‘Há risco de recessão nos EUA com atual política monetária’, diz El-Erian

Há grande risco de ocorrer uma recessão nos EUA devido à condução da política monetária pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), pois a inflação está muito alta e há uma mudança estrutural no lado da oferta que os modelos macroeconômicos não captam muito bem. É o que diz o economista Mohamed El-Erian, consultor-chefe do grupo Allianz e presidente do Queens College da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, El-Erian argumenta que o Fed despertará para a situação e irá reduzir os estímulos monetários à economia americana no final do ano, quando a inflação alta não tiver diminuído para a meta de 2% e persistir entre 4% e 5%. Ele acredita que a redução de estímulos não começará antes de dezembro e deverá durar entre 10 a 12 meses.

“O Federal Reserve já deveria ter começado esse processo. Atualmente, é quase impossível apontar os benefícios da compra de US$ 120 bilhões de ativos financeiros por mês”, afirma. “Depois disso, haverá alta de juros e a primeira elevação ocorrerá em 2023, o que eu penso que será tarde demais.”

Na avaliação do economista, o Federal Reserve “está refém do arcabouço errado de política monetária”, que baseia-se nas evidências de inflação registradas no passado. Contudo, o mais adequado seria ouvir os comentários de companhias que apontam estar ocorrendo alta de custos por causa de três fatores: gargalos nos transportes, falta de trabalhadores e de matérias-primas. “Estas dificuldades de diversas empresas não vão terminar logo, mas elas têm poder de formação de preços, pois a demanda está muito alta.”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Qual é a avaliação do senhor sobre a condução da política monetária pelo Federal Reserve, especialmente sobre o processo de redução gradual do programa de estímulo monetário?

Na semana passada, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, orientou o mercado para esperar um anúncio mais tardio sobre a redução de estímulos. Antes da entrevista coletiva concedida por Powell ao final da reunião do Fed de julho, o consenso era de que o banco central dos EUA poderia anunciar alguma medida em agosto ou setembro e a colocaria em prática em novembro ou dezembro.

Após esta conferência de Powell, tal expectativa mudou, com o anúncio em novembro ou dezembro e o começo deste processo ocorreria em janeiro ou março de 2022. O Federal Reserve já deveria ter começado esse processo. Atualmente, é quase impossível apontar os benefícios da compra de US$ 120 bilhões de ativos financeiros por mês. Mesmo o setor de imóveis está muito aquecido. E o Fed continua comprando US$ 40 bilhões em ativos atrelados a hipotecas de residências.

Ninguém entende porque está fazendo isso. Há custos e riscos. Em primeiro lugar, temos um problema de inflação em evolução. Esta não é a inflação que é registrada no Brasil, mas sim uma taxa de 3% a 5% para uma economia que normalmente atinge uma marca menor que 2%. Estão ocorrendo riscos econômicos desnecessários. E continuam a ser criadas bolhas nos mercados financeiros, o que significa que há um risco de instabilidade financeira que pode trazer efeitos negativos para a economia.

Quando observo tudo isso, eu me pergunto por que o Fed está adotando tais medidas. E isto tem consequências para países como o Brasil, pois se os EUA espirram os mercados emergentes pegam um resfriado.

Por que Jerome Powell está esperando demais para iniciar a redução de estímulos, na sua avaliação?

Os EUA têm uma história de inflação baixa e Powell não quer voltar a observar novamente este fato. Há também a variante Delta da covid-19, o que torna o cenário econômico incerto. Powell tem repetido diversas vezes que a inflação é transitória mesmo reconhecendo que a inflação está ficando mais alta e duradoura do que ele esperava.

Além dos eventuais efeitos da variante Delta, ele também está preocupado que ocorra um fenômeno semelhante ao registrado no último trimestre de 2018, quando ele tentou apertar a política monetária, mas o mercado financeiro o forçou a voltar atrás de forma constrangedora.

Nesse ambiente, quais são as chances de Jerome Powell de ser reconduzido à presidência do Fed no início do próximo ano pelo presidente Joe Biden?

Ele é o favorito. Powell comandou uma resposta muito forte à crise econômica no ano passado gerada pela pandemia. Os mercados o amam. E há o risco de que, caso ocorra uma mudança na presidência do Fed, pode causar excessivas incertezas em uma conjuntura repleta de dúvidas. Mas esta é uma decisão política, e eu não sei qual será.

Por outro lado, penso que a sua principal vulnerabilidade é que se ele não for reconduzido rapidamente, digamos nos próximos 2 ou 3 meses, a alta da inflação poderá se tornar um problema político, que já existe, mas poderá ficar ainda maior.

O senhor está cético de que o aumento da inflação nos EUA não será temporário como aponta o Federal Reserve?

Há um problema que ocorre agora. Modelos macroeconômicos não capturam bem mudanças estruturais. E a economia dos EUA está passando por uma imensa mudança estrutural no lado da oferta. O correto a fazer agora é não confiar em modelos macroeconômicos, mas escutar o que as companhias estão dizendo.

Eu escuto companhias todos os dias e elas apontam três questões relativas a aumento de custos de produção: uma delas é transportes, a segunda é a falta de trabalhadores e a terceira é matérias-primas. As dificuldades de diversas empresas não vão terminar logo, mas elas têm poder de formação de preços, pois a demanda está muito alta.

Eu e você sabemos que esses fatores provocam aumento da inflação. Há alguns elementos de aumento da inflação que são transitórios e reversíveis, como efeitos de comparação estatística em relação a preços que caíram muito no ano passado devido à pandemia, mas mesmo assim a inflação, medida pelo CPI (Índice de Preços ao Consumidor, na sigla em inglês), está em 5,4% e há menor influência de fatores estatísticos. E há mais inflação por vir que ainda não atingiu o índice.



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