Vamos imitar a África do Sul?

O Brasil é o maior produtor mundial de açúcar e de café, o segundo maior de soja, o terceiro maior de minério de ferro. O que pouca gente percebe é que o Brasil também é uma potência em outro produto ainda não tão bem explorado sob o ponto de vista econômico, para geração de emprego e de negócios locais. Nosso país é de longe o maior produtor de natureza do mundo.

Depois de décadas acompanhando projetos de conservação em várias partes do mundo, o biólogo espanhol Ignacio Jiménez Pérez fez, mais uma vez, uma reflexão sobre um dos maiores desafios de quem luta pela conservação da natureza: como mudar a forma como a natureza é contabilizada na nossa visão pragmática do mundo. Ou seja: como tirar a natureza da linha de custo e passar para a de investimento. Ou como fazer o grande patrimônio natural de um país sair da coluna de ativos imobilizados para a de meios de produção.

Ignacio é um dos criadores de uma expressão que começa a ser empregada para designar uma atividade econômica importante: a produção de natureza. No passado, as grandes áreas naturais – dominadas pela vida selvagem – eram predominantes na superfície do planeta. Na medida que a civilização humana foi ocupando e alterando as paisagens dos continentes, as áreas naturais foram encolhendo e hoje ocupam fragmentos cada vez menores do planeta. Cada vez menores e mais valorizados.

As grandes áreas naturais não ocorrem mais espontaneamente. Elas são fruto de trabalho de reconstituição e manutenção. É preciso limpar os rios, repovoar as florestas, demarcar os limites, zelar contra os invasores, evitar o fogo, administrar os visitantes e mapear os recursos presentes na região. Tudo isso, diz Ignacio, é um tipo de produção. Atrai investimentos, gera emprego, traz retorno financeiro.

O conceito de produção de natureza ocorreu a Ignacio nos anos 1990 quando estava trabalhando para o casal americano Doug e Kristine Tompkins na criação de grandes áreas de conservação na Argentina. Doug foi o fundador das empresas The North Face e Esprit, duas gigantes globais de roupas esportivas. Ele casou com Kris, CEO de outra gigante da moda esportiva, a Patagonia. Apaixonados por natureza, os dois criaram um fundo para comprar terras na Patagônia do Chile e da Argentina e doar para a criação de parques nacionais. O desafio de Ignacio era articular a criação das áreas naturais com os interesses das comunidades locais, incluindo governadores, prefeitos, comerciantes, fazendeiros e camponeses.

“Foi surpreendente para mim que a ideia de doar um grande parque nacional para a sociedade fosse recebida com resistência”, conta Ignacio. “Isso nos obrigou a buscar uma nova forma de comunicação com a sociedade. Passamos a explicar para que serve uma área natural protegida. Um ponto importante é que não estávamos propondo um jeito de conciliar a conservação com a produção. Nada disso. Nossa proposta era uma nova forma de produção, onde os ecossistemas naturais restaurados servem como base para o desenvolvimento local, principalmente com atividades de turismo.”

Em 2016, Ignacio foi estudar a experiência dos países do Sul da África. Embora tenha menos áreas naturais do que o Brasil, a África do Sul ganha mais dinheiro com turismo de natureza do que nós. Isso foi fruto de investimento realizado nos anos 1990, na onda da redemocratização. A África do Sul recuperou reservas naturais e criou novos parques nacionais na região de Maputaland, na fronteira com Moçambique, onde as montanhas encontram planícies na costa do Oceano Índico, com toda a incrível megafauna africana, como girafas, rinocerontes, guepardos e leões. No parque da zona úmida de iSimangaliso, o trabalho incluiu desde a construção de pousadas e estradas para turistas até a reintrodução de animais nativos. O número de estabelecimentos turísticos aumentou 60% nos últimos anos. Hoje, são cerca de 7 mil empregos permanentes e 3 mil temporários ligados ao turismo do parque.

Hoje a grande potência mundial do turismo ecológico são os Estados Unidos. Os americanos inventaram os parques nacionais em 1872 com a criação do Parque Nacional de Yellowstone e em 1890 criaram os parques Sequoia e Yosemite. O país promoveu a cultura de visitação de carro como um programa de família dos parques nos anos 1940 a 1950. Assim, as instituições da família, do automóvel e dos parques nacionais se tornaram sagradas na cultura americana. Só em 2017, a visitação aos parques americanos rendeu US$ 887 bilhões, com a manutenção de 7,6 milhões de empregos. Os parques americanos receberam 300 milhões de pessoas naquele ano. Compare isso com os 10 milhões de visitantes dos parques brasileiros no mesmo ano e imagine quantos empregos e renda a produção de natureza pode gerar no Brasil.

As ideias completas de Ignacio estão no livro “Produção de Natureza”, que acabou de ganhar uma versão em português editada pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), ONG que trabalha com a recuperação e o desenvolvimento econômico de grandes áreas de Mata Atlântica no Paraná.

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