Síndrome do Avestruz: por que evitar os problemas do trabalho pode ser perigoso para sua carreira

Você já trabalhou com algum colega ou chefe que ignora ou evita lidar com problemas? Isso é o que o pesquisador internacional de corportamento, Joaquim Santini, chama de “Síndrome do Avestruz”.

“Esse termo é designado para o profissional que evita situações desconfortáveis ou ameaças, em vez de enfrentá-los de maneira direta e adequada.”

Santini deixou a carreira de engenheira mecânica para se aprofundar em estudo sobre psicologia organizacional. Passou por faculdades como Harvard, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Unicamp e INSEAD (The Business School for the World – Europe) e trabalha desde 1993 com análise do comportamento humano no mercado de trabalho, ano em que fundou a EXO – Excelência Organizacional, consultoria especializada em mudanças organizacionais e em criar ambientes de alta performance, atendendo grandes empresas como Heineken, Brasken, Votorantim, Natura e Unilever.

O executivo, que pesquisa até hoje diferentes tendências do mercado, explica que essa expressão faz referência a um mito popular sobre o comportamento dos avestruzes, que supostamente enterram suas cabeças na areia quando se sentem ameaçados, afirma Santini. “Eles acreditam que, ao não ver o perigo, estariam seguros, mesmo que seus corpos permaneçam expostos e vulneráveis.”

A origem do termo

Trazendo esta perspectiva para um contexto histórico-linguístico, o pesquisador explica que estudiosos como o filósofo Plínio, o Velho, e o biólogo Garrett Hardin contribuíram para a conexão entre os comportamentos do avestruz e do humano na hora de evitar problemas, que mais tarde seria conhecido como “Síndrome do Avestruz”.

“A hipótese explorada por esses autores é que muitas situações sociais e ambientais podem ser fatores geradores de ansiedade e desconforto, e que uma característica constante no comportamento humano é o desenvolvimento de defesas para controlar ou eliminar essas emoções angustiantes”, afirma Santini.

No caso da análise do filósofo Plínio, em sua obra “História Natural” do século I d.C., ele introduziu a metáfora do avestruz enterrando a cabeça na areia. Embora essa descrição não utilize especificamente o termo “Síndrome do Avestruz”, ela ilustra a ideia por trás dessa expressão, sugerindo que os avestruzes acreditam estar escondidos ao mergulhar a cabeça e o pescoço na moita, mesmo que seu corpo permaneça exposto.

Já o uso moderno do termo “Síndrome do Avestruz” para descrever o comportamento humano de evitar problemas parece ter surgido no século XX. Uma das primeiras referências documentadas pode ser encontrada no livro “The Ostrich Factor: Our Population Myopia”, publicado em 1980 pelo biólogo Garrett Hardin, afirma Santini.

“Nesse livro, Hardin usa a metáfora do avestruz para discutir a tendência humana de ignorar problemas populacionais e ambientais, argumentando que os fundamentos dessa analogia fornecem uma perspectiva útil para a compreensão do comportamento humano diante de questões desafiadoras”.

A partir das contribuições desses autores, Santini diz que o termo “Síndrome do Avestruz” começou a ser usado com mais frequência em diferentes contextos, incluindo psicologia, negócios e política, para descrever o comportamento de evitar o enfrentamento de problemas ou situações desconfortáveis. “O termo se popularizou e se tornou uma expressão comum em várias partes do mundo”, diz.

Qual profissional pode desenvolver essa síndrome?

Profissionais em cargos de liderança, como gestores, diretores e executivos, podem ser propensos a desenvolver a “Síndrome do Avestruz”, especialmente quando enfrentam desafios complexos, como crises financeiras, conflitos internos ou pressões externas, afirma Santini.

“Nesses casos, alguns líderes podem optar por ignorar ou minimizar a gravidade dos problemas, evitando confrontá-los diretamente, na esperança de que desapareçam por conta própria ou sejam resolvidos por outros”.

Colaboradores em cargos técnicos ou operacionais também podem apresentar esse comportamento, principalmente quando se deparam com situações que exigem mudanças significativas em seus processos de trabalho, adaptação a novas tecnologias ou enfrentamento de conflitos interpessoais. “Nesses casos, alguns profissionais podem preferir manter o status quo e resistir às transformações necessárias, ignorando os sinais de que mudanças são inevitáveis.”

Além disso, indivíduos com perfis sociais mais introvertidos, avessos a confrontos ou com dificuldades em lidar com situações estressantes, podem ser mais suscetíveis a desenvolver a “Síndrome do Avestruz” no ambiente de trabalho. “Esses profissionais podem evitar assumir responsabilidades adicionais, participar de discussões importantes ou expressar suas opiniões, na tentativa de se proteger de possíveis conflitos ou críticas”, afirma o pesquisador, que reforça que a “Síndrome do Avestruz” não é uma característica inerente a um cargo ou perfil social específico, mas sim um comportamento que pode ser adotado por qualquer indivíduo quando confrontado com situações desafiadoras.

“Cabe às organizações e aos próprios profissionais reconhecer a importância de enfrentar os problemas de maneira proativa e desenvolver estratégias para lidar com as ansiedades e desconfortos inerentes ao ambiente de trabalho, buscando o crescimento pessoal e o sucesso da organização como um todo”

Sim! A cultura de uma empresa pode gerar essa síndrome

Empresas com culturas altamente hierárquicas, onde a tomada de decisões é centralizada e a comunicação flui principalmente de cima para baixo, podem criar um ambiente em que os funcionários se sentem desencorajados a expressar suas preocupações ou questionar as práticas estabelecidas.

“Nesses casos, a ‘Síndrome do Avestruz’ pode se manifestar, com os colaboradores optando por ignorar problemas ou evitar discussões que possam gerar conflitos com seus superiores”, diz Santini.

Engana-se quem pensa que as organizações com culturas que enfatizam a harmonia e o consenso acima de tudo não sejam suscetíveis a desenvolver essa síndrome. “Nesses ambientes, os funcionários podem hesitar em trazer à tona questões delicadas ou expressar opiniões divergentes, temendo perturbar o equilíbrio da equipe ou ser vistos como desordeiros”, diz o pesquisador. “Como resultado, problemas importantes podem ser varridos para debaixo do tapete, enquanto a organização mantém uma fachada de tranquilidade.”

Quais são os impactos desta postura no trabalho?

A pessoa que adota a postura da “Síndrome do Avestruz” no ambiente de trabalho pode causar uma série de impactos negativos, destacando-se:

  1. Queda na produtividade: Ao evitar lidar com problemas técnicos, como falhas em equipamentos, erros em processos ou bugs em sistemas, a pessoa pode contribuir para a queda na produtividade da equipe e da organização como um todo.
  2. Comprometimento da qualidade: Ignorar problemas técnicos pode levar à entrega de produtos ou serviços de baixa qualidade, afetando a satisfação dos clientes e a reputação da organização.
  3. Aumento dos custos: Problemas técnicos não resolvidos podem gerar custos adicionais, como retrabalho, desperdício de recursos e perda de eficiência operacional.
  4. Deterioração das relações interpessoais: A postura de avestruz pode gerar conflitos e tensões nas relações interpessoais, afetando a comunicação, a colaboração e o clima emocional da equipe.
  5. Erosão da confiança: Quando alguém evita enfrentar problemas e não assume responsabilidade por suas ações, isso pode minar a confiança dos colegas, líderes e clientes na pessoa e na equipe como um todo.
  6. Impacto na cultura organizacional: Se a postura de avestruz se torna generalizada, isso pode contribuir para a criação de uma cultura organizacional tóxica, caracterizada pela falta de confiança, comunicação ineficaz e tendência de evitar responsabilidades.
  7. Reforço de padrões negativos: A postura de avestruz pode estar enraizada em padrões inconscientes de comportamento, como o medo do fracasso, a baixa autoestima ou a dificuldade em lidar com a incerteza. Ao evitar enfrentar problemas, a pessoa reforça esses padrões negativos, dificultando seu crescimento pessoal e profissional.
  8. Impacto nas dinâmicas de poder: A evitação de problemas e responsabilidades pode estar relacionada a dinâmicas inconscientes de poder e controle na organização. Pessoas em posições de menor poder podem adotar a postura de avestruz como uma forma de se proteger ou evitar conflitos com superiores hierárquicos.
  9. Perpetuação de estereótipos e preconceitos: A postura de avestruz pode ser influenciada por estereótipos e preconceitos inconscientes, como a ideia de que certos grupos são menos capazes de lidar com problemas ou assumir responsabilidades. Isso pode perpetuar desigualdades e prejudicar a inclusão e a diversidade na organização.
  10. Impacto na saúde mental: A longo prazo, a adoção constante da postura de avestruz pode ter um impacto negativo na saúde mental da pessoa, levando a quadros de burnout, depressão e ansiedade. Isso pode estar relacionado a conflitos inconscientes não resolvidos e ao acúmulo de estresse emocional.

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Como combater essa síndrome que visa a fuga?

O combate à “Síndrome do Avestruz” requer uma abordagem que considere os fatores técnicos, socioemocionais e inconscientes presentes na vida organizacional. “Não existe uma solução única, mas sim uma combinação de estratégias que podem ser implementadas para enfrentar essa questão de maneira eficaz”, afirma Santini que destaca três exemplos.

  • No âmbito técnico: a organização pode investir em treinamentos que capacitem os funcionários com as habilidades necessárias para lidar com os desafios inerentes aos seus papéis. Isso inclui o desenvolvimento de competências em gestão de conflitos, tomada de decisões e comunicação assertiva. “Ao fornecer ferramentas práticas e conhecimentos técnicos, a organização pode empoderar seus funcionários para enfrentar as ansiedades e os desafios de maneira mais eficaz”, diz.
  • No âmbito socioemocional: “É fundamental criar um ambiente de trabalho acolhedor e psicologicamente seguro, onde os funcionários se sintam confortáveis para expressar suas preocupações e compartilhar suas ideias”, diz Santini que reforça que esse ambiente pode ser alcançado por meio de iniciativas que promovam a confiança, o respeito mútuo e a colaboração entre os membros da equipe. A organização pode implementar um conjunto abrangente de iniciativas de bem-estar e suporte emocional, que incluem grupos de discussão facilitados por profissionais capacitados, espaços terapêuticos seguros e confidenciais, e programas de coaching grupal focados na aprendizagem e no desenvolvimento pessoal.
  • No âmbito inconsciente: é nesta área que reside o maior desafio para o combate a essa síndrome. É essencial reconhecer e abordar as dinâmicas ocultas e os mecanismos de defesa sociais que podem estar perpetuando a evitação de problemas na organização. Isso requer uma análise aprofundada da cultura organizacional, das relações de poder, dos padrões de comportamento enraizados, dos conflitos latentes, das ansiedades e das defesas inconscientes que estão impedindo o enfrentamento saudável dos desafios. “Uma das saídas é recorrer a especialistas em dinâmica grupal e individual, na metodologia de análise institucional e no coaching individual focados na aprendizagem e no desenvolvimento pessoal”, diz. Além disso, a liderança desempenha um papel crucial na criação de um ambiente propício ao enfrentamento da “Síndrome do Avestruz”. Eles precisam criar espaços seguros para o diálogo aberto, a reflexão crítica e a aprendizagem coletiva.

“É fundamental considerar que a ‘Síndrome do Avestruz’ é um fenômeno complexo e multifacetado, que envolve não apenas fatores geracionais, mas também aspectos culturais, sociais, organizacionais, emocionais, inconscientes, raciais, étnicos e até antropológicos”, diz Santini.

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