O Copom passou no primeiro teste de independência, diz Luiz Fernando Figueiredo

Diretor do Banco Central entre 1999 e 2003, Luiz Fernando Figueiredo viveu a transição entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, que pela primeira vez alcançava a presidência da República. Hoje, 20 anos depois, e à frente do Conselho de Administração da maior gestora de ativos alternativos do país, com R$ 17,1 bilhões sob gestão, Figueiredo avalia que o processo até o corte de juros na semana passada sacramentou seu primeiro “teste formal” de independência.

“Minha nota é muito alta para o Banco Central. Havia uma pressão gigante, mas o Banco Central ficou firme”, afirmou o chairman da Jive Investments.

O Comitê de Política Monetária (Copom)  iniciou na última quarta-feira, 2, o ciclo de queda de juros com um corte de 0,50 ponto percentual (p.p.), que derrubou a taxa Selic para 13,25%, A redução foi acima do que previa a maioria dos economistas do mercado, que esperavam por um corte mais “parcimonioso” de 0,25 p.p. na última semana,

Para Figueiredo, os dados macroeconômicos mais recentes foram fundamentais para o Copom aprovar um corte mais intenso. Ainda assim, a votação foi dividida, com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, desempatando a decisão. Na visão do ex-diretor do BC, essa pluralidade dentro do Copom é saudável e deve ser mais comum daqui para frente. “Antigamente, não era assim. Agora, cada diretor tende a ter uma visão mais diferente. Mas, por mais que pensem diferente, todos terão a mesma meta para seguir, o mesmo objetivo.”

A última reunião do Copom marcou a estreia de dois novos diretores: Ailton Aquino e Gabriel Galípolo. Os dois foram os primeiros indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A maioria ainda é de indicação de seu antecessor, Jair Bolsonaro.

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Apesar das indicações do Executivo, Figueiredo vê o Banco Central a partir daqui muito mais como um órgão de Estado do que de governo. “É como os Três Poderes. O BC existe para garantir que a inflação será baixa.”

Apesar da divisão na última decisão do Copom, em comunicado, o BC informou que há uma unanimidade em manter o ritmo de cortes nas próximas reuniões. Para Figueiredo, o ritmo de 0,50 p.p. em 50 p.p. seria mesmo o “natural” para uma economia como a nossa. Mas disse que, se a inflação continuar surpreendendo para baixo, há chance de o BC intensificar os cortes nas próximas reuniões.

Figueiredo também avalia que o mercado pode se  surpreender na Selic de fim de ciclo, para a qual o consenso é de 9% para final de 2024. Para o ex-diretor do BC, a taxa pode ser ainda mais baixa, se o país conseguir zerar o déficit primário no próximo ano. “Acho que vamos ter mais arrecadação no ano que vem vindo de dois lugares: ampliação de receita e crescimento acima do esperado para este e o próximo ano”, afirmou.

Confira a entrevista com Luiz Fernando Figueiredo, presidente do Conselho de Administração da Jive Investments.

Luiz Fernando Figueiredo - Chairman - Jive Investments Foto: Leandro Fonseca Data: 03/08/2023

Luiz Fernando Figueiredo, chairman da Jive Investments em entrevista à Exame Invest (Leandro Fonseca/Exame)

O corte de juros veio no momento certo? 

Veio no momento certo. Ainda no ano passado, se imaginava que taxa fosse cair entre março e abril deste ano. Mas, quando o Lula foi eleito, ele trouxe uma série de incertezas para o cenário. Ele falou que estabilidade fiscal não é compatível com responsabilidade social, fizeram uma PEC [da Transição] de bilhões e atacaram o Banco Central. Essas coisas fizeram as expectativas se deteriorarem, não só as de inflação. O preço dos ativos brasileiros tiveram um grande tombo. Não tinha como o Banco Central cortar juros com as expectativas de inflação subindo.

O que mudou esse cenário?

A partir de janeiro, eles deram passos na direção certa. Fizeram um pacote fiscal que vai gerar entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões. Depois, veio um arcabouço fiscal bastante razoável, que, no mínimo, reduz o risco de um crescimento muito grande do endividamento. A reforma tributária avançou de forma mais rápida do que se previa. Além disso, uma série de contrarreformas que partiram do governo não vingaram. E apesar de todos os ataques ao Banco Central, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu por manter a meta de inflação. Essas coisas trouxeram as expectativas de inflação para baixo, abrindo espaço para o BC reduzir a taxa de juros.

A maior parte dos economistas de mercado davam um corte de 0,25 p.p. como mais provável, mas o BC decidiu por um ritmo mais intenso. Por que?

O comunicado da decisão de junho foi claro sobre a intenção de começar o ciclo de cortes em agosto. Só que disseram que seria “com parcimônia”.  Então, a leitura foi de que seria um corte de 0,25 p.p. em  agosto. Mas, de lá para cá, saíram dados que contribuíram para um corte mais intenso. A meu ver, a decisão do Copom foi muito boa porque mostra que o BC é sensível aos dados.

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O que, especificamente, contribuiu com o corte mais agressivo?

Uma série de dados de inflação abaixo das expectativas e a definição da meta de inflação pelo CMN. A manutenção da meta em 3% foi o melhor dos casos possíveis. Esse conjunto ajudou o BC a ser mais flexível. 

O BC colocou no comunicado que espera cortar a Selic na mesma magnitude nas próximas reuniões. Há espaço para cortes mais intensos? 

É possível, mas não acho provável. São 45 dias de novas informações. O passo normal é o de 0,50 p.p. para um país com juro próximo de 13%. Mas o passo pode ser acelerado ou reduzido, dependendo do que acontecer. Se os dados forem muito benignos ou a atividade econômica piorar, o BC pode intensificar a queda. Mas a barra está lá em cima. É preciso ser uma novidade que traga uma diferença grande para o cenário.

Esse dado benigno seria de inflação?

Seria de inflação e de queda de expectativas de forma melhor que a imaginada. É um conjunto de fatores que teria que apontar para essa direção.

A decisão do CMN ajudou a controlar as expectativas de inflação. Daqui para frente, quais fatores ainda poderão contribuir?

A agenda precisaria continuar positiva em Brasília. O arcabouço fiscal teria que ser aprovado, o governo atingir a meta de déficit fiscal zero no ano que vem e a reforma tributária avançar. Se tivermos uma boa trajetória fiscal, com déficit zero, a Selic poderá encerrar o ano que vem abaixo de 9%, que é o que o mercado espera hoje.

Como o governo poderá zerar o déficit do ano que vem?

Acho que vamos ter mais arrecadação no ano que vem vindo de dois lugares: ampliação de receita e crescimento acima do esperado para este e o próximo ano.

Por que o Brasil deverá crescer acima do esperado?

É muito difícil incorporar nos modelos econométricos as reformas microeconômicas. O Brasil fez muitas nos últimos anos e elas têm impactos relevantes em trazer mais crescimento sustentável.

Quais delas, por exemplo?

Novo marco do saneamento, nova lei de falência, de liberdade econômica, de estatais, autonomia do BC, reforma trabalhista, da previdência. É difícil incorporar nos modelos. Na prática, estamos crescendo bem mais. Se aprovar a reforma a reforma tributária, embora tenha efeitos a partir de 2026, parte é antecipado pelo ganho de confiança. 

Qual é a projeção de crescimento para este e o próximo ano ?

Para este, devemos crescer próximo de 3% e, no ano que vem, entre 2,5% e 3%.

No comunicado, o BC diz que há unanimidade para manter o ritmo de cortes nas próximas reuniões. Mas, dada a possibilidade de o BC intensificar a queda de juros, poderemos ver novas divergências nas próximas reuniões do Copom? 

Eu acho que não. A divergência acontece quando existe opiniões divergentes a respeito do cenário e ficou claro que existe uma unanimidade com relação ao cenário para frente. Não existe divergência na visão. Ainda assim, esse tipo de diversidade é saudável e faz parte do regime. Antigamente, não era assim. Agora, cada diretor tende a ter uma visão mais diferente. Mas, por mais que pensem diferente, todos terão a mesma meta para seguir, o mesmo objetivo.

A meta de 3% se tornou algo sagrado para o mercado, algo que não pode ser alterado?

O Brasil pode ter uma meta maior que seus pares, mas vai custar mais caro para todo mundo devido ao prêmio de risco. Para países emergentes, a meta é de 3%. Vamos lembrar que a inflação é o pior dos impostos para pessoas mais fragilizadas. Não dá para brincar com isso, principalmente em um país com um histórico como o nosso. Não é questão de ser sagrado, mas se for para o lado de mais inflação, vai custar mais caro para toda a sociedade.

É a mesma coisa da independência do Banco Central: todo o mundo tem. Nós que estávamos atrasados. É como os Três Poderes. É um órgão de Estado, não de governo. O BC existe para garantir que a inflação será baixa.

O monetário e o fiscal estavam em lados opostos no início do ano. O fiscal queria gastar mais e o monetário ser mais restritivo para controlar a inflação. Essa relação tende a ser mais truculenta em trocas de governo?

Pode gerar conflitos, mas faz parte do jogo. A política fiscal não deveria ser uma política de acelerar ou desacelerar o crescimento. Deveria ser uma política para manter o governo sustentável para que o país seja visto como solvente e estável. O problema do Brasil é que o Estado é grande e caro demais, por isso sobra menos dinheiro para as coisas que são prioritárias. Não precisa refinar e explorar petróleo, ter empresa de mídia e tantas outras.

A relação entre o BC e o governo tende a ser mais harmoniosa a partir de agora?

Com certeza. A relação entre o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o do Planejamento foi melhorando ao longo do tempo. Daqui a pouco essa discussão sobre o Banco Central vai ficar esquecida. O Banco Central só esperava que as condições se concretizassem para que pudesse fazer o corte de juros.

A inflação caiu bastante, mas a atividade econômica se manteve relativamente bem. O Brasil conseguiu o soft landing?

Sem dúvida nenhuma. Minha nota é muito alta para o Banco Central. Passamos pelo primeiro teste da autonomia formal do Banco Central. Havia uma pressão gigante, mas o Banco Central ficou firme e, no fim, o governo manteve a meta de inflação.

Nos Estados Unidos, o Jerome Powell, indicado pelo ex-presidente Donald Trump, foi reconduzido ao comando do Fed pelo atual presidente Joe Biden. É possível pensar em algo parecido no Brasil, apesar dos sinais do presidente Roberto Campos Neto de querer voltar para a iniciativa privada?

Ele ficou quatro anos e vai ficar mais dois agora. Ficar mais quatro seria muito tempo. Sou daqueles que acreditam que trocar é bom, apesar de o trabalho do Roberto Campos Neto ter feito um ótimo trabalho. O que ele tem feito no sentido de trazer uma agenda de competitividade do setor financeiro é espetacular. É um Banco Central que lidera a agenda de novidades. Eu trabalhei por quatro anos no Banco Central. Foi uma das fases mais legais da minha vida profissionalmente, mas saí com a língua de fora. Desgasta muito.

O diferencial de juros deve diminuir entre o Brasil e economias desenvolvidas, como a dos EUA e Europa, que, aparentemente, ainda estão longe de começar o ciclo de queda. Qual efeito devemos esperar no câmbio?

Esse diferencial já caiu bastante e vai cair mais, mas muito gradualmente. Os Estados Unidos não deverão mais subir juros, porém, vão ficar um bom tempo com os juros mais altos, de 6 meses a 1 ano. Isso tem algum impacto na taxa de câmbio. Mas, se o diferencial de juros está ficando maior porque o país está melhor e crescendo mais, a tendência é a taxa de câmbio se apreciar.

Vimos uma queda significativa do dólar desde o início do ano. A quais fatores o senhor atribui essa queda?

Basicamente, foi a confiança [do investiodor]. Os ativos no mundo todo deram uma boa recuperada e no Brasil também. Dentro desse processo, é natural o que aconteceu com o câmbio, assim como a alta da bolsa e o fechamento da curva de juros. Está tudo indo na mesma direção.

O real ainda tem um grande espaço de valorização?

Não acho. Temos um déficit nas contas correntes relativamente altas e, no segundo semestre, tem fatores sazonais negativos para a taxa de câmbio. Vejo o dólar muito mais próximo de R$ 5 que de R$ 4,50 no fim deste ano, mesmo em um ambiente [econômico] melhor.

O mercado espera um dólar mais alto no Brasil para os próximos anos, segundo o Focus. Por que há essa perspectiva negativa para a moeda? 

O déficit de contas correntes está um pouco alto demais. Acho que o Brasil vai bem, mas, em termos reais, não dá para o cambio se apreciar muito mais.  O diferencial de juros, quando muito alto, gera uma pressão para valorização do real e essa pressão tende a diminuir.

Aquele patamar dos 3 reais não volta mais?

Não volta. Tiveram mudanças grande na dinâmica do câmbio no mundo. As contas estavam muito saudáveis naquele momento. De lá para cá, muitas coisas aconteceram. Se for para R$ 3, haverá muita vulnerabilidade.

Puxando para o efeito da queda de juros no mercado: a Selic mais baixa deve fomentar o crédito privado?

A curva de juros já embute todas essas quedas, mas, a sanção da queda de juros pelo Banco Central amplifica esse processo. O mercado de crédito, que congelou entre março e abril, está voltando e deve continuar crescendo. Teremos um segundo semestre bem melhor. Provavelmente, teremos algum ou alguns IPOs. Eles vão voltar.

Ainda neste ano?

Sim. Tem uma fila enorme de bons cases.

Quanto menor o juro, mais aquecido tende a ser o mercado de crédito privado?

Sem dúvida. Quando o Banco Central começa a reduzir juros não é só o custo do dinheiro que cai, é um sinal de que vão dar condições para a economia crescer mais Então, o devedor vai pagar menos juros e estar em um ambiente mais favorável para ele. São dois fatores na mesma direção.

A bolsa brasileira deu uma recuperada boa neste ano. Subiu cerca de 18% em dólar. Eu acho que isso teria que acontecer porque quando entra em um ciclo mais virtuoso uma coisa vai leva a outra.

O investidor internacional está relativamente otimista com o Brasil. O Brasil está em uma posição favorável para atrair esse capital externo?

Acho que sim. O Brasil estava indo bem na área econômica, mas carregava uma imagem muito negativa pelo o que o [ex-presidente Jair] Bolsonaro falava. Essa percepção mudou, ficou muito melhor. No exterior, havia uma percepção de que o Brasil estava queimando toda a Amazônia. A agenda econômica andou bem e está gerando maior confiança. O Brasil, de fato, está se tornando um país mais interessante para investimentos, o que contribui para o crescimento sustentável. 

Apesar desse otimismo com o Brasil, há certa cautela com a economia americana. Eles ainda vão sentir os efeitos da alta de juros do Fed?

Sem dúvida. Erraram muito na condução da política monetária nos Estados Unidos e na Europa. Eles demoraram demais para diagnosticar corretamente que a inflação era de demanda e foram muito devagar, achando que resolveriam o problema facilmente. Até há pouco tempo, achava-se que iriam começar a reduzir o juro agora e eles ainda estão subindo. Atrasou em um ano o início da queda de juros. Como eles não têm inflação há 40 anos, eles não sabiam lidar. É um processo de aprendizado.

O patamar de juro atual é suficiente?

Aa meu ver, a quantidade de remédios é suficiente. Há um juro real, que, pelo menos, é um pouco contracionista. Mas, por não ser muito contracionista, a inflação e o juro permanecerão altos por mais tempo. Por outro lado, não parece haver a necessidade de subir muito mais. Se houver recessão, deverá ser muito tênue.

Foi o melhor caminho?

Acho que o custo foi mais alto. Se tivessem sido mais firmes antes, teria uma queda de PIB maior, mas já teria resolvido. Estaríamos em outro lado da história.

A taxa de desemprego ainda está muito baixa nos Estados Unidos. Isso torna a inflação mais sensível por lá?

Ainda é um mercado de trabalho muito apertado. O que acontece na inflação é uma queda muito gradual. Até pouco tempo tinha 2 vagas para cada desempregado. Agora tem 1,6.

O mercado de trabalho está apertado no Brasil?

Não acho. Existe uma boa discussão sobre isso. O NAIRU (taxa de desemprego não aceleradora da inflação em ingles) é calculado por uma média móvel. Como o desemprego no Brasil ficou alto por muito tempo, essa média móvel é muito alta. Suspeito que nosso desemprego é bem abaixo do que o NAIRU sugere, que é em torno de 8,5%. Acho que tem algum espaço no mercado de trabalho brasileiro.

O que tornou o desemprego brasileiro estruturalmente mais baixo?

A pandemia expandiu a capacidade de as pessoas conseguirem empregos que estavam em outras regiões. Alguns trabalhos são 100% virtuais. Muitos passaram a ganhar mais sem sair da localidade, Isso deixou o mercado de trabalho menos apertado, inclusive nos EUA. No Brasil, o mercado de trabalho não está apertado, mas não está frouxo como já foi.

De certa forma, essas mudanças que vieram com a pandemia tornaram o desemprego estruturalmente mais baixo?

Sim, É possível conviver com o desemprego mais baixo, sem que seja um aperto no mercado. Hoje, é difícil contratar uma pessoa para trabalhar 5 dias por semana no escritório.

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