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Omarson Costa: Na febre do conteúdo, “profit is the new black”

Você decidiu assistir a um pouco de TV. Tem a programação normal dos canais abertos à disposição. BBB, futebol, novelas, jornais. Nada chama atenção de primeira. Aí, você tenta o streaming e mergulha de vez no mar de opções. Sobretudo se assinar mais de um serviço. Às vezes acaba até desistindo. Não por falta, mas por excesso de alternativas. Até parece TV a cabo – quem é pelo menos da geração Z vai entender a referência.

A Nielsen fez uma pesquisa nos EUA para medir essa sensação. Levantou a quantos programas um espectador médio tinha acesso, somando-se a TV convencional e os canais de streaming. Concluiu que a abundância de oferta é rigorosamente real. Mas quanto, exatamente? Segure-se: 817 mil títulos. Sim, quase 1 milhão de opções. Isso representou um aumento de 18% em relação a 2019, antes do crescimento de audiência e assinaturas nos anos de pandemia.

Em 2022, os americanos consumiram 170 bilhões de horas de conteúdo no streaming por semana, mais até do que em 2021. De forma linear, essa semaninha duraria 194 milhões de anos. Segundo relatório da Sandvine, em 2022 o tráfego global de internet cresceu 24% e o de vídeo 25%, sendo que a categoria representa 65% do total de dados que transitam pela internet. Especialistas apontam que nem faz mais sentido vídeo ser uma categoria porque quase todo aplicativo que busque interação com ou entre usuários tem recurso de vídeo.

Dados assim podem sugerir uma exuberância fenomenal do mercado. Assim como as tulipas holandesas, a avaliação das ações de empresas de internet nos anos 1990 ou a crise do subprime de 2008, esses números indicam que se trata de uma exuberância irracional e que a era de ouro (tivemos uma era de ouro do streaming?) do streaming chegou ao fim.

O que me autoriza a endossar a tese, com números tão impressionantes, é uma percepção crescente no mercado. Fatos que tomados isoladamente e confrontados com o crescimento global do streaming em audiência podem esconder o verdadeiro cenário.

O primeiro ponto de atenção – e o mais ruidoso – aconteceu no segundo semestre de 2022. Depois de anos dizendo que publicidade dentro da Netflix era tão improvável quanto a abolição da lei da gravidade, o todo poderoso Reed Hastings avisou que a maior potência desse mercado ia, sim, ter uma versão de assinatura mais barata suportada por… anúncios. Sim, a Netflix lançou em novembro em 11 países sua versão subsidiada por publicidade. Não chegava a ser um AVOD (Advertising Video on Demand) porque, no YouTube, por exemplo, quando você paga a assinatura, os comerciais somem. No caso da empresa com sede em Los Gatos, tem a taxa de assinatura. Voltaremos aos resultados dessa experiência mais adiante.

Em dezembro, a Netflix comunicou que não haveria uma terceira temporada da série Warrior Nuns sobre freiras gays com superpoderes, baseadas em um mangá e que tinha uma base de fãs muito fiel, que ficou arrasada. Mais revolta ocorreu com a virada do ano e a confirmação pelos criadores do cancelamento de 1899, uma série de suspense muito bem recebida por crítica e público. No meio de janeiro, a TNT (parte da família Warner Bros. Discovery) admitiu que não iria exibir a temporada final de Snowpiercer, que já estava inclusive gravada. Faz sentido?

Em todos os streamers recebemos notícias de cancelamentos. Por que? Pode-se apontar várias razões para cada caso em particular. Warrior Nuns era muito nichada? A produção de 1899 foi acusada de plágio. O estúdio que produziu Snowpiercer ambiciona fazer uma franquia a partir da série e estaria procurando novo lar para abrigar o título. Só que, no fundo, começa-se a notar uma semelhança de perfil entre elas: produções caras. Snowpiercer tem muita computação gráfica, que consome tempo e recursos. A lógica dos canais de streaming seria economizar? Como assim?

A firma de análise Ampere calcula que o gasto total com conteúdo no streaming em 2023 no mundo chegará à impressionante marca de US$ 243 bilhões, quase o dobro do que se gastava há uma década. O ritmo de crescimento desse gasto explodiu em 2022. Um bom ponto de comparação se dá com as séries Game of Thrones e Senhor dos Anéis. O megassucesso da HBO consumia em sua 1ª temporada US$ 6 milhões por episódio. A “prequel” da saga de Tolkien torrou dez vezes mais por episódio. Ou seja, 1 episódio desta custearia a temporada toda da outra. Mesmo comparando dentro da HBO, House of the Dragon, que é a Prequel de GOT, custou 3 vezes mais por episódio. Por que?

Como a lógica da indústria na última década foi sempre crescer a base de assinantes, o conteúdo foi rei absoluto e as extravagâncias foram aumentando. Nos anos 1990 e 2000, havia um predomínio do gênero sitcom, que é basicamente um programa que ocupa meia hora na grade de programação e tipicamente 20 minutos de duração de uma história filmada em estúdio, com externas bastante limitadas. A longeva Friends é símbolo da época. No final de sua carreira de duas décadas, o salário de cada um dos atores protagonistas custava US$ 1 milhão por episódio.

Na virada do século cresceu o número de séries que ocupavam 1 hora na grade, chamadas genericamente de dramas. O canal a cabo FX entrou pesado nesse ramo em 2002, quando lançou a aclamada série policial The Shield, um dos paradigmas de roteiro bem feito na indústria. Desde então, o FX divulga anualmente uma espécie de placar com o volume de séries originais produzidas em língua inglesa. Naquele ano, foram apenas 182 séries roteirizadas (135 exibidas na TV linear e o resto no cabo; o streaming sequer existia).

Em 2011, foram exibidas 266 séries roteirizadas nos EUA, mesmo ano em que estreou Game of Thrones. A série, com seu mix inusitado de fantasia e drama político, foi filmada na Irlanda, na Croácia, parte em estúdio, parte no Marrocos e parte na Islândia, com alguma computação gráfica, atores de teatro e apenas um nome famoso, Sean Bean. Uma década depois, em 2022, foram exibidas em língua inglesa 599 séries originais – recorde que pode até ser batido esse ano. House of the Dragon, além de filmada em diferentes locações, exibiu efeitos de maquiagem e computação gráfica muito mais complexos e teve uma estreia mundial consagradora, assistida por 10 milhões de espectadores simultâneos na HBO/HBO Max.

Durante a última década, roteiristas, diretores, produtores e atores começaram a ser disputados por valores progressivamente mais altos para projetos cada vez mais complexos até o campeão Senhor dos Anéis, do Prime. Séries eram contratadas por telefone, sem ao menos um pitch ou prova de conceito (termo do mercado para testar se um programa é viável em termos de público e produção). Só que esse recorde nos desvia da compreensão de onde estamos exatamente.

Ao longo desta competição desenfreada por assinantes (a fonte de receita básica ou ARPU, uma das métricas da indústria), Wall Street foi tolerante com os operadores dos serviços, considerando que os seguidos prejuízos das operações eram um custo necessário do crescimento. Até que em meados do ano passado, a Netflix, que é o paradigma do setor, a empresa que criou e mudou o mercado de entretenimento, anunciou pela primeira vez em uma década que sua base de assinantes encolhera, gerando uma onda de pessimismo no mercado.

A partir daí, os players do setor começaram a voltar o foco para aumento de receita em vez de crescimento da base de assinantes. Com a economia desacelerando, o movimento de abandono da TV a cabo e uma retração dos anunciantes desencadeou notícias incomuns no setor, como demissões de executivos. O próprio Hastings deixou seu posto de CEO. Com uma dívida bruta de US$ 50 bi, a Warner, controladora da HBO, sacrificou séries e demitiu.

O caso da aclamada Westworld é típico. A série de ficção científica de Jonatan Nolan poderia até receber uma quinta temporada, mas não nesta fase difícil na HBOMax e sim no canal FAST da Warner, o que implicaria em custos muito mais baixos que os exigidos para uma série conceitual como aquela. Ao mesmo tempo, no anúncio dos resultados do 3º trimestre, a gigante de mídia comemorou o fato de que naquele período seu portfólio de TV foi o número 1 em tempo de audiência nos EUA.

Da metade do ano passado pra cá, as encomendas de séries novas nos EUA caíram cerca de 25%, segundo o jornal The New York Times. Afetaram sobretudo a Netflix e a Warner Bros Discovery, que abriga a HBO, a TNT, a Cartoon Network, Discovery e TBS. Apple e Amazon são as que mais desmentem a tendência, sobretudo porque não possuem o mesmo tipo de restrição orçamentária, dado que o grosso da receita de ambas não depende do setor de entretenimento.

Profit is The New Black

A indústria tem alguns problemas sérios acontecendo ao mesmo tempo e isso tem a ver com o modelo de negócio e meios de distribuição.

Na era de ouro de Hollywood, um filme gastava com atores, roteiristas, a produção e era exibido nos EUA, no mercado internacional e depois era negociado para a TV aberta. Ali no tempo em que o FX iniciou a medição do número de séries, um produto roteirizado tinha pelo menos 5 fontes de receita. Guerra nas Estrelas faturava nas bilheterias do cinema. Depois de algum tempo, ia parar nas videolocadoras. Mais alguns meses, o mesmo título estreava na TV a cabo e depois passava a ser vendido no varejo (DVDs) para, cerca de um ano depois do debut nos cinemas, virar “grande estreia” da TV aberta. Tudo isso eram janelas de monetização.

O sucesso da Netflix a partir de 2011 fez esse modelo desmoronar. Primeiro ela drenou o público dos cinemas e exterminou as videolocadoras. Pra que sair de casa se eu posso ver no meu sofá? Então perdemos a receita das Blockbusters e as bilheterias reduziram a contribuição. Não é à toa que Hollywood hoje aposta tanto nas franquias. Porque são garantia de público fiel. A popularização do streaming a preços que chegavam a ser 10% da mensalidade do cabo também aposentou o DVD.

Na medida em que a Guerra do Streaming se instalou e as produções originais começaram a viralizar mundo afora, as séries na TV aberta com a inconveniência da grade fixa entraram em declínio. O ano de 2022 ficou marcado como o de menor número de séries originais encomendadas.

Com a audiência em queda livre e faturamento de publicidade também declinante, a TV linear aposta em reality shows e esportes. Veja no gráfico abaixo a distribuição de programas mais assistidos nos EUA. Para subsidiar o tíquete caríssimo dos direitos de transmissão esportiva, no entanto, a produção de conteúdo precisava gastar menos. Por que a Globo já está na 23a. edição do BBB? Resposta: Porque é rentável! A expectativa da emissora é faturar R$ 1 bilhão em 2023 com o programa.

Com exceção de 4 programas políticos, a entrega do Oscar e o desfile de Ação de Graças, o restante dos programas mais assistidos são transmissões esportivas

No Brasil, este movimento é mais lento. As emissoras de TV linear mantêm um grande alcance no território brasileiro. Em 2021, 205,8 milhões de brasileiros assistiram aos canais de TV aberta e a cabo. O tempo médio diário gasto em frente à telinha ficou em 5h37min, com 31% desse tempo dedicado ao entretenimento. Mas a estreia do BBB de 2023 foi a segunda pior da história. As novelas amargam perda de audiência e relevância. Vale lembrar ainda que a principal geradora de conteúdo do país é também a maior rede de TV linear e que solidifica a estratégia digital no Globoplay.

A TV a cabo, que já foi a casa por excelência das séries aclamadas que levaram a se declarar a década de 2000 a 2015 a era de ouro da TV, ficou cara demais perto do streaming. Para que pagar R$ 100 pela TV por assinatura se eu pagava R$ 10 pelo Amazon Prime ou R$ 15 pela Netflix? O processo batizado nos EUA como “cord cutting” (cortar o cordão) fez o público progressivamente abandonar os provedores desse serviço.

Então um filme hoje fatura menos que há três décadas e quando sai do cinema vai direto pro streaming, sendo que os canais a cabo e a TV aberta devem pagar bem menos pelos títulos. Por isso as janelas de tempo diminuíram entre o lançamento e a “Tela Quente”. A equação é ainda pior para quem produz conteúdo original (séries) no streaming. Ou faz sucesso no streaming ou… (sons de grilo).

Outro efeito típico da era do streaming é a famosa FOMO (a neurose que faz as pessoas gastarem dinheiro com assinaturas para não perder programas badalados). A Nielsen descobriu que o americano tem em média 3 a 4 assinaturas e, em casos piores, até de 9 serviços. Aí, a lógica econômica vira a mesma da TV a cabo. Se o streaming ainda por cima começa a declinar em volume de assinantes, o custo de produção em alta se torna insustentável. Com o assinante no limite de gastos e a receita por assinante caindo, a conta não fecha.

House of ADs

Netflix e Disney fizeram grande alarde para o lançamento de suas respectivas versões com anúncio. No final de janeiro, relatório da Ampere Analysis mostrou que, desde novembro de 2022, o modelo de assinatura básica com anúncios da Netflix recebeu adesão que corresponde hoje a 8% do seu público, sendo que um quarto do total de assinantes já estava na base e migrou de plano. O resto é recuperação de assinantes ou novos, uma boa notícia.

No 4º trimestre de 2022, a Netflix apurou uma receita de US$ 7,8 bilhões, inferior ao do período anterior, mesmo com os anúncios. Fontes do mercado reclamaram para o site Techcrunch que os CPMs dos anúncios no streamer estavam a preços de Superbowl, ou seja, muito caros. O diretor comercial da empresa, Jeremy Gorman, afirmou que eles não podem ter anúncios demais para não decepcionar o público e que o ambiente premium justificaria o custo para os anunciantes.

Ele pode ter até um ponto razoável, mas tem um problema também que se chama ByteDance, a empresa por trás do onipresente TikTok. Enquanto o CPM da Netflix está em ritmo de “tarifa dinâmica”, a rede de vídeos curtos tem o CPM mais barato, 50% inferior ao do Instagram e 30% inferior ao do Twitter. E tem um detalhe extra. O índice de engajamento dos usuários com os vídeos na plataforma é dez vezes superior ao do Instagram. Para Caroline Giegerich, VP de Inovação da Warner Music, o TikTok precisa deixar de ser encarado como uma “rede social”.

Além do plano com anúncios e do endurecimento da empresa em relação aos assinantes que compartilham senhas, a Netflix se diz aberta a incorporar canais FAST (ou Free Ad-supported TV, sigla que designa transmissão de programas ao vivo e com anúncios), para gerar nova fonte de receita. O YouTube também tem planos de fazer este tipo de transmissão.

A Disney (Disney+, Hulu e ESPN) atingiu o recorde de 235 milhões de assinantes no final de 2022. Só que a operação de streaming continua deficitária, apesar de providências como aumento do preço da assinatura por um lado e criação de um plano com anúncios.

O resumo da numerália da Netflix é o seguinte. O plano com anúncios ajudou a empresa a subir o número de assinantes, provando que o preço mais baixo ajuda na aquisição e retenção de audiência. Ainda assim, o volume líquido de ganho de assinantes vem caindo nos últimos três anos. Num ambiente de gasto com conteúdo em trajetória de alta, significa que o custo de aquisição de assinantes disparou mais de 100%, chegando a US$ 284.

Então a indústria do streaming enfrenta um paradigma digno de um filme de aventura. Assinantes em alta, roubando share de audiência e anunciantes das TVs a cabo e dos canais lineares. Só que a operação está muito cara e Wall Street, depois dos sustos que tomou ao longo do ano passado, passou a exigir a mesma coisa que faz para a maioria das companhias. Agora quer ver resultados financeiros consistentes, não discursos sobre “o futuro da TV”. A ordem é entrar no azul!

Billions a menos na Casa do Streaming

Disney e Netflix planejavam gastar, somadas, mais de US$ 50 bi em conteúdo ao longo de 2023. Mas essa inflação de custos de produção, já provamos, é insustentável. A solução é o famigerado “corte de gastos”.

Mais do que as ruidosas demissões no ecossistema ou o abandono de projetos potencialmente perdulários, o streaming precisa urgentemente racionalizar custos. E é aí que entra a tecnologia. A grande vedete do momento para responder a essa angústia de executivos e investidores se chama Inteligência Artificial.

Em vez de investir US$ 200 milhões numa série escrita por J.J.Abrams (o mesmo de Lost), que tal “contratar” um software de open AI, tipo ChatGPT, para escrever o roteiro? Parece loucura?

Pois a experiência já foi feita. Aaron Kemmer e Richard Juan operaram o ChatGPT não só para substituir o roteirista como o diretor na produção de um curta com cerca de 6 minutos de duração chamado Safe Zone. Uma prova do potencial da ferramenta. Além da economia de salário dos principais membros da criação, um filme dessa complexidade, com 3 atores e uma locação, levaria entre 30 e 45 dias para ser completado. Safe Zone foi completado em um fim de semana!

ChatGPT WRITES & DIRECTS THE FIRST AI FILM IN 7 DAYS (Artificial Intelligence)

O filme não é material para ganhar Oscar, mas ainda pode se desenvolver muito a ponto de começar a ser capaz de escrever storylines longos e complexos.

Outro custo que pode ser substituído é o da construção da trilha sonora. O produtor informa o “mood” e a ferramenta produz uma música usando o aplicativo Soundraw.

O público de streaming, tanto nos EUA como no Brasil, dá preferência para assistir a programas dublados. No Brasil, um salário de um ator dublador gira em torno de R$ 15 mil, podendo chegar a quase R$ 50 mil. Nos EUA, o site da No Film School informa que um processo de dublagem dura de seis a doze semanas.

Com o deepdub esse processo é radicalmente alterado. Basta escolher um idioma e o sotaque e pronto. O programa de IA reproduz a voz do ator original, só que “falando” em diversos idiomas. Tempo de produção, custos menores e experiência melhorada. A dublagem brasileira tem boa fama, mas não dá pra comparar com escutar o próprio Tom Cruise falando em português ou grego.

Por fim, há os efeitos especiais. As últimas temporadas de Game of Thrones, a de Senhor dos Anéis no Prime ou Snowpiercer na TNT utilizaram pesadamente os recursos de computação gráfica. Por isso, entre a filmagem e o lançamento, há um hiato de tempo maior.

Os estúdios de animação, popularmente conhecidos como VFX, precisam de estruturas caras. Cada artista demanda computadores dos mais avançados em termos de velocidade, interface gráfica e capacidade de processamento e armazenagem. Além dos artistas de maquiagem, trajes e próteses.

Se um dublê deixou vazar alguma peça de roupa ou a produção esqueceu um copo do Starbucks em cima de uma mesa de um castelo medieval, isso tem de ser retirado na pós-produção, um trabalho demorado e, ainda que feito em um computador, tem alto grau de trabalho artesanal.

Na medida em que foram ficando maiores, os dragões de GOT passaram a exigir recursos mais avançados. O artista desenha, modela e insere. E o computador precisa renderizar. Em casos mais “graves” as empresas montam uma espécie de CPD (quem ainda lembra desta sigla ?) para que os efeitos possam renderizar mais rapidamente. Deu pra ter uma ideia do custo?

Aí entra em cena a computação quântica, uma teoria dos anos 1980 que veio sendo aperfeiçoada. Para não fugir muito do objetivo aqui, basta dizer que ela não utiliza a física newtoniana ou de Einstein. Os processos são subatômicos e os comportamentos dessas partículas (os qubits) seguem sob rigoroso estudo.

Especialistas acham que ainda leva um tempo para que laboratórios de computação quântica sirvam empresas ou o público em geral com aplicações no estilo SaaS. Mas quando estiver disponível, a promessa é que, por causa de sua capacidade de fazer operações simultâneas em velocidades muito maiores que a computação convencional, a renderização gráfica será imensamente beneficiada, poupando mão de obra e tempo. Um dos softwares state of the art para os especialistas em VFX, o Houdini, estaria preparado para aproveitar os benefícios da computação quântica.

The Last of Us ou A Streaming Horror Story

Ainda não está claro o quanto a computação quântica e a inteligência artificial vão avançar e em que velocidade. Mas o potencial é muito grande e no pós-pandemia ficou claro que a transformação digital foi acelerada – não deverá ser diferente para o setor de entretenimento.

Estaríamos nós em um filme-catástrofe ou em uma distopia cruel para o setor de entretenimento? Não acredito. Acho que nos próximos anos viveremos algumas ondas neste mercado, a se confirmar a tese do fim da era de ouro do streaming.

  1. Não vai acontecer na indústria do streaming o que houve no cabo, esse sim em meio a uma catástrofe. Mas é muito provável que haverá consolidação, menos competidores disputando a atenção dos assinantes. Os tempos de cancelamentos frequentes, mais comuns nas redes de TV, podem voltar e serão dolorosos para muitos fãs.
  2. O mercado anunciante está migrando para o streaming (e para o modelo FAST) de forma cautelosa mas resoluta. Até os esportes, que são o bastião da resistência da TV linear e do cabo, estão começando a migrar. O Prime transmite futebol americano, o Tiago Leifert transmitiu a Copa do Qatar pelo Globoplay, a HBO transmite campeonato paulista de futebol. O YouTube também está em negociação por direitos esportivos.
  3. Há uma outra dor a resolver, a do consumidor. No começo do artigo, disse que muita gente desiste de sintonizar um canal de streaming por excesso de opção. E isso pode até piorar com o FAST. O Roku Channel nos EUA tem quase 400 canais. Não é tão fácil trocar de aplicativo se compararmos com a experiência da TV linear em que você ligava o aparelho e ele já estava sintonizado em algo. Então, os serviços de streaming terão de descobrir como reproduzir em múltiplos dispositivos o velho macete do alt+tab do Windows. Com a palavra os fabricantes de Smart TVs. (A TV virou software? Leia o artigo).
  4. Para todos os efeitos, parece que a Netflix continuará sendo a baliza do mercado. Tudo o que acontece em Los Gatos é percebido como tendência da indústria, inclusive no Jardim Botânico (sede da Globo).
  5. Precisamos prestar atenção ao TikTok, que é a rede que mais cresce e mais fatura e com um detalhe: os custos de produção ficam todos com os usuários.
  6. A tecnologia pode tornar a criatividade humana irrelevante? O ChatGPT ainda tem chão para construir um roteiro com a engenhosidade de um Tarantino ou a profundidade psicológica de um Ingmar Bergman, mas a evolução é rápida.

Pode ser que em breve as pessoas adiram ao JOMO, ou seja, Joy of Missing Out, e simplesmente levantem do sofá pra fazer outra coisa. Como dizia o personagem Fred em O Conto da Aia: “Better never means better for everyone. It always means worse for some.”

*Omarson Costa é executivo C-level e atuou na América Latina desde startups até empresas da Fortune 500



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