Fed: Um erro anunciado | Exame

Por Vitoria Saddi*

Em março, quando os dados da inflação americana dos preços ao consumidor (CPI) tinham acabado de sair, recordo de que a inflação cheia na comparação ano vs. ano até aquele mês de março era de 8,5%, acima da expectativa de 7,9%. Para fins de política monetária, o Fed monitora o chamado núcleo da inflação. Esse indicador veio em linha com as expectativas; atingindo 6,5% no ano vs. ano e 0,3% no mensal em março, quando o mercado previa 0,5%.

Talvez para padrões locais, a inflação americana seja aceitável, já que os números são muito maiores no Brasil. Entretanto, para os padrões americanos, não houve uma inflação tão alta e fora de controle desde 1982. Já era o prenúncio de que uma nova estratégia por parte do Fed deveria entrar em cena.

O atual argumento do Fed é que a inflação deixou de ser transitória. Em março, o Fed divulgou suas projeções de PIB, inflação e taxa de juros, conhecida como “dot plot”.

Naquele conjunto de projeções percebemos que o Fed almeja subir a taxa básica de juros até 2,5% em 2022. Mesmo que as autoridades admitam subir 0,5% em maio, o que importa é que o total de aumento previsto para 2022 (de 2,5%) só faz sentido se ocorrer em conjunto com o “quantitative tightening” (QT).

O mecanismo de QT anunciado em março afirma que a redução do balanço irá ocorrer inicialmente porque o Fed não irá reinvestir os títulos públicos que vencerem na sua carteira. De fato, o volume mensal anunciado é de US$ 95 bilhões, sendo US$ 60 bilhões de títulos públicos e US$ 35 bilhões de mortgage backed securities.

Assim, supondo que ele tenha US$ 60 bilhões de títulos públicos que vençam em maio, por exemplo, teremos a saída de US$ 60 bilhões de títulos da carteira do Fed (redução do volume de títulos no balanço do Fed e pagamento dos títulos pelo Tesouro). Nesse momento, haverá uma redução do balanço dos títulos na carteira do Fed equivalentes a US$ 60 bilhões.

Desse modo, o Fed terá menos US$ 60 bilhões em títulos e a mais em moeda na carteira. Quando o Fed não tiver a quantidade suficiente de títulos vencendo, ele irá vender títulos de duração menor.

Importante enfatizar que o mesmo mecanismo irá ocorrer com a parte de mortgage backed securities, sendo a única diferença o valor da venda mensal de títulos hipotecários (conhecidos como mortgage backed securities ou MBS), que será de US$ 35 bilhões por mês.

Durante o período de expansão monetária (“quantitative easing” ou QE), houve queda dos yields dos títulos longos, o que levou a um deslocamento da curva de juros para baixo. A ideia na retração monetária proposta no “quantitative tightening” (QT) é induzir um deslocamento para cima, o que levará a uma alta dos juros longos.

A expansão provocada no QE foi devido basicamente ao brutal aumento do volume de reservas do sistema financeiro. Desse modo, os bancos puderam emprestar mais e assim, aumentar consumo e expandir a economia. Espera-se que o inverso venha a ocorrer no QT.

Ou seja, a redução do balanço do Fed irá levar a um aumento das taxas de juros longas e, consequentemente, um aumento na taxa básica, o Fed funds. Nesse sentido, a política de QT deverá levar a um aumento adicional na taxa curta. De fato, talvez por isso, o Fed optou por uma subida modesta da taxa de Fed funds.

Há problemas de duas ordens. O primeiro é a magnitude da redução do balanço do Fed. Em 2017-2019, o Fed começou a redução não reinvestindo US$ 10 bilhões. Tal cifra subiu para US$ 50 bilhões em 2019, quando o processo inteiro foi interrompido. Fica claro que o maior volume mensal de redução do balanço (de US$ 10 bilhões para US$ 60 bilhões) deve provocar redução do nível de reservas excedentes de igual magnitude e aumento na taxa básica de juros.

Quanto menor o total de reservas excedentes, menor é o volume de empréstimos que os bancos podem fazer para as pessoas. Assim, os indivíduos deixam de consumir e, assim, a economia deve registrar um desaquecimento. A velocidade de redução do balanço do Fed deverá provocar instabilidade no mercado e retração na oferta de crédito de modo prospectivo.

O segundo problema é o impacto na taxa curta que será causado pela redução mensal de US$ 60 bilhões no balanço do Fed. Nunca foi tentada tal política e, assim, trata-se de algo novo.

Por tais razões, o ex-presidente Ben Bernanke sempre afirmou que havia muita incerteza quanto à redução do balanço com o término do QE. Segundo Bernanke, a redução do balanço não era apenas o “inverso” da expansão do mesmo. Havia ramificações e dúvidas cuja resposta não existe na teoria econômica e depende da aplicação prática para eventuais conclusões.

O atual momento vivido pela economia americana deve causar instabilidade e retração do sistema financeiro. A queda da inflação almejada pelo Fed poderia ocorrer de modo menos traumático se o Fed apenas aumentasse a taxa Fed funds com mais intensidade.

*Vitoria Saddi é economista e sócia-diretora da SM Futures.

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