Os deputados receberam com críticas a segunda fase da reforma tributária, enviada pessoalmente à Câmara pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na última sexta-feira, 25. Até as bancadas favoráveis a mudanças no sistema pretendem apresentar sugestões para alterar pontos que vão desde a faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) até a alíquota definida para a taxação de lucros e dividendos.
Alguns parlamentares vão além e defendem a redação de um texto alternativo. Lideranças do Cidadania e do PSDB na Câmara estudam apresentar uma contraproposta ao relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA). A ideia, entretanto, ainda está em fase inicial. O texto do governo está sendo analisado por técnicos, que devem avaliar o que é viável propor de diferente, afirma o líder do Cidadania na Casa, Alex Manente (SP).
“Estamos trabalhando nisso [contraproposta], vendo o que é possível aprimorar”, reforça o líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG). A ideia, segundo ele, é propor um texto que seja capaz de gerar mais apoio entre os deputados. “Ainda está em fase muito inicial, com avaliação de técnicos, mas, se for o caso de uma contraproposta, queremos que outras bancadas também participem”, afirma.
Com ou sem texto alternativo, o projeto deve receber dezenas de sugestões de mudanças por emendas. A versão atual não é a ideal nem para a direita, nem para a esquerda, apesar de ser, em tese, mais simples de ser aprovada do que as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) antes em discussão – PECs precisam de apoio de três quintos do Congresso para serem aprovadas, enquanto projetos de lei exigem maioria simples.
Em relação ao texto apresentado sexta-feira, o ponto de insatisfação mais comentado entre os deputados, que já é antecipado como assunto de emendas de diversos partidos, é a taxação de 20% sobre lucros e dividendos. O governo propôs a cobrança, hoje inexistente, como contrapartida às medidas que vão diminuir a arrecadação: atualização da tabela do IRPF e redução do IR de pessoas jurídicas.
Alguns deputados sugerem um aumento gradual na cobrança sobre lucros e dividendos, em vez ir direto para 20% – o que pode ser proposto por emenda. Outros, como Alexis Fonteyne (Novo-SP), que participou das discussões sobre a reforma tributária na comissão mista extinta, acreditam que chegar a 20% é inaceitável e que a alíquota deve ser menor. “O projeto pesou a mão. 10% já é muito”, diz o deputado do Novo.
A taxação de dividendos “com certeza vai ser assunto de emenda, porque não tem o menor cabimento”, afirma Fonteyne, que considera a ideia “um desestímulo a investimento no Brasil”. Manente, do Cidadania, concorda que o texto, como está, desincentiva investimentos e cria tributos, o que vai na contramão do que deveria prever uma reforma tributária. “Não traz melhoras no ambiente de negócios e aumenta impostos para empresas”, aponta.
Mesmo com a sugestão de redução gradual do IRPJ, que, pela proposta, passará de 15% para 10% até 2023, há um “claro viés de aumento arrecadatório”, na visão de Rodrigo de Castro, do PSDB. O projeto do governo mantém a alíquota adicional de 10% para lucros acima de 20 mil reais por mês e a cobrança de 9% de Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Assim, para empresas de lucro presumido, a alíquota subirá de 34% para 49% com as mudanças propostas, mesmo com a diminuição de 5% no IRPJ, apontam deputados contrários às medidas. “O maior inimigo da reforma tributária é o Paulo Guedes, que insiste em defender propostas que aumentam a arrecadação do governo”, critica Castro.
Diante da reação dos parlamentares à proposta, o relator Celso Sabino disse em entrevista ao Estadão, nesta terça-feira, 29, que o percentual da cobrança sobre os dividendos não está fechado. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou ao Valor, na segunda-feira, 28, que a taxa pode cair e mencionou que a faixa proposta de isenção é “excessiva”.
No âmbito da taxação de dividendos, o texto prevê isenção de 20 mil reais por mês para micro e pequenas empresas, o que também pode ser alvo de emendas na Câmara, acredita o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). Também integrante da comissão mista que discutia a reforma, ele defende retirar a isenção para a cobrança de dividendos e diminuir a alíquota.
Costa Filho afirma, no entanto, que ainda não há decisão sobre apresentação de emendas. “Estamos estudando o texto, mas acho que o caminho é aprimorá-lo, não apresentar um alternativo”, diz. Ele considera que o projeto tem “algumas imperfeições que precisam ser analisadas”. Por um lado, desonera, mas, por outro, afugenta investidores, por sinalizar um aumento de carga tributária.
Mais mudanças
Outra crítica recorrente entre os deputados é que a tabela do IRPF, mesmo com a proposta de elevar a faixa de isenção de 1.903,98 reais para 2.500 reais, continua defasada. Pelos cálculos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), a isenção deveria valer para quem ganha até 4.022,89 reais. Deputados da oposição estudam protocolar emenda para que o texto chegue a esse valor.
Outra ideia que pode vir como emenda é a criação de um gatilho na lei, para que a tabela seja sempre atualizada de acordo com a inflação. O problema é que a perda arrecadatória seria muito grande, o que gera resistência. “Seria justo, mas o governo não vai querer mexer nisso, porque cada real de diferença na faixa de isenção representa milhões de pessoas que deixam de pagar o imposto”, disse um deputado de direita.
Outros pontos previstos na proposta, como a taxação de fundos imobiliários (FIIs), geram controvérsia. O governo propõe cobrar 15% sobre os rendimentos distribuídos aos cotistas dos FIIs, mesma alíquota que passaria a incidir sobre o ganho de capital. Hoje, os cotistas não pagam IR quando recebem os rendimentos periódicos e, quando vendem as cotas, pagam 20% sobre o ganho de capital.
“Acho que tem que taxar fundos imobiliários”, afirma Fonteyne. A opinião não é unânime. Costa Filho, por exemplo, é contra a cobrança. “É um setor muito importante para a retomada do crescimento e da renda. Traria insegurança”, acredita o deputado do Republicanos, que ressalta ainda não ter fechado nenhuma proposta de emenda nesse sentido, já que o texto chegou à Câmara na sexta-feira.
Mesmo em relação às propostas consolidadas, deputados têm ouvido as demandas dos setores que se consideram prejudicados pelo projeto. Em nota, a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) alega, por exemplo, que, no caso da tributação de fundos imobiliários, a “melhor solução seria ter uma taxação diferente da atual, ao invés da isenção”. Assim, “evitaríamos comprometer os investimentos em habitação”.
Proposta única
Além de estudarem mudanças, alguns deputados criticam a ideia do governo de fatiar a reforma, mandando sugestões de mudanças pontuais via projetos de lei, em vez de uma proposta mais robusta. Para o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), “não é possível considerar que esses projetos são uma reforma”. A reforma tributária deveria tratar de “cobrança simplificada, com eficiência”, defende.
“Agora que o empresariado e o mercado financeiro estão entendendo que o fatiamento da reforma tributária, na verdade, é um absurdo. Foi feito para não dar certo. Natural seria estabelecer primeiro as garantias constitucionais, o que é tratado em PEC, para depois tratar de regulamentação, por projeto de lei complementar”, diz Bulhões.
O líder do MDB na Câmara não descarta que haja uma contraproposta por parte do Congresso. “Acho que vai acontecer, porque a discussão iniciou agora. É natural qualquer exercício de modificação”, afirma. Ele ressalta, porém, que a discussão ainda é muito recente. “Iniciamos a discussão na bancada, mas ainda é cedo para dizer o que vem de emenda”, afirma.
Para Costa Filho, o ideal seria “buscar um ponto de equilíbrio” e aprofundar o debate. “Na minha avaliação, está provado que o correto é encaminhar uma proposta única sobre reforma tributária”, afirma. “O que a gente está vendo são propostas que estão chegando, mas sem fazer um debate mais profundo com a sociedade e com setor produtivo”, diz.
Fonteyne concorda que o que o governo propõe não é uma reforma, mas um “pacote” tributário que não cria nada, apenas muda alíquotas. “Reforma tributária, para mim, é mexer na estrutura, como criar um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) padrão OCDE, mexer com ICMS, PIS/Cofins, ISS”, lista. O governo, na visão dele, propôs apenas um “pacote de aumento de carga tributária”.
Apesar das críticas, parte dos parlamentares diz não estar preocupada com o avanço do projeto. Um deputado da oposição afirmou que não importa se o texto é bom ou ruim, porque não deve ser votado. “Tem até pontos positivos, mas o governo já perdeu o timing para aprovar qualquer coisa”, acredita. Outro, da base governista, admite que é “pouco provável que a reforma tenha sucesso, da forma que está”.
O deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) acredita que o momento não é dos melhores para o governo avançar com uma reforma. Os desdobramentos da CPI da Covid, na opinião dele, atrapalham o Executivo. “O governo está com muitos problemas, o que gera dificuldade para aprovação. Nesse ponto, uma reforma fatiada pode ser mais fácil”, pontua.
Qualquer avanço, se houver, será depois do recesso parlamentar, previsto para a segunda quinzena de julho, e antes do fim do ano. Se passar desse intervalo, a pauta esbarra nas eleições de 2022. E, em ano eleitoral, segundo deputados, as chances de aprovação são quase nulas.
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