E o Oscar vai para… um homem, muito provavelmente

O primeiro trimestre do ano é sempre um tempo glorioso para o cinema. Momento de tapetes vermelhos, de altas expectativas das indústrias cinematográficas, de lustrar as estatuetas. Depois de uma sequência de premiações, com Globo de Ouro e Critics Choice Awards, chegou a vez do Oscar.Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood divulgou a lista de indicados à premiação de 2024 na última terça-feira, 23, e títulos como “Oppenheimer”, “Pobres Criaturas”, “Assassino da Lua das Flores” e “Barbie” lideram as nomeações. Mas a escolha dos críticos para certas categorias do Oscar não foi lá tão bem-vista nem pelo público e nem pelos próprios cineastas.

O motivo? Mais uma vez, a falta de diversidade na premiação que, ao longo de 96 edições, já ficou reconhecida por consagrar o trabalho homens brancos de colarinho e gravata borboleta com discursos previsíveis e pouco emocionantes.

Não que os homens não sejam merecedores dos prêmios que recebem. Mas a questão sobre isso é que, mais do que nunca, essas críticas sobre a falta de diversidade na premiação estão ficando mais… barulhentas. Deixou de ser algo restrito a internautas raivosos no Twitter e chegou a um pronunciamento dos próprios concorrentes à imprensa. Prova disso foi o comunicado oficial publicado por Ryan Gosling, que concorre ao Oscar na categoria de melhor ator coadjuvante por seus trabalhos em “Barbie”, em crítica à Academia, que deixou Greta Gerwig de fora dos concorrentes à melhor direção e Margot Robbie sem chances de disputar o prêmio de melhor atriz.

“Estou extremamente honrado por ter sido indicado por meus colegas ao lado de artistas tão notáveis ​​em um ano de tantos filmes excelentes […]. Mas não existe Ken sem Barbie, e não existe filme da Barbie sem Greta Gerwig e Margot Robbie, as duas pessoas mais responsáveis ​​por este filme histórico e mundialmente celebrado”, escreveu ele. “Nenhum reconhecimento seria possível para ninguém no filme sem seus talentos, coragem e genialidade. Dizer que estou decepcionado por elas não terem sido indicadas em suas respectivas categorias seria um eufemismo”.

Em ritmo (lento) de mudança

Na edição de 2024 do Oscar, pela primeira vez na história, três filmes dirigidos por mulheres foram indicados à categoria de melhor filme, a principal e mais importante da premiação. Sem dúvidas, é um avanço. Também é a primeira vez que uma pessoa indígena nativo-americana é indicada como melhor atriz, o que aconteceu com Lily Gladstone (“Assassino da Lua das Flores”) — com altas chances de levar a estatueta para casa.

Ainda assim, as categorias de peso sem distinção de gênero na premiação seguem dominadas por homens, o que é estranho quando se analisa a lista dos lançamentos mais bem conceituados do ano. Em 2023 — ano-base para a premiação do Oscar de 2024 —, boa parte das produções de destaque no cinema foi roteirizada ou dirigida por mulheres. Além de “Barbie” (Greta Gerwig), há títulos como “Vidas Passadas” (Celine Song) e “Anatomia de uma Queda” (Justine Triet), ambos indicados ao Oscar de melhor filme. Somente Triet, entretanto, foi contemplada na categoria de melhor direção, e disputará a estatueta com outros quatro homens.

Vale dizer que, em 96 anos de Oscar, somente nove mulheres concorreram ao prêmio de melhor direção. Três conseguiram levar a estatueta para casa: Kathryn Bigelow, pelo filme “Guerra ao Terror” (2008) — a primeira mulher na história a receber um prêmio nessa categoria —; Cholé Zhao, com “Nomadland” (2020), a primeira mulher não branca a conquistar o reconhecimento da Academia, e Jane Campion, por seu trabalho em “Ataque dos Cães” (2021). Campion foi a única, entre as nove mulheres, a ser indicada duas vezes.

As nomeações para o melhor roteiro, original e adaptado, têm números um pouco mais animadores (mas nem tanto). Seis mulheres já levaram a estatueta para casa nessas categorias: Frances Marion, com “O Presídio” (1930) e “O Campeão” (1931); Muriel Box, com “O Sétimo Véu” (1947); Jane Capion com “O Piano” (1994); Diablo Cody, com “Juno” (2007); Emerald Fennell, com “Bela Vingança” (2021); e Sian Heder, com “Coda – No Ritmo do Coração” (2023).

Para a premiação deste ano, Greta Gerwig é a única mulher que concorre à categoria de melhor roteiro adaptado, ao lado de Noah Baumbach, por “Barbie”. Para roteiro original, em um feito histórico, duas mulheres concorrem: Celine Song (“Vidas Passadas”) e Justine Triet & Arthur Harari (“Anatomia de uma Queda”).

A solução está nas novas categorias?

Quando esse assunto é posto à tona, muitos críticos e especialistas sugerem que, assim como acontece com as categorias destinadas a atores e atrizes, o mesmo deveria feito às de direção, roteiro adaptado e roteiro original. Outros defendem a tese de que as mulheres não são indicadas porque não há muitas diretoras e roteiristas em grandes filmes.

Sobre a segunda tese, já está mais do que provado que há, sim, muitas diretoras e roteiristas produzindo filmes — e não quaisquer filmes, mas os bons. Só no ano passado, a 47º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo trouxe 110 produções de 2023 dirigidas por mulheres entre seus mais de 300 filmes exibidos. O próprio Oscar tem pelo menos três bons longas roteirizados por cineastas do gênero feminino — eles só não chegaram, por algum motivo, às categorias de roteiro e direção.

No que tange criar novas categorias segregadas por gênero, a discussão é um pouco mais complexa. Será mesmo necessário criar forçosamente uma categoria só para diretoras e roteiristas, ou será que a Academia precisa abrir espaço para a diversidade nas categorias já existentes, ao invés premiar homens já muito conceituados na indústria cinematográfica, com tantos prêmios na estante que mais sobem ao palco em busca de adicionar mais um à coleção? Fica aí o questionamento.

É necessária a reiteração de que cineastas com trabalhos incríveis precisam, sim, ser reconhecidos. E isso independe do gênero. A direção genial de Martin Scorcese em “Assassino da Lua das Flores” tem mesmo que ser notada pela Academia, do mesmo modo que o trabalho brilhante de Christopher Nolan com “Oppenheimer” merece reconhecimento. Mas por que Greta Gerwig, que dirigiu de forma tão sensível um elenco num filme bilionário como “Barbie”, não entrou para a lista? E se o argumento é o conteúdo, por que então Celine Song, de “Vidas Passadas”, tão reconhecida em outras premiações, sequer disputa esse prêmio?

As mulheres nessas premiações ainda são muito mais mencionadas na mídia por suas vestimentas do que por seus trabalhos. Já estão restritas aos prêmios de categorias específicas (melhor atriz e melhor atriz coadjuvante). Hoje, reconhecimentos de peso do Oscar que podem ser disputados sem distinção de gênero — direção, roteiro adaptado, roteiro original —, no entanto, seguem liderados por homens. Às vezes, uma única mulher tem a sorte de ser indicada. Mas, em geral, não leva a estatueta para casa.

Leia as críticas dos filmes indicados ao Oscar

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