A tendência de uma eleição polarizada no ano que vem, prevista em pesquisas, e as tensões econômicas e políticas que adentrarão 2022 podem trazer um cenário de instabilidade para o próximo mandato presidencial que exija ainda mais concessões em troca de governabilidade, avalia o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale.
“Vamos sair de um país polarizado, a eleição vai criar arestas intransponíveis politicamente e o próximo presidente terá que, para ter um mínimo de estabilidade política, compor muito mais com o centrão e de uma maneira muito mais explícita do que faz hoje, sendo que hoje já é uma composição bastante enraizada”, afirmou no último episódio do podcast EXAME/Política (ouça abaixo na íntegra).
Segundo o analista, além da tensão eleitoral, o país também deve enfrentar uma tensão econômica. Apesar das previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil neste ano, o desemprego atinge um recorde de pessoas e a desigualdade econômica aumentou. Na visão de Vale, o cenário não deve arrefecer significativamente até o ano que vem.
O especialista aponta que um dos efeitos da instabilidade deve recair no crescimento econômico, que pode perder sustentação. “Será que a gente consegue crescer de forma sustentável a 4 ou 5%? Eu acho que não, vamos continuar crescendo 2%, 3%, não conseguindo sair disso, porque as condições estruturais não estão sendo colocadas para a gente conseguir crescer num patamar maior”, avalia.
Disputa acirrada
Na pesquisa EXAME/Ideia divulgada em 21 de maio, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderava uma simulação de segundo turno com 46% das intenções, contra 38% do presidente Jair Bolsonaro.
Apesar da vantagem de Lula, Vale considera possível uma aproximação entre as intenções de voto dos dois potenciais candidatos no ano que vem caso o cenário eleitoral projetado se consolide. Isso porque, por ser o governante atual, Bolsonaro tem o poder de executar medidas que podem favorecer sua popularidade, que está em um dos piores momentos de seu mandato.
Segundo a última pesquisa EXAME/Ideia, divulgada nesta sexta-feira, 11, a desaprovação do governo está em 49%, em um recorde dentro da margem de erro que permanece des março, enquanto 26% aprovam a gestão.
Uma das medidas que o presidente já cogita para o ano que vem e podem aumentar o seu apoio é a ampliação de benefícios de transferência de renda. “Me parece que o cenário está favorável para o presidente e coloca uma disputa que vai ser mais parelha do que as pesquisas mostram hoje”, afirma Vale.
Renda básica no horizonte
Por conta do alto desemprego e desigualdade que se acentuaram durante a pandemia e devem continuar permeando em 2022, a discussão do aumento de benefícios sociais de transferência de renda deverá permanecer no radar, aponta o economista.
“Essa ideia de uma renda básica é um processo que não está acontecendo só aqui. Já começou em 2008 no pós crise financeira e agora acelerou por conta da pandemia”, afirma Vale. “Vamos ter isso muito presente nos próximos anos”, prevê.
O economista ressalta, no entanto, que a discussão pode enfrentar percalços no caminho pela condição fiscal do Brasil. Vale diz que há possibilidade da ampliação de programas de transferência de renda no ano que vem por conta do aumento no espaço do teto de gastos de 2022 que acompanhará a inflação dos 12 meses até a metade deste ano. Para os anos seguintes, porém, a situação fiscal pode voltar a apertar com a alta dos juros.
No último relatório Focus com as previsões econômicas do mercado publicado pelo Banco Central na segunda-feira, 7, a expectativa é que a taxa Selic termine 2022 a 6,5%. Atualmente, os juros básicos estão em 3,75%.
“Uma coisa é fazer isso em países que têm uma estrutura fiscal que permite, que é basicamente taxa de juros baixa e serviço da dívida extremamente baixo. Vamos chegar no ano que vem com uma taxa de juros a 6,5% ou talvez mais. O custo dessa dívida fica ainda mais elevado. A questão fiscal vai estar cada vez mais presente”, avalia.
“Vai ter que ter cada vez mais nos próximos anos uma capacidade de fazer bons programas com bons desenhos e uma capacidade de articulação no Congresso para escolher o que vai fazer”, diz o economista. “E isso não tem sido recorrente nos últimos anos”, afirma.
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