 square feets, ou pés quadrados) fabrica a geração atual de robôs para os armazéns da empresa e emprega dezenas de engenheiros que trabalham em novas tecnologias. “Então é essa a grande revelação”, disse Quinlivan, enquanto um vídeo mostrava Sparrow escolhendo itens de uma sacola de plástico e colocando-os em outras caixas.

Ele admitiu que não era o filme mais empolgante da história. “Alguém pode achar que isso é uma mera mudança incremental, mas não é”, disse Quinlivan. Ele garantiu ao público que o robô era de fato “um salto enorme”.

Quinlivan chegou à Amazon em 2012, quando a gigante do e-commerce adquiriu seu empregador, a Kiva Systems, então parte de um grupo de fabricantes de robótica da área de Boston que também incluía a Boston Dynamics, criadora de robôs autônomos semelhantes a cães, mais conhecidos por vídeos virais dos “bichos” subindo escadas ou dando cambalhotas.

O que a Amazon ganhou ao apostar em robôs

É difícil exagerar a importância da Kiva para a Amazon. Antes da aquisição, os armazéns da empresa se pareciam com bibliotecas densamente povoadas. Os funcionários seguiam as ordens impressas em bilhetes, empurrando carrinhos por milhas todos os dias através de corredores estreitos, a caminho dos livros ou CDs que os clientes tinham encomendado.

Os robôs autônomos e atarracados da Kiva reverteram todo o processo, trazendo as mercadorias para os funcionários que agora esperam por elas. Hoje, as mercadorias são armazenadas em prateleiras de malha móveis que os robôs podem buscar e recuperar.

O impacto foi profundo. Acabar com os corredores permitiu à Amazon embalar 40% mais mercadorias em suas áreas de armazenamento.

Não só isso, ao eliminar longas caminhadas até os produtos, a empresa reduziu em cerca de um terço uma métrica interna muito importante chamada custo variável por unidade (essencialmente as horas de trabalho divididas pelo número de unidades embarcadas), de acordo com três pessoas familiarizadas com o número, que pediram anonimato porque a Amazon não divulgou os dados.

“Só aí foram dólares” de economia, disse uma das pessoas, um ex-tecnólogo da Amazon que estava lá quando os robôs da Kiva foram instalados. Em comparação, disse essa pessoa, todas as outras inovações desde então renderam apenas “centavos” em termos de economia.

Agora, graças ao Sparrow e a um novo sistema automatizado de armazenamento, a Amazon pode ter encontrado o próximo dólar metafórico de poupança.

Pouco depois das observações de Quinlivan, Jason Messinger, um dos roboticistas que liderou o desenvolvimento do sistema, conduziu uma demonstração de Sparrow a uma plateia de repórteres.

A ponta do braço do robô tem sete dispositivos de sucção com ponta de borracha, alimentados por vácuo e capazes de se estender ou retrair conforme o tamanho, a forma e a orientação do produto que está sendo agarrado.

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Messinger diz que o segredo é a capacidade do robô de reconhecer objetos em uma cesta, fruto de um extenso esforço interno para desenvolver um software capaz de identificar os milhões de itens oferecidos no marketplace da Amazon.

“Este é o resultado de anos de inovação”, disse Messinger, falando em um microfone para ser ouvido por cima do ruído do barulho, dos zumbidos e do estalo repentino de compressores de ar da máquina enquanto agarrava e soltava um item.

Seguindo pistas programadas, Sparrow pegou itens, um por um, e os colocou em outras bolsas.

  • Um jogo de críquete de brinquedo.
  • Um DVD.
  • Um conjunto de mapas para pescadores.

Ele administrou as tarefas sem contratempos.

O braço em si é fabricado por um fornecedor externo, cujo nome a Amazon se recusou a revelar. Os engenheiros da empresa o integraram com a “ferramenta de ponta de braço” e com o software interno de visão computacional.

A Amazon passou anos testando tecnologias que poderiam se aproximar da destreza humana, a certa altura oferecendo um prêmio anual em dinheiro ao construtor do melhor pegador automatizado.

Quais foram as premissas para o desenvolvimento da tecnologia

Uma versão inicial de um braço robótico está em exibição no saguão do prédio de Seattle, que já abrigou os principais executivos de logística da Amazon — um símbolo proeminente das ambições da empresa.

O trabalho passou a ter nova urgência em 2016, depois que uma análise interna projetou que a força de trabalho da Amazon — a maioria composta pelos funcionários de armazéns — ultrapassaria 1 milhão de funcionários até 2021.

A conclusão foi que a Amazon esgotaria o conjunto de pessoas dispostas a trabalhar para a empresa e arriscaria irritar os sindicatos.

A previsão, que se mostrou estranhamente precisa, deu início a um turbilhão de ideias na área das equipes de robótica e automação da Amazon, transformando seu trabalho em um imperativo para o ex-executivo Dave Clark, que à época dirigia a unidade de logística, segundo uma fonte a par da situação.

A equipe foi encarregada de desenvolver uma tecnologia que permitisse dois tipos de edifícios:

  • um centro de atendimento altamente automatizado
  • e um totalmente automatizado. Este último — conhecido na indústria como um “armazém escuro” — acabou sendo mais um experimento mental do que uma meta de verdade, segundo várias pessoas que trabalharam no projeto.

Em geral, a Amazon estabelece metas excessivamente ambiciosas ou fora da realidade para inspirar os funcionários a pensar em soluções criativas.

Os avanços na visão computacional e nos braços robóticos colocaram a instalação altamente automatizada ao alcance, mas havia uma pedra persistente no caminho: as prateleiras de malha bem embaladas que contêm os milhões de itens nos principais centros de atendimento da Amazon.

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Os seres humanos podem detectar com facilidade uma lacuna nesses cubículos e colocar uma garrafa de Advil entre um pacote de fones de ouvido e um coala empalhado — uma tarefa desafiadora para um robô de ponta.

“Não dá para simplesmente socar uma dessas coisas na lateral de uma prateleira”, disse Rob Hahn, ex-gerente de Armazém da Amazon que viu os primeiros protótipos.

Em junho, a Amazon anunciou que tinha chegado a uma solução, enterrando a inovação no meio de um post no blog que falava de outra invenção robótica. O sistema de armazenamento conteinerizado mantém os produtos em sacolas de plástico profundas, deixando espaço suficiente para que as câmeras vejam claramente os itens e os braços robóticos consigam pegá-los.

O sistema estava instalado e funcionando no mês passado nas instalações da Amazon nos arredores de Boston, realizando simulações com um inventário fictício, para que os engenheiros pudessem resolver os problemas.

Os robôs Hercules, sucessores parrudos das máquinas Kiva originais, transportaram uma imponente prateleira de bolsas cinzentas para um braço robótico com dois recipientes em forma de sacola.

De que maneira a automação já mudou os centros de distribuição

O braço balançou para cima para posicionar sua cesta na frente da estante correta, estendeu um dispositivo de sucção e agarrou uma caixa fora da prateleira. Uma fração de segundo depois, o braço abaixou e colocou a caixa em cima de um robô que aguardava, chamado Xanthus, um primo peso-pena do Hércules.

O que acontece a seguir não foi demonstrado, mas um vídeo do processo feito pela Amazon mostra Xanthus entregando a caixa a um trabalhador humano que estava à espera.

Esse é um processo mais ergonomicamente amigável do que o sistema atual, que exige que os funcionários se contorçam e se estiquem repetidas vezes para alcançar as prateleiras certas, correndo risco de se machucar para conseguir dar conta das metas de produtividade da Amazon.

Em última análise, dizem os roboticistas de fora que assistiram à demonstração, o sistema poderia acabar com esses trabalhadores completamente, com Sparrow colocando e retirando produtos das prateleiras.

A geração dos centros de atendimento que estão sendo construídos agora é projetada para acomodar o novo sistema, afirmou Quinlivan em uma entrevista.

A Amazon também pode reformar armazéns mais antigos, um processo que a empresa vai avaliar local por local, pois pode não fazer sentido reequipar instalações modernas que já conseguem despachar até um milhão de unidades por dia. “Haverá outros locais onde, se não der pra conseguir a mão de obra, isso vai ajudar”, disse ele.

Guardar e retirar produtos — “estiva e colheita”, no jargão da empresa — estão entre os trabalhos mais comuns nos armazéns da Amazon.

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“Se eles conseguirem descobrir — quando eles descobrirem — a capacidade de as entranhas do edifício serem armazenadas em contêineres, definitivamente será mais barato” de operar, disse Hahn, o ex-gerente de armazém, que hoje trabalha para a Pattern, empresa de e-commerce.

“Porque eles vão precisar de menos gente.” Alguém familiarizado com os planos da Amazon simplesmente descreveu o armazenamento em contêineres como uma “preocupação grande”.

A Amazon agora tem as peças necessárias para um armazém altamente automatizado se for levado em consideração outros anúncios no ano passado e que incluíram:

  • braços robóticos que classificam de modo autônomo produtos embalados
  • e Proteus, um robô capaz de transportar com segurança carrinhos preenchidos por humanos

A empresa diz que é cedo para Sparrow e que não finalizou os planos de como a máquina servirá para os armazéns. O braço atualmente está em fase de testes em uma única instalação na área de Dallas, ajudando a embalar com mais firmeza o estoque nas prateleiras da Amazon, tarefa relativamente marginal.

O robô só consegue lidar com 65% dos itens da Amazon, e às vezes se esforça para pegar produtos soltos ou mal embalados, além de ser suscetível a puxar uma lâmpada para fora de sua embalagem, disse Messinger, chefe de design do sistema.

Ash Sharma, que rastreia a automação do armazém na Interact Analysis, diz que o robô parece ter capacidades semelhantes às dos dispositivos de última geração feitos por outras empresas e suspeita que a implantação esteja “alguns pares de anos à frente”.

Como ficará a relação entre seres humanos e máquinas?

Os roboticistas da Amazon insistiram repetidas vezes que o objetivo é ajudar os trabalhadores, não substituí-los.

“Não poderíamos ter feito o que fizemos durante a pandemia sem a mistura de pessoas e máquinas”, disse Tye Brady, tecnólogo-chefe da Amazon Robotics, um otimista incorrigível no poder da tecnologia que garante que a empresa sempre terá trabalhadores humanos em suas instalações.

O objetivo de Brady é eliminar o trabalho pesado e as lesões por esforço, automatizando essa parte do processo. “Se eu conseguir acabar com os movimentos repetitivos”, acrescentou, “eu consigo eliminar o mundano”.

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Perguntado se a Amazon estava perto do ponto em que começaria a empregar menos trabalhadores em armazéns, o chefe de robótica Quinlivan desconversou, afirmando que estava mais preocupado em achar pessoas suficientes para ajudar a manter e gerenciar a crescente frota de máquinas.

A Amazon está treinando funcionários para preencher algumas dessas vagas. Entre as iniciativas, estão:

  • O Career Choice, programa da empresa que paga por hora de formação e capacitação profissional de funcionários, e que teve cerca de 50.000 participantes na sua primeira década
  • Depois que a Amazon expandiu o programa para incluir a emissão de diplomas universitários, foram quase 40.000 participantes só neste ano
  • Um programa mais focado da Amazon visa treinar futuros operadores de robôs e produziu cerca de 1.400 graduados em seus dois primeiros anos

No evento de imprensa para a apresentação do Sparrow, alguns desses funcionários estavam presentes, enviados para servir como prova viva de que o futuro robótico da Amazon incluiria seres humanos. Um deles era Kory Sellers, gerente de 22 anos de um armazém em Charlotte (Carolina do Norte).

Sua tripulação aposentou recentemente seu primeiro robô Hercules, e escreveu “obrigado” no robô por ter ajudado a manter a operação do armazém funcionando. Situado num canto da fábrica de robótica da Amazon, Sellers não tinha muito a dizer sobre o processo que estava acontecendo na frente dele, mas agradeceu ao empregador pela oportunidade.

“A Amazon Robotics me ajudou na minha vida e na minha carreira”, disse ele.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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