Lutz sobre Ultra: ‘primeiro, arrumar a casa; aquisição é para depois’

“Acabaremos esse ano com um balanço forte, com as empresas em um nível de eficiência operacional bastante bom, ainda que com algumas melhorias para fazer, mas muito mais preparadas para fazer um movimento no portfólio. Mas isso não significa que faremos algo necessariamente. Precisa aparecer algo interessante e bom”, disse Marcos Lutz, presidente do Grupo Ultra, em sua primeira entrevista exclusiva, concedida ao EXAME IN. Dentro do conglomerado, um dos mais importantes grupos industriais do Brasil, com 85 anos de história, estão a distribuidora de combustíveis Ipiranga, a Ultragaz e a Ultracargo.

Lutz chegou ao grupo em uma situação muito diferente que a de um executivo somente. Depois de dez anos como CEO do Grupo Cosan, ele decidiu fazer uma mudança de ciclo. Veio para Ultrapar, empresa na qual começou sua carreira como executivo, como acionista dentro do bloco de referência, com uma fatia de aproximadamente 1%. “É um investimento para a vida. Tenho um ciclo como executivo, um como conselheiro e, depois, um só como acionista.”

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Nesta terça-feira, dia 26, Lutz também teve o primeiro contato amplo com investidores desde que chegou ao conglomerado que neste ano deve ter receita da ordem de R$ 130 bilhões, segundo previsão do próprio executivo. No ano passado, a empresa teve receita líquida de R$ 118 bilhões — e desse total, R$ 7 bilhões vieram de Oxiteno, negócio vendido por US$ 1,3 bilhão à Indorama. A venda foi anunciada em agosto, mas somente no começo de março a transação foi aprovada pelo Cade.

A chegada de Lutz, nessa mistura de acionista e executivo, vem cercada de muitas expectativas. Durante anos, o Grupo Ultra desfrutou de uma percepção de “toque de midas” da holding. Desde 2018, contudo, essa avaliação mudou brutalmente, em especial, após sucessivos equívocos na gestão de Ipiranga, a maior das controladas. Hoje, a companhia vale menos de R$ 15 bilhões na B3 — um terço do auge alcançado quatro anos atrás.

Há muita ansiedade sobre o que o Ultra fará para recuperar o valor do negócio, em especial para retomada de eficiência da Ipiranga e uma nova estratégia para o portfólio da holding. A chegada de Lutz foi coordenada pelo herdeiro Fabio Igel. O executivo, além de conhecer o grupo, possui um vínculo de amizade com a família. O plano inicial era que Lutz se tornasse chairman do conglomerado, como sucessor de Pedro Wongtschowski. No último momento dos preparativos, ficou decidido que Lutz assumirá a liderança do conselho apenas em 2023 e que, por um período de 15 meses, será CEO do grupo. “Foi o jeito que todo mundo ficou mais confortável”, afirma, sobre a mudança de planos.

Lutz falou ao EXAME IN muito sobre formação de time, sobre tornar o grupo Ultra um celeiro de talentos, e tratou de gerir a ansiedade do mercado. “Portfólio é uma mistura de estratégia e oportunidade. E oportunidade a gente não controla”, ressaltou ele durante a entrevista. Quando falou do assunto para uma plateia lotada, com cerca de 300 ouvintes, exemplificou: “Quem compra imóvel caro para ter renda, vai ter a vida toda um ROIC (retorno sobre capital investido) baixo.” Ao mesmo tempo, enfatizou a longevidade que ainda vê para o negócio de distribuição de combustíveis no Brasil, devido à forte produção e competitividade do país em biocombustíveis (como etanol).

Foi um jeito de alertar os investidores de que eles ainda precisarão de paciência para ver novidades de peso. Recentemente, os investidores de Braskem ficaram felizes ao saber que o Grupo Ultra quis olhar o negócio — mais como curiosidade, do que como plano. Sobre isso, Lutz, é claro, não comenta. Todo o discurso do executivo, porém, leva a crer que essa é uma oportunidade que só será aproveitada se perdurar por mais algum tempo. “Puxamos o freio de arrumação, depois de vender a Oxiteno”, disse ele.

Quanto aos talentos, está nos planos de Lutz fomentar um debate, que precisa de aprovação do conselho de administração, de mudança na estrutura de remuneração. Não custa lembrar que Pery Igel, filho do fundador Ernesto Igel, foi um dos mais arrojados empresários nesse sentido, quando na década de 80 dividiu as ações da família com os executivos.  Mas, seus sucessores, mesmo beneficiados pela política, não levaram adiante essa prática, o que culminou numa crise de talentos — a despeito da forte cultura empresarial. Muitos acreditam que essa crise teve início muito antes dos problemas de Ipiranga e que foi assim que o conglomerado perdeu Fabio Schvartsman.

Exemplo das consequências disso está na própria Ipiranga. Nos últimos três anos, foram contratados oito diretores executivos para empresa e sete vieram de fora, isso em um grupo com 2.500 funcionários e décadas de existência. O diagnóstico foi, inclusive, apresentado aos acionistas durante o Ultra Day.

O evento foi marcado quase que por um mea culpa a respeito dos erros na distribuidora de combustíveis nos últimos anos, misturado ao plano em andamento. A companhia acaba de ganhar dois novos diretores: princing e logística. Eram posições que não existiam. A iniciativa deixa clara quais serão as frentes atacadas, junto com suprimentos e trading e engajamento de rede. Desde o segundo semestre do ano passado, já foram reformados mais de 2.000 postos (que vendem 4% mais após as mudanças) e foram realizadas entrevistas com mais de 4.000 revendedores, para entender erros e acertos dos últimos anos, para definir as melhorias.

Enquanto arruma a casa e estuda o futuro do portfólio, o Ultra está cuidando da estrutura de capital em seu conceito mais básico: gestão de dívida. A companhia anunciou no início do mês uma recompra de bonds que pode alcançar US$ 550 milhões — mais de 1/3 do que foi obtido com a venda da Oxiteno e 65% dos títulos de dívida em circulação. No balanço consolidado, a empresa tinha R$ 16,7 bilhões em dívida bruta para R$ 6,7 bilhões em caixa (antes de receber o pagamento da Indorama).

Confira abaixo os trechos da conversa com Lutz:

Como está sendo sua chegada? Já deu para diagnosticar tudo?

Tem um lado forte de conhecer a casa. Comecei a trabalhar nesse prédio aqui. É no mesmo lugar. Tem várias referências já existentes. Mas as coisas estão todas se confirmando. São ativos de muita qualidade. Marcas fortes. Cultura de muito ética e muito consistente. Temos gente com real vontade de acertar e fazer direito. Todas as bases de solidez do Grupo Ultra estão aqui.

Por que voltar ou por que vir para o Ultra?

Eu tive um ciclo super especial na Cosan. Fiquei mais de 10 anos como CEO e sempre tive na minha cabeça que isso é um tempo máximo para as posições. Mas minha jornada pessoal aqui é completamente diferente da que tive no Grupo Cosan. Foi uma decisão difícil porque as duas empresas competem. Mas aqui é um investimento para a vida. Tenho um ciclo como executivo, um como conselheiro e, depois, um só como acionista. Não vim como executivo, vim como sócio. E, além disso tudo, tem a relação forte com a família fundadora, que é algo muito importante para mim. Foi uma soma das duas coisas.

Qual sua missão como executivo?

Acho que a missão como CEO e como conselheiro é muito parecida. É ajudar a construir novos caminhos. Os negócios estão em fases distintas, mas existe de fato uma necessidade de recuperação do resultado da Ipiranga e o foco é eficiência operacional. No caso do grupo como um todo, é definir quais serão as avenidas de crescimento futura e como vamos surfar a onda de transição energética.

Como é  vir para um negócio de infraestrutura e que precisa reencontrar a rota de expansão, nesse momento em que as empresas que atraem atenção, de investidores e dos talentos, são justamente as de alto crescimento?

O vício e a virtude andam muito juntos. Os negócios de grande crescimento, notadamente os digitais, têm pouco capex envolvido nessa expansão. São modelos muito escaláveis. E isso associado a um mundo com taxa de juros baixo, teve um valor explosivo. Mas o outro lado dessa moeda é que esses são negócios mais fáceis de serem disruptados. É muito comum que possam deixar de existir, porque apareceu um novo entrante mais eficiente e inovador. Já o negócio da infraestrutura tem características não tão positivas no crescimento, mas muito mais sólidas contra disrupção. Muito mais difícil [disruptar] e, em alguns casos, quase impossível. E é esse negócio sólido que vai ser a base para construir um grupo econômico que fará outros investimentos, com certeza, e vai achar caminhos de crescimento mais agressivos.

Mas não é mais difícil para atrair talentos? Seu trabalho nessa frente do Grupo Cosan é muito reconhecido.

Esse é o grande desafio de toda empresa. As pessoas perguntam sobre estratégia. Mas tem uma regra que funciona desde o antigo Império Romano, que nunca mudou e não deve mudar: os melhores times vão performar melhorar do que os piores. E, sim, acho que é totalmente possível recrutar talentos mesmo em negócio que você considera não tão charmoso quanto tecnologia. O Brasil é um país com muitas oportunidades em infraestrutura. Isso é explosivamente gerador de valor para quem fizer bem-feito e traz um impacto para sociedade muito grande. Muita gente que se encanta com esse tipo de projeto. Além disso, somos um negócio muito grande, com mais de R$ 100 bilhões de faturamento.

Por que acredita que ‘pessoas’ é algo tão importante?

Atrair gente de talento é quase como contratar um crescimento e uma rentabilidade futura. Depois, o resto vem. O time constrói esses caminhos. Sou daqueles que acham que se você tem Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar no mesmo time e traz outra pessoa boa, o time melhora ainda mais. Gente boa tem que trazer mesmo sem ter um projeto pronto.

Você falou de infraestrutura e energia. É nessa direção que vai a mudança de portfólio do grupo?

Gosto muito da ideia de crescer no core business e quando for para sair do core, ficar na periferia dele. Sair de ser distribuidor de energia para virar plantador de tomate traz muita chance de dar errado. E quando olho os negócios que temos hoje, vejo uma periferia gigantesca, onde conseguimos dar passos sem sair demais daquilo que já conhecemos bem. Somos, ao mesmo tempo, um negócio de grande contato com consumidor, temos enorme inteligência do setor de energia e uma pegada de infraestrutura forte, com Ultracargo. É natural que em volta disso serão os lugares ricos para oportunidade. Mas acabamos de vender Oxiteno. Estamos na fase, em 2022, de freio de arrumação. Isso significa organizar balanço, acertar a estratégia futura, e se preparar para um salto, mas sem correr.

O que vem primeiro, arrumar a casa ou…?

Sempre arrumar a casa! [Antes de a perguntar terminar.] Têm oportunidades de melhoria de eficiência importante para ser feita, especialmente na Ipiranga. Temos um core muito relevante. Não têm porque não performarmos muito bem em todos os negócios. Se chegarmos no fim do ano, um operador de eficiência igual ou quase igual ao melhor do setor, em tudo que fazemos, já estaremos em um patamar diferente para pensar em crescimento.

Não é frustrante ter que reconquistar eficiência operacional em Ipiranga, enquanto Vibra está fazendo uma transformação enorme e a Shell também conquistou mercado?

É preciso entender uma coisa. A Vibra é de capital aberto. A Ipiranga, não é. O Grupo Ultra é que é [listado em bolsa]. E no grupo temos outras iniciativas. O grupo tem oportunidade para outras coisas, mas para Ipiranga o foco agora é eficiência operacional porque tem muito dinheiro para ganhar com isso. Essa é uma história de pragmatismo. Eu preciso ser a empresa que mais gera valor para o revendedor e a melhor oferta de valor para meu consumidor também. E preciso da eficiência que gere retorno adequado para o investidor. Preciso disso muito bem recuperado. Tem tudo para ter isso rápido. Vamos mergulhar nisso neste ano.

Como a Ipiranga está sendo transformada?

O relevante aqui é o software, no sentido amplo da palavra. Não é o ativo que é o problema. Não é a rede, não é a marca. Tudo isso é muito bom e de muita resiliência. O que a gente precisa construir é uma cultura mais focada, reforçar sistemas e processos. Isso está sendo atacado diretamente. Objetivo é fechar o gap para as concorrentes ainda neste ano. Já vai ser uma evolução importante quando terminar.

Antes de você chegar, o mercado tinha um diagnóstico de que a holding não conseguia penetrar nas controladas e isso era parte do problema. Como você lida com isso?

Eu não vi esse ‘impenetrável’. Ninguém me contou, então não aconteceu comigo. O que eu te diria é que a holding traz o papel de um acionista controlador. Eu não devo operar, mas devo influenciar naquilo que acho que está errado. Só que a independência dos negócios é fundamental. O senso de dono, a responsabilidade por lucros e perdas, é do presidente do negócio e do time de cada negócio. Essa coisa de que o número está escondido no peito na turma lá de baixo [das controladas abaixo da holding], não existe para mim. Historicamente, pode ter acontecido. Eu nem comecei com essa cabeça.

Entendi que o momento é de recuperar eficiência, mas o portfólio do conglomerado não está sendo pensado?

Acabei de dizer que os negócios são independentes: inclusive a holding. A holding tem que achar os caminhos dela de criar valor. Não pode ficar simplesmente buscando valor no portfólio parado. No longo prazo, os excessos de caixa precisam ser aplicados em ativos com retornos adequados. Esse é o papel da Ultrapar e não das controladas. Elas [investidas] podem até trazer projetos bacanas, porém não é obrigação. Mas é preciso entender também que portfólio é uma jornada e não um objetivo. É uma proposta de valor do que uma holding faz na vida, esse é seu papel. Acabamos de vender a Oxiteno. Eu acho que a gente aqui não tem uma novidade grande. Uma boa estratégia funciona quando tem uma oportunidade. E oportunidade não é algo tão controlável.

E nesse futuro, seja para pensar portfólio ou para pensar remuneração, como se insere o ESG?

Eu me encanto muito com a Ultragaz. O gás de cozinha é o único produto que atende baixa renda que chega na porta das famílias. É uma relação muito forte. Preciso entender melhor ainda, mas existem projetos para fazer — e que ofereçam resultado para a companhia. Sobre emissão de carbono, estamos definindo as metas para Escopo 1 (emissão direta) e Escopo 2 (fonte de energia utilizada) neste ano. Escopo 3 (toda cadeia) é mais desafiador e daí passa sobre o processo de decisão de como vamos surfar a onda da transição energética.

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