Três pontos-chave para entender a corrupção voraz que corrói a Guatemala

Bernardo Arévalo nunca teve garantida sua posse no domingo como presidente da Guatemala. Por meses, enfrentou uma ofensiva judicial atribuída à poderosa elite econômica e política do país, com o objetivo de perpetuar a corrupção.

Executada pelo Ministério Público, a ofensiva buscou retirar sua imunidade, conseguiu a suspensão de seu partido, Semilla, e tentou anular os resultados das eleições devido a supostas irregularidades.

Arévalo afirma que foi uma “tentativa golpista” motivada por sua promessa de perseguir os corruptos, com a qual, contra todas as expectativas, venceu confortavelmente no segundo turno em agosto.

Analistas e ativistas humanitários apontam três chaves para entender a magnitude do problema:

Uma elite “predadora”

Herdando a oligarquia que surgiu na época colonial, a elite guatemalteca é considerada uma das mais “predadoras” do continente, explicou à AFP Jordán Rodas, ex-procurador de Direitos Humanos, exilado em Washington.

Com 60% de seus 17,8 milhões de habitantes vivendo na pobreza, a Guatemala tem uma das desigualdades “mais altas da América Latina, com uma população desamparada,  predominantemente rural e indígena, e empregada no setor informal”, indica um relatório do Banco Mundial de outubro.

Segundo um relatório da Oxfam Internacional de 2019, o 1% mais rico da Guatemala “tem os mesmos rendimentos que metade da população”.

Na Guatemala, com uma alta concentração de terras férteis em poucas mãos, as famílias mais poderosas, como os Castillo, os Bosch, os Novella e os Herrera, são proprietárias de engenhos, cafezais, cervejarias, imobiliárias e negócios bancários.

“É uma elite predadora, corresponsável pela corrupção desenfreada dos últimos governos e pela migração, pois os salários miseráveis expulsam os guatemaltecos do país”, comentou Rodas.

Para essa elite, o Estado não “existe para alcançar o bem comum, mas sim para enriquecer-se, sem saciar sua voracidade”, acrescentou o ex-procurador (2017-2022).

“Eles se apoiam entre si porque desejam um Estado que não cobre impostos nem aplique normas trabalhistas ou ambientais”, acrescentou Manfredo Marroquín, cofundador da Acción Ciudadana, versão local da Transparência Internacional.

A “ditadura corporativa”

Criado em 1957, o Comitê Coordenador de Associações Comerciais, Industriais e Financeiras (Cacif) reúne a cúpula empresarial conservadora. “É o poder real que rege os destinos do país”, afirmou à AFP Carmen Aída Ibarra, do movimento cidadão ProJusticia.

Com um Estado enfraquecido pela guerra civil (1960-1996), as elites econômicas, políticas e militares teceram, segundo os analistas, uma teia de corrupção tão extensa que levou a ONU a se envolver diretamente com a Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), estabelecida em 2007.

Em 2015, a Cicig e o Ministério Público descobriram uma rede de subornos que envolvia o então presidente Otto Pérez, que teve que renunciar e foi para a prisão, de onde saiu recentemente mediante pagamento de fiança.

Também apontaram partidos políticos por financiamento ilícito nas eleições de 2015, com dinheiro de grandes empresários e do crime organizado, salpicando o sucessor de Pérez, Jimmy Morales.

Os congressistas aprovaram em 2017 reformas buscando blindar os líderes políticos dessas acusações, desencadeando protestos que os forçaram a recuar. Manifestantes chamaram isso de “pacto de corruptos”.

“É a conspiração de políticos, funcionários públicos e vários empresários da elite com uma intenção perversa de se perpetuar no poder como uma ditadura corporativa, que não tem nada a ver com o ideológico”, disse Rodas.

O reino da impunidade

Morales expulsou a Cicig em 2019 e nomeou como nova procuradora-geral Consuelo Porras, que foi ratificada no cargo pelo presidente atual, Alejandro Giammattei, acusado pela anterior Procuradoria em um caso de propina que não avançou.

Porras, sancionada por Washington, que a considera corrupta, é apontada como líder da perseguição penal contra Arévalo.

Com a Cicig fora, explicou à AFP a ex-procuradora Claudia Paz y Paz, exilada na Costa Rica, foram “cooptados” os tribunais, o Ministério Público, o Congresso, o Executivo e a Controladoria, “colocando funcionários que, em aliança com parte da elite econômica”, agem para “garantir a impunidade”.

“Colocaram capangas judiciais que fabricam casos contra jornalistas e funcionários que denunciam a corrupção. Eles têm deputados que aprovam leis mediante suborno e procuradores que são a ferramenta da perseguição”, afirmou Marroquín.

Segundo Edie Cux, diretor da Acción Ciudadana, “vários desses grupos de poder tradicionais têm até vínculos com o crime organizado”.

De 180 países, a Guatemala ocupa o 150º lugar (do menor para o maior) no ranking de corrupção da Transparência Internacional.

Para Marroquín, a “agenda” da elite é “clara”: “permanecer em um Estado de total corrupção e impunidade, que é o óleo que lubrifica todo o sistema político e econômico do país”.

“É um monstro de mil cabeças”, ilustrou Rodas.

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