Na COP 28, o petróleo invadiu a cena e negociadores correm contra o tempo por um acordo

DUBAI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS – A dois dias do final da Conferência das  Partes (COP 28), o impasse domina o ambiente. E um tema se sobrepôs às quase infindáveis questões relacionadas às mudanças climáticas: o phase down ou o phase out do uso de combustíveis fosseis. Os termos parecem mais complexos do que são. Na prática, a negociação na COP 28 é se o acordo final entre os quase 200 países incluirá — ou não — extinguir o uso de combustíveis fósseis até 2050 — e em qual ritmo e com quais datas estipuladas para isso.

“Fracassar não é uma opção”, disse nesse domingo, 10, o presidente da COP28Sultan Al Jaber, aos negociadores. A retórica é ambígua. Afinal, o seu país, os Emirados Árabes Unidos, e a empresa da qual é CEO, a Abu Dhabi National Oil Co, são especialmente interessados no assunto.

Na visão de quem entende do riscado das negociações internacionais, era natural que o tema viesse à tona nessa COP. “Isso que está acontecendo, sobretudo do ponto de vista de ótica, sendo aqui nos Emirados Árabes Unidos, no centro de produção de petróleo mundial, era difícil de não acontecer. Era previsível”, diz à EXAME Roberto Azevedo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). “É natural que países que tenham mais dependência da produção de petróleo defendam que o petróleo não é o problema. Seria muito espantoso se de repente víssemos esse país dizer ‘vamos acabar, vamos parar de produzir’.”

Embora o termo combustíveis fósseis apareça de maneira permanente na discussão climática, a primeira vez que a expressão fez parte do vocabulário oficial de uma COP foi em 2021, na COP 26. Em Glasgow, na Escócia, os lideres globais acordaram em “phase down” — isto é, diminuir — o uso de combustíveis fósseis.

“Temos quatro dias de COP. Essa é a COP dos combustíveis fósseis, a COP definitiva na qual tentaremos ter o primeiro compromisso sobre combustíveis fósseis”, dissse Jean Su, diretora da ONG Centro por Diversidade Biológica, durante coletiva de imprensa de organizações sociais e climáticas durante a conferência nesse sábado, 9. “Estamos na beira do precipício de um avanço incrível nessas discussões climáticas. É a primeira vez que [as indústrias de energia de] carvão, óleo e gás estão em xeque sobre um “phase out”, o que nunca aconteceu antes.”

Por que o debate divide?

E qual a grande dificuldade de incluir o termo no documento final? Em suma, pesa uma grande questão: as perdas econômicas potenciais dos países produtores.

No aspecto econômico, um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) destaca as preocupações de 40 países altamente dependentes de combustíveis fósseis, cujas economias estão fortemente ligadas a esses recursos. Deles, 31 são de baixa ou média renda. “Em média, esses países geram 14,3% do PIB em rendas provenientes de combustíveis fósseis anualmente, respondem por mais de 60% das exportações e provavelmente mais de um terço da receita total do governo”, diz o documento.

Sob um cenário ambicioso de descarbonização global, esse grupo de países pode perder mais de 60%, ou entre $12-14 trilhões (ajustados pelo valor presente), apenas em rendas de petróleo no período de 2023-2040 em comparação com um cenário de ‘negócios como de costume’.”

Tabela mostra os países analisados em estudo da UNP. – LIC: país de baixa renda; LMIC: país de baixa e média renda; UMIC: países de renda média alta; HIC: países de alta renda

Segundo o UNDP, trata-se de um perda de rendas de 120% e 142% do PIB nominal do grupo de nações. “Mesmo sem considerar esforços para a descarbonização, essas nações podem sofrer as mais severas consequências fiscais e econômicas da descarbonização global, impactando, em muitos casos, fundamentos socioeconômicos já frágeis”, diz trecho do paper.

Sem consenso e novas rodadas de conversa

Diante dessa natural resistência, os negociadores engataram conversas de alto nível na busca por um texto consensual nesse domingo, 10. Jaber, presidente da COP 28, convocou uma “majlis”, expressão árabe que descreve uma assembleia tradicional em que as pessoas se sentam em círculo e tentam resolver diferenças. 

Negociadores ouvidos por EXAME desconfiam de um texto que contenha a expressão. Mas as conversas mudam a todo o tempo — assim como as novas versões de documentos que são recebidas pelos diplomatas madrugada adentro.

E como está a mesa de discussões?

As negociações têm gravitado em torno de três caminhos para o tratamento que será dado aos combustíveis fósseis no texto final da COP28: abandonar, reduzir o uso ou simplesmente não mencioná-los no documento que será apresentado no encerramento da conferência do clima.

Uma parte relevante dos países que participam da COP, cerca de 80 – entre eles, Estados Unidos, União Europeia e as pequenas nações insulares –, vinha tentando costurar uma proposta para que se usasse a linguagem “eliminar gradualmente” os combustíveis fósseis.

No entanto, a oposição dos produtores de petróleo da Opep, incluindo seus aliados, tem dificultado avanços neste sentido. Estados como Arábia Saudita e Rússia seguem na defesa de uma proposta que trate das emissões de CO2, mas não das fontes que geram esses gases.

A China adotou postura mais progressista. Em discurso, Xie Zhenhua, principal enviado para o clima da segunda maior economia do mundo, afirmou no sábado, 9, que o documento final da COP28 só pode ser considerado bem-sucedido se houver a inclusão se incluir um acordo sobre combustíveis fósseis.

No entanto, Zhenhua, que vem trabalhando de forma muito próxima ao Secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, se omitiu sobre o apoio ou não de um possível acordo de eliminação gradual.

No sábado, 9, a ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribera, que representa a União Europeia (UE) em Dubai, junto com a Comissão Europeia, não fez rodeios ao se referir ao lobby das petroleiras durante a COP.

“Na minha opinião, acho que é muito repugnante o que os países da Opep estão fazendo. Não estamos falando de eliminar amanhã os combustíveis fósseis, mas se não criarmos as condições para reduzi-los, para que consigamos sua eliminação, a transição energética não acontecerá”, disse de forma incisiva.

A declaração de Ribera foi uma reação a uma série de investidas dos países produtores de petróleo. A maior parte da artilharia vem da própria Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Em carta aos países-membros, enviada na semana passada, o secretário-geral apelou em tom de ameaça: “A pressão indevida e desproporcional contra os combustíveis fósseis pode alcançar um ponto de inflexão com consequências irreversíveis”.

Até aqui, a COP já produziu uma série de compromissos por parte dos países, como a triplicação das energias renováveis e da energia nuclear, a redução da utilização do carvão e a redução das emissões do poderoso gás com efeito de estufa, o metano. Para a Agência Internacional da Energia (AIE), os compromissos, se forem adiante, reduziriam até 2030 as emissões globais de gases de efeito estufa relacionados com a energia em 4 mil milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono equivalente.

Apesar de parecer expressivo, o volume é apenas cerca de um terço das emissões que precisariam ser reduzidas nos próximos seis anos para limitar o aquecimento a 1,5ºC, como definido no Acordo de Paris de 2015, segundo a agência.

Esse é o recado que, talvez, possa exercer alguma pressão sobre os negociadores. Desse domingo até a terça-feira, 12, quando se encerra a conferência, as tentativas de acordo invadirão as madrugadas.  O tempo urge. E as chances de sucesso para medidas que auxiliem para evitar o crescimento desgovernado da temperatura do planeta parecem baixas até aqui. Por enquanto.

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