ARTIGO: David Feffer, do conselho da Suzano, e o “Efeito Coringa” | Invest

Por David Feffer, Presidente do Conselho de Administração da Suzano S/A, especial para a EXAME

Grandes artistas, de certa forma, parecem capazes de antever o futuro. É o que percebemos ao analisar desde obras de Leonardo da Vinci, com o seu projeto de helicóptero em pleno século XV; Júlio Verne, com “Vinte Mil Léguas Submarinas”; ou mesmo “Os Jetsons”, animação dos anos 60 criada pela dupla William Hanna e Joseph Barbera, entre tantos outros. Mais recentemente, o filme “Coringa” de Todd Phillips me parece ser uma delas.

Para além do cenário de caos e violência, Phillips mostra um panorama extremo de desconstrução dos modelos socioeconômicos atuais, de desconexão das instituições que ainda nos regem com a realidade e de falta de confiança e esperança das pessoas nos sistemas vigentes, gerando muita raiva e revolta, o que chamo aqui de “Efeito Coringa”. Analisando nosso cenário contemporâneo de desconstrução socioeconômica, ambiental e geopolítica, em um ambiente de intensas transformações e instabilidades, me pergunto se não teremos um “Efeito Coringa” nas próximas décadas e o que podemos e devemos fazer a respeito.

A pandemia da Covid-19 trouxe profundas mudanças na forma como vivemos e nos relacionamos. Sabemos que, no curto prazo, a imunização e a consequente retomada econômica não virá de forma igual para todos. Olhando para um horizonte maior de tempo, existem previsões de que novas e frequentes epidemias façam parte do nosso tão falado “novo normal”, que exigirá vacinações recorrentes, além do uso de máscara e distanciamento social, eventualmente por mais alguns anos.

No campo ambiental, as próximas décadas devem vir acompanhadas de eventos alarmantes, como secas regionais, tsunamis e aceleração do aquecimento global. Alguns especialistas correlacionam esses fatores ambientais ao desenvolvimento de novos vírus, a exemplo do relatório de 2019 do Global Health Security Index, que concluiu que “mudanças climáticas, urbanização, deslocamentos internacionais em massa e migração estariam criando condições ideais para a emergência e a disseminação de patógenos”.

Devemos reconhecer todos os ganhos que a revolução tecnológica nos trouxe. Porém, precisamos olhar com atenção para as alterações profundas nas formas de organização do trabalho e produção de riqueza, a exemplo da descentralização dos serviços financeiros com a expansão das criptomoedas e da supervalorização das companhias de tecnologia em contraposição às empresas de ativos reais. Somados aos fatores citados acima, ou até influenciados por eles, há um desafio social importante: por um lado, temos as menores taxas históricas da população vivendo na extrema pobreza. Por outro, testemunhamos o aumento expressivo da desigualdade social e do desemprego, que provocam, além de dor, muita raiva, revolta e insegurança emocional.

Esses eventos sanitários, ambientais, sociais e econômicos são fatos que não ocorrem de forma isolada, mas sim como parte de um complexo movimento sistêmico, que pode gerar o “Efeito Coringa”. Mas minha intenção aqui não é ser alarmista nem pessimista. Quem me conhece sabe que sou um otimista convicto. Meu propósito é dar mais luz ao tema justamente para que, como sociedade, possamos juntos buscar as soluções.

Começo reforçando alguns grandes e importantes avanços que estamos vivendo, em diferentes áreas: o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 em tempo recorde, usando todo o nosso repertório científico e tecnológico, com enorme colaboração entre profissionais de diversos países, é um grande exemplo. Para além da Covid-19, a medicina e a ciência vêm passando por avanços exponenciais na prevenção e cura de doenças que há séculos acometem a humanidade, como alguns tipos de câncer, e no desenvolvimento de imunoterapias. Como consequência, estamos vivendo mais e melhor. Da mesma forma, a tecnologia verde e a inovação associada à sustentabilidade têm passado por grandes evoluções, com um foco cada vez maior em temas ambientais e sociais. A questão da mobilidade e nossa forma de viver, inclusive a forma como encaramos a produtividade, a qualidade de vida e o trabalho remoto, também está passando por uma transformação positiva.

Alguns especialistas dizem que a história é cíclica. No livro “The Fourth Turning”, William Strauss e Neil Howe mostram um padrão de repetição em blocos de aproximadamente 80 anos (o equivalente a uma vida produtiva), subdivididos em ciclos que duram por volta de 20 anos (ou gerações). Como estações do ano, os autores argumentam que ao longo de nossa vida passaremos pelos 4 ciclos: primavera (“ascensão”), verão (“despertar”), outono (“desenrolar”) e inverno (“crise”).

Acredito que, além dos avanços citados acima, o empreendedorismo, em todas as suas dimensões, será a chave para passarmos por esse inverno e plantarmos as sementes que vão florescer na próxima primavera. O empreendedor, que tem dentro de si a capacidade de identificar problemas e enxergar neles oportunidades, que tem a coragem para assumir riscos e inovar, certamente trará as soluções para reconstruirmos os modelos socioeconômicos que estão em risco e semear um novo futuro. Não como “salvador da pátria”, mas com muito trabalho, dedicação e ousadia.

E falo aqui de empreendedorismo como um conceito expandido, aplicado não apenas no campo privado (seja o intraempreendedorismo, dentro das empresas já existentes, ou em novos negócios), mas também o empreendedorismo social e o político. Para isso, precisamos estimular a liderança. Líderes que transformam, que inspiram pelo exemplo, independente da posição que ocupam, pois não se trata de hierarquia, mas sim de trabalho para melhorar os lugares em que se está presente. A formação de líderes e tão essencial que basta pensar que, para transformar qualquer lugar, precisamos, antes de tudo, transformar a nós mesmos, assumir a liderança de nossas vidas e da mudança que queremos ver no mundo.

No campo político, para repensar e alterar os modelos atuais, precisamos estimular a formação de jovens líderes empreendedores na política, dispostos a romper com as formas tradicionais de se fazer política, com pensamentos e competências baseados na democracia e na meritocracia e voltados à inovação. A política, seja ela local, nacional ou internacional, é um dos instrumentos mais efetivos de aplicação em larga escala de soluções para desafios sanitários, ambientais, econômicos e sociais. E, para fazer a diferença, não é necessário sentar na cadeira mais alta de uma instituição ou transformar todas as estruturas organizacionais. Toda transformação começa com uma primeira ação e cada um pode fazer a diferença. Tornar a secretaria de uma pequena prefeitura mais eficiente e produtiva, com atendimento melhor ao cidadão, por exemplo, já melhora a vida de muita gente.

Sim, são grandes os riscos e incertezas, mas as oportunidades de inovação e progresso que temos em nossas mãos hoje são exponenciais! Temos as melhores tecnologias e as maiores chances de sucesso para reconstruir os modelos que estão em desconstrução. Assim, utilizando essas ferramentas, com otimismo, empreendedorismo e mão na massa, temos um caminho para escapar de um possível “Efeito Coringa”.  Como disse Winston Churchill: “O pessimista vê dificuldade em cada oportunidade; o otimista vê oportunidade em cada dificuldade”. Sejamos otimistas!

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