Novidade da reforma trabalhista, vagas intermitentes aceleraram em 2019

São Paulo — Uma das novidades da reforma trabalhista, os contratos de trabalho intermitente estão crescendo em número e participação no mercado de trabalho brasileiro. 

Desde que passou a vigorar, em novembro de 2017, a modalidade não registrou nenhum mês negativo de criação de vagas.

Os contratos intermitentes permitem que o empregador pague o funcionário por hora, mas dentro das regras de contratação da CLT. O trabalhador, por sua vez, deve ser avisado do serviço com três dias de antecedência e pode recusar, além de poder ter mais de um contrato intermitente simultaneamente.

Com saldo de 85 mil vagas em 2019, a modalidade respondeu por 13,3% do resultado de 644.079 vagas (número de postos abertos menos o de fechados) registrado em 2019 pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia

No ano anterior, foram 50 mil vagas intermitentes, cerca de 10% dos 529.554 novos postos com carteira assinada.

Os números, ainda que muito abaixo das previsões ultraotimistas do governo Michel Temer de 55 mil vagas intermitentes por mês e dois milhões em 3 anos, estão acelerando tanto em termos relativos quanto absolutos. 

“(Quando foi criada a modalidade), o Brasil estava com o desemprego ainda mais alto do que hoje e sem perspectiva de novos postos. O motor da economia estava falhando. Demorou um pouco para começar a engrenar, e o trabalho intermitente, em particular, passou por muita insegurança jurídica”, diz Renan Pieri, professor especialista em economia do trabalho da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Processos

Apesar de ter adesão quase imediata de algumas redes do comércio varejista — como Magazine Luiza que já em 2017 contratou milhares de funcionários intermitentes para reforçar a equipe em épocas de megapromoções — a modalidade deixou empresários preocupados com a possibilidade de processos.

Um caso notório ocorreu em 2018, quando o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais decidiu pela anulação de um contrato de trabalho intermitente de um funcionário temporário da rede. O juiz entendeu que ele estava substituindo as funções regulares de um trabalhador efetivo como assistente de loja.

Essa insegurança jurídica, segundo Duque, só foi melhor equalizada no ano passado, com uma maior aceitação por parte da Justiça em relação às novas regras.

Dona desde 2018 da Plant Fazendas Urbanas, empresa que monta hortas orgânicas em telhados ou paredes de grandes prédios, Edileusa Andrade achou no trabalho intermitente uma forma mais barata de reforçar a equipe toda vez que precisa montar os espaços.

“Antes, eu contratava funcionários autônomos para ajudar no trabalho. Agora, eu ligo num banco de profissionais que eu tenho e faço as convocações de acordo com o tamanho do serviço. Reduziu muito o custo de contratação e deixou menos burocrático”, diz.

O funcionário temporário, possível de ser contratado mesmo antes da reforma, não resolveria a demanda de Andrade, já que há um tempo mínimo exigido para o período de serviço que nem sempre combina com a característica do seu negócio.

A Plant tem cinco funcionários formais fixos, mas, segundo Andrade, mais de 300 famílias agricultoras participam indiretamente e uma montagem pode precisar de até quatorze funcionários extras.

Edileusa Andrade, da Plant Fazendas Urbanas Edileusa Andrade, da Plant Fazendas Urbanas

Edileusa Andrade, da Plant Fazendas Urbanas (Plant Fazendas Urbanas/Divulgação)

A ocupação que mais contratou trabalhadores intermitentes em 2018, segundo dados do Ministério da Economia, foi Assistente de Vendas (7,3 mil), seguida por Servente de Obras (2,7 mil), Cozinheiro Geral (1,9 mil), Faxineiro (1,8 mil) e Garçom (1,7 mil).

Segundo Duque, o conceito por trás da modalidade do trabalho intermitente não é substituir o trabalho tradicional.

“Há setores para os quais a vaga intermitente faz mais sentido, como em serviços de buffet, por exemplo, que passam por sazonalidades específicas. Ou até para a indústria, cujas companhias veem seus pares internacionais passando por um processo de flexibilização do trabalho”, diz.

As regiões com maior número de trabalhadores dentro da modalidade foram São Paulo (18,5 mil, 30%), Minas Gerais (8,9 mil, 14,5%), Rio de Janeiro (6 mil, 9,7%) e Paraná (4,6 mil, 7,5%).

Ônus não deve ser a regra

Embora o valor por hora do funcionário que trabalha sob contrato intermitente não possa ficar abaixo do piso da hora de quem ganha um salário mínimo por mês, não há garantia de que, somadas, as horas cheguem ao salário mínimo mensal.

Uma pesquisa do Dieese divulgada na semana passada mostra que isso não costuma acontecer e que em 2018, muitos dos contratos passaram boa parte do ano inativos, ou seja, gerando pouco ou nenhum trabalho e renda.

Ao fim de 2018, a remuneração mensal média paga para cada vínculo intermitente foi de R$ 763, contando os meses a partir da admissão, trabalhados ou não. Na época, esse valor equivalia a cerca de 80% do valor do salário mínimo no país (R$ 954).

“O bônus para o trabalhador é que ele pode acumular mais de um trabalho. O ônus é o risco de ficar sem opções se as empresas não chamarem para serviços”, diz o economista Daniel Duque.

O argumento de que a nova modalidade seria uma forma de “precarização do trabalho” é frequentemente usado pelos críticos da modalidade, e foi citado por vários juízes trabalhistas que questionaram a nova lei, incluindo na decisão sobre a Magazine Luiza.

“Trabalho precário é o trabalho informal, que não tem nenhuma regulamentação. Se o trabalhador fica doente, fica sem receber, não tem nenhuma capacidade de barganha com o empregador. O trabalho intermitente é regularizado, o funcionário recolhe INSS e desfruta da seguridade social”, rebate Renan Pieri.

“Agora, a gente não pode se enganar. O que torna o trabalho de má qualidade é, primeiro, crescimento econômico desalinhado da melhora na produtividade do profissional. Sem formação adequada, o trabalhador tem menor chances de conseguir melhores rendimentos”, completa.

A resposta sobre se a modalidade significa novas vagas ou precarização de vagas já existentes só será melhor entendida ao longo do tempo, e provavelmente em outro contexto de mercado de trabalho. 

A criação de empregos no Brasil pode chegar a 1 milhão de postos em 2020 caso o Produto Interno Bruto (PIB) avance 3% este ano, projetou o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcomo, nesta sexta-feira. Oficialmente, a expectativa do governo é de alta de 2,4%.

Apesar da volatilidade registrada pelo Caged no ano passado, os dados vem trazendo indícios de uma retomada mais robusta da atividade econômica, em linha com a melhora da confiança e associada aos avanços graduais da agenda de reformas, disse a consultoria 4E em nota recente a clientes.

“Quando olhamos a média móvel trimestral encerrada em dezembro, em termos dessazonalizados, fica evidente o ganho de ritmo do mercado”, diz.

A tendência vista pela 4E para 2020 é de aceleração para a criação de empregos, especialmente formais, puxado por “maior dinamismo da atividade econômica em conjunto com a melhora da confiança”. Mesmo assim, a informalidade segue como um desafio.

No trimestre encerrado em novembro, a taxa de desemprego no Brasil caiu a 11,2%. Ao mesmo tempo, a população ocupada informal atingiu 38,8 milhões de pessoas, recorde da série histórica que vem desde 2012, segundo dados do IBGE.

O número de dezembro será conhecido na próxima sexta-feira (31), data prevista para a publicação da Pnad Contínua pelo órgão. O trabalho intermitente foi incluído no questionário, mas o IBGE analisa se os resultados ainda são muito rarefeitos para aparecerem de forma significativa numa pesquisa amostral.

Outro desafio é garantir que a nova pergunta seja colocada de forma compreensível. Também para a população, o trabalho intermitente ainda é fonte de mais dúvidas do que certezas.

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