Mágoas, revanche e eleições motivam disputa entre Alcolumbre e Mendonça

Dois nomes se tornaram obrigatórios em todas as conversas de políticos em Brasília: os de André Mendonça, ex-Advogado-Geral da União (AGU) e ex-ministro da Justiça, e do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado e atual titular da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. O destino do primeiro depende das decisões do segundo.

Depois de três meses que o nome do pastor “terrivelmente evangélico” Mendonça foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o embate entre o postulante a ministro e Alcolumbre envolve mágoas, revanche e estratégia no xadrez político que miram as eleições de 2022.

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A indicação de Mendonça chegou ao Congresso em 13 de julho e, desde o início, foi criticada por senadores, em parte pela atuação como AGU e como ministro da Justiça. Um dos problemas apontados foi o uso da Lei de Segurança Nacional contra críticos do governo. Mas, nos bastidores, parlamentares se incomodam muito mais com o perfil “lavajatista” do ex-ministro.

Nenhuma das resistências, porém, é tão grande quanto a do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), justo o responsável por marcar a sabatina de Mendonça. Para assumir o cargo de ministro da Suprema Corte, o indicado precisa passar pela CCJ e, depois, pelo plenário do Senado.

Mas, desde que a indicação chegou à comissão, Alcolumbre não tem a menor intenção de marcar a sabatina, por motivos difusos. Como presidente do colegiado e único responsável pela decisão, ele está há três meses contornando a pressão da bancada evangélica, ansiosa por ter um representante no STF alinhado com valores cristãos. 

O presidente da CCJ não quer Mendonça no cargo, e não está sozinho. Em embate com a bancada evangélica, o Centrão, insatisfeito desde o início com a proposta de um nome considerado lavajatista, trabalha para trocar a indicação. Alguns nomes já são levantados, como o de Alexandre Macedo, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ou de Jorge Oliveira, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

No início das tratativas, alguns senadores defendiam que a vaga fosse para Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já não pode assumir porque atingiu a idade limite para entrar na Corte, 65 anos. Outro nome, ainda muito cotado, é o de Augusto Aras, recentemente reconduzido à Procuradoria-Geral da República (PGR), o preferido de Alcolumbre.

Bolsonaro, no entanto, não está disposto a abrir mão do apoio da ala evangélica, um dos pilares de sustentação do mandato, nem de Aras na PGR, onde terá papel significativo, principalmente depois das denúncias da CPI da Covid. Além disso, trocar a indicação poderia ser visto como sinal de fraqueza política. 

Vingança

O perfil lavajatista e “terrivelmente evangélico” de Mendonça, no entanto, pode não ser o único motivo para a resistência de Alcolumbre. Parlamentares ouvidos pela EXAME dizem que também há, por trás, uma espécie de “vingança” do senador, que esteve com Bolsonaro nos dois primeiros anos de governo, quando era presidente do Senado, e não estaria satisfeito com o que recebeu em troca.

Um dos motivos seria que faltou apoio do presidente na disputa pela prefeitura de Macapá, no ano passado, da qual saiu derrotado o irmão do senador, Josiel Alcolumbre (DEM), candidato da situação. A inação do governo no apagão no Amapá teria pesado no resultado, dizem senadores. Alcolumbre esperava mais de Bolsonaro, de quem era aliado. 

Para o cientista político Leandro Gabiati, Alcolumbre está em busca de “prestígio”. E, por isso, pouco importa quem é o indicado. “No caso específico dele, a resistência não é necessariamente ao nome de Mendonça, embora a classe política tenha problemas com ele. É promessa não paga. Ele esperava alguma coisa, ao sair da presidência do Senado, e não obteve”, avalia. Pode ser, segundo ele, um ministério ou o cumprimento de algum acordo.

Disputa

Independentemente da razão, política ou pessoal, Alcolumbre acabou entrando em uma guerra aberta com a ala evangélica e com senadores que pedem a sabatina. Na quarta-feira, o senador afirmou, em nota, que tem “sofrido agressões de toda ordem”, sendo acusado até de intolerância religiosa. “Querem transformar a legítima autonomia do presidente da CCJ em ato político e guerra religiosa”, disse.

Na segunda-feira, 11, o pastor Silas Malafaia se revoltou contra ministros do governo que estariam contra a indicação de Mendonça. Mesmo avisado de que o indicado tem poucas chances de ser aprovado, caso haja sabatina, Bolsonaro ainda insiste nele, apesar de não contar com o engajamento de parte dos aliados. 

Segundo Malafaia, Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Faria (Comunicações) estariam conversando sobre a troca da indicação. Ciro negou que esteja agindo contra a marcação da sabatina e Fábio Faria disse que não participou das conversas citadas pelo pastor.

Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) recorreram ao STF para que a Corte obrigasse Alcolumbre a marcar a sabatina. O ministro Ricardo Lewandowski rejeitou o pedido, na segunda-feira, 11, alegando que é uma questão interna do Senado, que não deve sofrer interferência de outro poder.

Na sexta-feira, 15, a ministra Rosa Weber, do STF, enviou à PGR um pedido para investigar Alcolumbre pela demora em marcar uma data para a sabatina. O advogado que fez o pedido de investigação argumenta que o senador estaria utilizando o posto na CCJ para “buscar vantagens ilegais em troca do andamento da sabatina”.

A PGR decidirá se há indícios de crime que justifiquem a abertura de um inquérito contra o senador. No regimento interno do Senado, no entanto, não há prazo para que a sabatina seja marcada. Significa que, em tese, Alcolumbre pode segurar a indicação enquanto tiver vontade e condições políticas para isso. 

Desfecho

O desfecho da história pode estar perto, como espera o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que não quer se envolver no problema e diz que o impasse será resolvido nas próximas semanas. Mas também pode estar distante — Alcolumbre fica na presidência da CCJ até dezembro de 2022. 

Existem alguns cenários possíveis no momento. O primeiro é que Alcolumbre, pressionado, desista de segurar a sabatina por mais tempo ou consiga um acordo com o governo. Nesse caso, André Mendonça passará pelos ritos no Senado e poderá se tornar ministro do STF. Se a votação fosse hoje, no entanto, ele poderia ter o nome rejeitado.

A derrota seria um baque para o governo. A última vez que o Senado rejeitou um nome para o STF foi no governo de Floriano Peixoto, no século 19. O gerente de análise política e econômica da Prospectiva Consultoria, Adriano Laureno, ressalta que a adesão ao nome de Mendonça pode melhorar. “Quando a data da sabatina é marcada, o governo começa a se  mobilizar, liberar emendas atrasadas, e pode ter cenário mais favorável”, explica. 

Outro cenário possível é Alcolumbre segurar a sabatina até o ano que vem ou mais. Já especula-se que o objetivo é empurrar a indicação para 2023, de modo que Bolsonaro perderia o direito de indicar o ministro. Essa possibilidade, no entanto, é a mais difícil de acontecer, porque provavelmente os senadores reagiriam.

Alguns querem “obrigar”, de certa forma, Alcolumbre a pautar a sabatina. Pode ser que Pacheco paute diretamente no plenário, caso haja assinatura da maioria dos senadores nesse sentido. Outra possibilidade é que a liderança do governo no Senado consiga garantir a pauta na CCJ, com assinatura da maioria dos integrantes do colegiado, mas, nesse caso, ainda dependeria de data marcada por Alcolumbre.

Além disso, em um outro cenário, Bolsonaro pode retirar a indicação de Mendonça e substituí-lo por Aras ou por outro nome de mais consenso entre os senadores, como possivelmente de Jorge Oliveira. O maior problema, nesse caso, seria a reação da ala evangélica. “Pior do que a derrota no Senado seria a perda com a base eleitoral evangélica”, aponta Gabiati. É esse medo que hoje impede Bolsonaro de abrir mão de Mendonça.



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