Os bastidores da revolução do iogurte grego na Vigor

Gilberto Xandó protagonizou uma das maiores transformações empresariais no mercado de bens de consumo brasileiro na última década. Entre 2011 e 2019 ele comandou a fabricante de lácteos Vigor, dona também de marcas como Danúbio e Faixa Azul. Foi um período turbulento, em que o grupo J&F, controlador da companhia, colocou o negócio à venda para focar a operação do frigorífico JBS. Desde 2017, a Vigor é controlada pelo laticínio mexicano Lala. Após um acordo com os novos controladores de permanecer no cargo por dois anos, Xandó deixou o posto no dia 31 de dezembro e agora estuda novas empreitadas no mercado de consumo. “Transformamos a percepção do público com a Vigor”, disse o executivo a EXAME. “É o tipo de lição que vale para qualquer negócio”.

Qual foi a maior transformação da Vigor nesses nove anos de gestão?

Viramos uma marca aspiracional, o que era impensável em 2011. Nós fizemos coisas simples que conseguiram transformar a percepção de uma empresa. Culminou num negócio de venda para estratégico. A empresa foi comprada a 1 bilhão e foi vendida a quase 6. Essa história da companhia pode ajudar outros negócios no Brasil. Não é impossível.Alguns até trouxe de volta. A Vigor era uma empresa que faturava 1,2 bilhão de reais e hoje fatura quase 4 bilhões. O Ebitda passou de 50 milhões para 200 milhões em 2018.

A empresa era focada nas classes C e D quando o senhor assumiu. Isso era um problema?

Para ganhar dinheiro no mercado lácteo é preciso se posicionar para quem tem dinheiro. Para isso era preciso ter ambição de ser protagonistas no mercado, para brigar com Nestlé e Danone. Os produtos tinham nível baixo de gordura e de sabor. Mudamos a fórmula de todos. Também era preciso inaugurar áreas que não existiam, como marketing e planejamento.

Como mudar sem que a equipe ache que fazia um trabalho ruim?

Mostramos que, se queremos ter posicionamento de marca para brigar como Danone e Nestlé, era preciso mudar. As pessoas entendem isso. O foco estava em volume, que trazia margem pequena no fim do ano. Mudamos a fórmula, as embalagens, a comunicação com o consumidor, e a precificação. Nunca pensamos pequeno. O redesenho de embalagem foi com uma empresa referência na Califórnia que fez a marcado Facebook e do Google.

O que foi mantido?

Fiquei 21 anos na Sadia, uma empresa que traz um ensinamento. Nos bons tempos da Sadia sempre houve a preocupação de valorizar quem conhecia o negócio, o que depois foi se perdendo. O conhecimento está nas pessoas. Trouxemos de volta para a empresa o João Fernando, comprador de leite que havia sido mandado embora. Ele conhece as vacas de alguns dos 3 500 fornecedores pelo nome. Não podemos abrir mão desse tipo de pessoa. No fim do ano ele fez 52 anos de empresa. Sem ele, tínhamos perdido 30% no volume de leite.

O lançamento do iogurte grego foi o maior marco de sua gestão?

Sim. Vim da natura, de onde 80% do faturamento vem de produtos lançados nos últimos 24 meses. Cheguei aqui e a métrica era 3,5%. Pus uma meta aleatória, de 35%, para provocar uma ruptura. Ficou claro que precisávamos de um novo produto relevante. Aí veio o grego. Era preciso um marco de mudança de patamar. Isso mobilizou a companhia. O grego já era 50% da gôndola nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil ainda não existia. Por que não podia ser referência aqui também? A Danone já brigava com a Chobani lá, mas não trouxe o produto ao Brasil, com a impressão de que não tinha renda nem público para esse produto. Mas aí nós entramos, em 2013.

Por que é tão difícil lançar um produto emblemático?

Poucas companhias têm produtos que mudam o setor. O iPhone é o exemplo mais emblemático. Queríamos ter três gregos por ano, que inaugurassem uma categoria e virassem referência. É muito difícil de fazer. Mas toda empresa de consumo precisa ter um processo de inovação pujante, com coisas que ativem o mercado e motivem a equipe.O grego forçou toda a empresa a mudar de patamar. Hoje compramos o mesmo volume de leite de oito anos atrás, mas multiplicamos os resultados.

Qual a próxima aposta?

Um objetivo nos últimos anos foi fazer dos queijos um negócio relevante. É um negócio de 700, 800 milhões de faturamento, com enorme capacidade de crescimento. Desde 2011, vem crescendo 20 a 22% ao ano. Ano passado anunciamos que quintuplicamos a fábrica de Faixa Azul. Antes o vendedor vendia iogurte, queijo e leite. Agora temos gente dedicada, que acorda, almoça e dorme pensando em queijo. Perdemos sinergia, mas ganhamos foco. A arla foods tinha 8% do negócio e era sócia há 37 anos. Mas a marca danúbio era meio a meio.

Como o senhor blindou a empresa dos contratempos dos controladores?

A Vigor é cascuda, porque já tinha passado por momentos como esse — foi comprada pela família Mansur, depois pela Bertin, depois pela JBS. As pessoas estavam sendo reconhecidas, e sabiam que a conjuntura forçava uma venda. Em 2017 criamos um processo de concorrência, que teve 11 interessados. O fato de termos sido vendidos para uma empresa do setor, a Lala, também ajudou.

Qual o plano de médio e longo prazo para a Vigor?

Continuar crescendo no Brasil — hoje 50% de nossas vendas são feitas no estado de São Paulo, ante 85% de 2011. A meta é crescer em outros estados. Para crescer no Nordeste podemos precisar de novas fábricas. A Lala tem também o desafio de elevar a rentabilidade — no México, a margem ebitda é de 12% a 14%, mas no Brasil é 7%. O mercado brasileiro é muito difícil.

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